Na maior crise militar desde que esta categoria largou o osso do poder no Brasil, em 1985, Bolsonaro hoje perdeu os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Para não ser abandonado pelos três, simulou que os exonerou. O encarregado da missão foi o general Braga Netto, ex-interventor militar do Estado do Rio, que deixou o ministério da Casa Civil para assumir o da Defesa. Cujo ex-ocupante, general Fernando Azevedo e Silva, saiu ontem mandado um recado, preto no branco, ao presidente e à sociedade brasileira: “Preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”.
Em apoio a Azevedo e Silva, os três comandantes das Forças Armadas Brasileiras foram à reunião de hoje para dizer a Braga Netto: “Não daremos um passo que possa contrariar a Constituição ou caracterizar ingerência nos outros Poderes, o Judiciário e o Legislativo”. O general e lugar-tenente de Bolsonaro foi dizer o que quis, mas ouviu o que não quis. Agora ex-comandante da Marinha, o almirante Ilques Barbosa reagiu com bastante força. Inclusive “beirando à insubordinação”, segundo fontes que participaram da reunião.
Na reforma ministerial anunciada ontem, o presidente também fez de Flávia Arruda (PL/DF) ministra da secretaria de Governo. Deputada federal de primeiro mandato, só foi eleita por ser esposa do ex-governador de Brasília, José Roberto Arruda (PL), preso e alvo de impeachment por corrupção em 2010. Sem nenhuma relevância no Congresso, Flávia cumprirá o papel de secretária do Centrão do governo federal. Para tentar acalmar os ânimos do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP/AL), após este acender publicamente o “sinal amarelo” a Bolsonaro pela conduta genocida deste na pandemia da Covid. Que, até ontem, tinha matado mais de 314 mil brasileiros.
No período da redemocratização do Brasil, Fernando Henrique Cardoso criou o “presidencialismo de coalisão”, transformado por Lula e o PT, até darem com os burros n’água, em “presidencialismo de cooptação”. Obrigado a aceitar a demissão de Ernesto Araújo, pior chanceler da História do Brasil, e com o limite constitucional imposto nas Forças Armadas pelo seu agora ex-ministro da Defesa, Bolsonaro reagiu com a irracionalidade de qualquer animal acuado: avançou. Nesta investida desesperada, pretende segurar os militares e o Centrão como aliados. Na verdade, o atual inquilino do Palácio do Planalto lembrou outro ex-presidente da Nova República, Fernando Collor de Mello, em seu discurso fatídico: “Não me deixem só!”. Em 1992, deu no que deu…
Na questão militar, Bolsonaro tentará jogar com a simpatia que julga gozar no baixo oficialato do Exército, para tentar instalar a anarquia nos quartéis. Mais ou menos como faz com as milícias instaladas nas PMs estaduais, ou como o ex-coronel Hugo Chávez fez com os militares da Venezuela. E, tudo indica, enfrentará a resistência tenaz do comando das Forças Armadas Brasileiras, já cientes da canoa furada em que entraram e independente dos nomes escolhidos para chefiá-las. A exemplo do seu “mito” Donald Trump, defenestrado pelo voto popular e do colégio eleitoral dos EUA, Bolsonaro tenta implantar no Brasil, desde que chegou ao poder em 2019, o “presidencialismo de colisão”. Em 2022, ou antes, pode ser com a cara no muro.