Wladimir, Bolsonaro e CPIs de Brasília a Campos
Hoje, 10 de abril, se completam 100 dias da administração Wladimir Garotinho (PSD). Que se dão em meio às consequências locais do momento mais grave da pandemia da Covid no país. Como também da gravidade da crise financeira que é particular ao município e anterior ao vírus, embora agravada por ele. A despeito do contexto desfavorável, se percebe um clima de otimismo com a nova gestão municipal. Que foi refletido no painel de análise publicado (confira aqui) nas páginas 2 e 3 desta edição, com seis representantes da sociedade civil goitacá. Entre as notas indagadas a cada um sobre os 100 dias de Wladimir, a média de avalição da sua administração foi de 7,5. Entre 0 a 10, é uma aprovação inicial com louvor. Lembrado que, à frente, existe o boletim ainda vazio à nota dos 1.360 dias restantes do mandato.
Em outra etapa de tempo, hoje também se completam os primeiros 100 dias da segunda metade do governo Jair Bolsonaro (sem partido). E a data se deu de maneira francamente desfavorável ao presidente. Na quinta (08), no Supremo Tribunal Federal (STF), ele sofreu duas derrotas contundentes: por 9 a 2 contra a liberação dos templos religiosos durante a pandemia, além da decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso, obrigando o Senado a abrir a CPI da Pandemia. Que foi proposta pelo próprio Senado, dentro das regras constitucionais: 31 assinaturas (quatro a mais do que o 1/3 mínimo de 27), com prazo e fato determinado. Mas era barrigada pelo senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), eleito presidente da Câmara Alta com apoio de Bolsonaro.
Como o negacionismo do governo federal se espraia em doentes, mortos e colapso das redes de saúde nos 5.570 municípios do país, a análise dos 100 primeiros dias do prefeito Wladimir buscou ser plural. Mas, por motivo oposto, sem condenar nenhum setor ao sufocamento. Em ordem alfabética, a Folha ouviu a servidora Eliane Leão, presidente do Siprosep; o cientista político Hamilton Garcia, professor da Uenf; o especialista em finanças Igor Franco, professor do Uniflu; o professor Jefferson Manhães de Azevedo, reitor do IFF; o empresário José Francisco Rodrigues, presidente da CDL-Campos; e o médico infectologista Nélio Artiles, professor da FMC. Que avaliaram o novo governo de Campos:
— Pela atual crise (…) sei que diversas reivindicações não serão atendidas. A virtude é o diálogo. E os principais erros a ausência de calendário de pagamento, o não recebimento do 13º. Estes erros frequentes na folha de pagamento adoecem o servidor. Nota 6,5 — avaliou Elaine.
— Nota 7: com uma equipe experiente e especializada (…) imprimiu um perfil técnico ao seu governo (…) O problema é saber se terá temperança para seguir esse caminho, em meio à tradição de loteamento de cargos e apadrinhamento de recursos públicos — pontuou Hamilton.
— Acho que uma nota 8,5 não é excessiva (…) A principal virtude tem sido a comunicação direta com a população; o maior erro foi a injustificável liberação de celebrações religiosas durante o lockdown; a maior dúvida é o nó fiscal que terá que começar a ser desatado — enumerou Igor.
— Apesar de qualquer avaliação neste momento sugerir precocidade e simplificação de análise, vejo o início de um governo que está tentando “apagar incêndios” e buscando dialogar. Por esse esforço, daria uma nota 8 — justificou Jefferson.
— Diante desta questão da pandemia, no tocante ao comércio, tomou decisões acertadas e algumas equivocadas (…) São raros os prefeitos eleitos no passado que alcançariam um grau de satisfação 10 dos diversos segmentos. Dou nota 8 nestes 100 dias — explicou José Francisco.
— Considerando todas as adversidades enfrentadas, vejo que o Wladimir teve uma performance positiva, impedindo uma situação ainda pior (…) vejo com bons olhos o secretariado, tendo a maioria boa competência técnica. Eu daria uma nota 7 — analisou Nélio.
Apesar de contar com menos avaliações positivas a cada nova pesquisa, ainda há substancial número de brasileiros que defendem o governo federal. A despeito da sua desastrosa condução da pandemia ter transformado o país no principal epicentro mundial da pandemia e celeiro de novas cepas do vírus, como a P-1 de Manaus, a P-2 do Rio e a P-4, identificada em Belo Horizonte esta semana. A mesma semana em que o Brasil bateu mais de 4 mil mortos por dia duas vezes, em um total de mais de 325 mil óbitos confirmados. A mesma semana em que Bolsonaro voltou a se calar sobre as vacinas que seu governo se mostra incapaz de adquirir. A mesma semana em que voltou a falar em tratamento precoce, que a ciência já comprovou ineficaz.
Aos olhos do mundo, esse negacionismo diante da pandemia, a ruptura (confira aqui) com a alta cúpula das Forças Armadas Brasileiras e as constantes ameaças à democracia brasileira, mais a volta do ex-presidente Lula (PT) ao tabuleiro eleitoral de 2022, não deixam nenhuma dúvida:
— O Congresso no Brasil pode propor o impeachment de Bolsonaro por sua péssima gestão da pandemia, incluindo minimizar sua gravidade, resistir às medidas de saúde pública e promover curas charlatanescas. Mas as democracias dos Estados Unidos e da América Latina devem prestar atenção à medida que as eleições do próximo ano se aproximam; e deixar claro para Bolsonaro que uma interrupção da democracia seria intolerável. O presidente brasileiro já contribuiu muito para o agravamento da pandemia Covid-19 em seu próprio país e, por meio da disseminação da variante brasileira, pelo mundo. Ele não deve ter permissão para destruir uma das maiores democracias do mundo também — advertiu (confira aqui) em editorial do último dia 2 o jornal The Washington Post, um dos mais conceituados dos EUA.
— Ataques violentos do presidente e seus comparsas não conseguiram conter um ambiente vibrante de mídia, intimidar os tribunais ou silenciar os críticos da sociedade civil. Seu tratamento desastroso com a Covid-19 parece estar causando dúvidas entre a elite econômica que antes o abraçava. Algumas partes dos militares aparentemente compartilham desse mal-estar. A possibilidade do retorno de Lula é suficiente para concentrar mentes da direita em encontrar um candidato alternativo, menos extremista do que Bolsonaro. Pode ser irritante ver aqueles que ajudaram sua ascensão se posicionarem como os guardiões da democracia, ao invés de seus próprios interesses. Mas sua partida seria bem-vinda, pelo bem do Brasil e do resto do planeta — pregou (confira aqui) em outro editorial, do dia 6, o influente jornal britânico The Guardian.
Na noite do dia seguinte (07), sobre a abertura da CPI determinada por Barroso, que só reagiu aos senadores que o provocaram judicialmente e teve o cuidado institucional de encaminhar sua decisão liminar ao plenário do STF, Pacheco disse que não vai esperar este para cumpri-la. Como é advogado, ecoou o lugar comum: “decisão judicial se cumpre”. E, se criticou a questão de “conveniência e oportunidade” da CPI, também foi eloquente no que calou. Ao não fazer nenhuma defesa do governo Bolsonaro, fez pensar se, com este acuado, não será mais fácil chupá-lo até o bagaço pelo Centrão — que o presidente do Senado representa. Tanto quanto o presidente da Câmara Federal, deputado Arthur Lira (PP/AL). Que no último dia 24 criticou os “erros primários, erros desnecessários, erros inúteis” na condução da pandemia pelo governo federal, lembrando a este os “remédios amargos” do Legislativo.
Como sua irmã, a deputada federal Clarissa Garotinho (Pros), o ex-deputado e prefeito Wladimir também conta com o enfraquecimento do governo Bolsonaro na proporção exata e inversa ao fortalecimento do Centrão. O objetivo pragmático é conseguir emendas parlamentares que atenuem a crise financeira de Campos. É o tal “dinheiro novo”, expressão criada na campanha municipal de 2020 pelo prefeitável Roberto Henriques (PCdoB). E que foi ecoada pelos demais concorrentes ao antigo Cesec, inclusive quem venceu a eleição em disputado segundo turno.
Wladimir só deveria atentar a um fato, talvez ainda despercebido. Sem o mesmo alarde da CPI da Pandemia do Senado, a CPI da Saúde aprovada pela maioria garotista na Câmara Municipal começa seu período de investigação em 1º de janeiro de 2017. Mas não termina em 31 de dezembro de 2020, como as CPIs do Transporte e da Educação. Instalada em 8 de março, com prazo de 90 dias, prorrogável por mais 90, a CPI da Saúde pode se estender até o próximo dia 8 de setembro. Neste caso, pegaria além de todo o governo Rafael, mais oito meses do governo atual, em sua pasta financeiramente mais robusta e tradicionalmente mais complicada.
Um dos maiores políticos da história recente do Brasil, a quem o país deve mais que a qualquer outro a Constituição Federal de 1988, promulgada por ele com “ódio e nojo da ditadura”, Ulysses Guimarães também imortalizaria outras sentenças. Uma delas vale aos governos do Planalto Central à planície goitacá: “CPI, a gente sabe como começa, não como termina”.
Publicado hoje (10) na Folha da Manhã