“A Lava Jato teve uma grande contribuição ao país, uma grande contribuição no combate à corrupção. Seus acordos de delação que trouxeram ao país mais de R$ 4 bilhões. Isso é incontestável, independente do julgamento que se possa fazer, se o sujeito é culpado, se o sujeito é inocente. É incontestável que houve corrupção, que houve irregularidades”. Foi o que ressaltou o procurador de Justiça campista Cláudio Henrique da Cruz Viana, presidente da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Amperj), na manhã de hoje no programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3. Muito embora ele também tenha feito críticas ao ex-juiz federal Sergio Moro, por ter aceitado ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (hoje, sem partido), após condenar seu principal adversário nas urnas presidenciais de 2018, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tirando este da disputa que liderava em todas as pesquisas.
Cláudio Henrique também questionou a captura e divulgação de conversas nas redes sociais, grampeadas por hackers e divulgadas inicialmente no site Intercept Brasil, que parecem evidenciar a quebra de isenção de Moro como juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, ao trabalhar em parceria com o Ministério Público Federal na investigação e denúncia de vários políticos e empresários durante os governos do PT. Entre eles o ex-presidente Lula, que teve todas suas condenações na Lava Jato anuladas pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 8. Para o procurador, mesmo que as conversas sejam verdadeiras, elas contaminam mais a atuação do então juiz federal, do que dos procuradores da República:
— Essas gravações que acabaram circulando (no caso que ficou mais conhecido como Vaza Jato), tem duas coisas que acho importante dizer. Primeiro na forma. É muito grave que conversas privadas, seja lá de qualquer pessoa, possam ter seu sigilo telefônico violado. E por aí a gente pode pensar inúmeras hipóteses, pois hoje, em um telefone celular, quanta informação existe ali pessoal? E isso vir à tona e ser usada publicamente. Deixando as paixões de lado, e hoje a gente vive uma polarização muito grande, aquela coisa do Fla-Flu, mas de uma forma objetiva, isso é muito grave. Representa uma quebra de regra do que está no artigo 5º da Constituição e trata das garantias fundamentais, da proteção do cidadão contra o arbítrio do Estado. O segundo ponto é o conteúdo das conversas, que ninguém sabe se é totalmente verdadeiro, ou se há alguma edição ali. Agora é claro que, a se interpretar alguns trechos das conversas, eles contaminam muito mais o juiz, do que os procuradores.
O presidente da Amperj criticou a individualização da Lava Jato na figura de Sergio Moro, que condenou Lula à prisão, tirando-o da disputa presidencial de 2018 pela Lei da Ficha Limpa, após a ratificação da sentença pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). E considerou mais grave, em prejuízo à Lava Jato, Moro ter largado a magistratura para aceitar ser ministro da Justiça do principal beneficiado político-eleitoral da sua decisão enquanto juiz, o presidente Jair Bolsonaro (hoje, sem partido). O procurador concordou com a associação do fato à ultima fala do filme “Advogado do Diabo” (1997, de Taylor Hackford), onde Lúcifer diz pela boca do ator Al Pacino: “De todos os pecados que inventei, a vaidade sempre foi o meu preferido”:
— Não podia o juiz que estava à frente de um processo com essa envergadura, com essa importância, com a repercussão política tinha naquele momento, um ex-presidente da República, que era um candidato forte naquela eleição, ele foi tirado do processo político. Independentemente do mérito, se merecia ou não (a condenação). E aí aquele juiz, o grande responsável por isso, em seguida se mostra aliado do grande opositor, do grande interessado, para não dizer o grande beneficiado da retirada do outro candidato, e assume um cargo. A gente costuma dizer no Direito que um juiz, ele não basta ser honesto; ele tem que parecer honesto. Igual à mulher de César (que cunhou o ditado, em 63 a.C.). Então as causas de suspeição de um juiz, pelas regras do Código de Processo, passam por aí. É preciso que fique clara a posição do juiz, no sentido de ser imparcial. Acho que aquilo foi muito prejudicial, sim, à credibilidade da Lava Jato. Eu também gosto muito dessa parte do filme: a vaidade; a vaidade realmente é uma questão do ser humano. E, por causa dela, muitas vezes se desvia totalmente do melhor caminho.
Ainda assim, para Cláudio Henrique, não é verdadeira a tese da esquerda brasileira, sobretudo da lulopetista, de que a Lava Jato teria “matado o cachorro, para matar as pulgas”. A afirmação se dá como crítica pela punição também às empresas, não apenas às pessoas físicas dos donos das principais empreiteiras do país, que se organizaram em cartel para movimentar um gigantesco esquema de corrupção nos governos do PT. Sobre a pergunta se seria possível condenar apenas o CPF, da pessoa física, preservando o CNPJ, da pessoa jurídica, o procurador respondeu:
— A grande corrupção, inevitavelmente, ela passa pelo CNPJ. Não é um cidadão que, isoladamente, está nos grandes esquemas de corrupção do país. A gente não pode generalizar, demonizar os empresários como um todo. Às vezes a gente ouve alguns empresários reclamando do próprio Ministério Público, das regras do Estado, questões tributárias. E, quanto mais burocrático o Estado, isso favorece também a corrupção. Não que justifique, óbvio, mas acaba favorecendo. Eu não acho, sinceramente, que a Lava Jato tenha quebrado empresas. O que pode ter quebrado empresas foram as opções que os dirigentes delas fizeram. Tanto que você percebe que hoje, mais do que nunca, ganham força os sistemas de compliance (“estar em conformidade com as leis”). Talvez a Lava Jato tenha ajudado nisso também, nessa consciência dos rumos que as empresas precisam ter sob o ponto de vista da legalidade e da ética.
Confira abaixo, em três blocos, os vídeos da entrevista do procurador Cláudio Henrique da Cruz Viana, presidente da Amperj, ao Folha no Ar:
Excelente entrevista…sem juízo prévio ou demonização de opiniões.
Equilíbrio e bom senso no entendimento
Testemunho de pessoa conhecedora e de imparcialidade na análise.
Esclarecedora. Parabéns pela realização
Basta saber somar 2+2 para saber que o douto promotor legisla em causa própria . A operação Lava Jato (em números ) causou muito mais prejuízos do que benefícios (milhares de emprego, falência da indústria da construção civil , petróleo e gás) fora as atrocidades cometidas. Em nome de que? Do combate à corrupção? É quase a mesma coisa de ter um cachorro com carrapato e ao invés de tratar da um tiro na cabeça do cachorro. A vaidade dessa turma transcende a realidade. É por isso que será tudo anulado .
Caro Cristiano,
Sem a pretensão de fazer o advogado do procurador, todos seus questionamentos foram por ele respondidas. Com menos vaidade, mais bom senso e elegância.
Grato pela chance da observação!
Aluysio