A ciência avisou. Mas, ao ignorar esses avisos, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) tomou decisões erradas na condução da pandemia da Covid, alvos de crítica severa em todo o mundo e agora de uma CPI no Senado Federal, que alongaram o tempo de circulação do Sars-Cov-2 entre a população brasileira. Dentro do processo de evolução natural do vírus, isso acelerou suas mutações e o surgimento de novas variantes que fizeram do país o principal epicentro da doença, onde já matou mais de 360 mil pessoas. Foi o que explicou ao Folha no Ar da manhã de hoje, na Folha FM 98,3, o biólogo Leandro Monteiro, professor da Uenf, com passagem como titular no corpo docente de universidades da Europa:
— A evolução do vírus foi amplamente ignorada no primeiro momento da pandemia. Você tinha ali uma perspectiva de que a pandemia fosse ter um primeiro pico de infecções e aquilo iria desvanecendo e eventualmente ela iria desaparecer. Infelizmente o nosso governo (federal) foi um que fez a aposta de que seria melhor passar logo por aquilo ali e você teria uma imunidade coletiva maior. Esse alongamento do período acabou gerando mutações e o surgimento dessas variantes. E foi isso que aconteceu. Depois que passa por um período em que parece que está diminuindo, em um nível relativamente baixo, você começa a ter mutações que vão conferir mais transmissibilidade ao vírus. E isso vai fazendo com que se tenha um prolongamento quase indefinido desse processo. A gente (o Brasil) está numa situação que decorre da tomada de decisões erradas, por ignorar a evolução do vírus, ignorar os conselhos por cientistas e uma boa parte dos médicos, desde o princípio da pandemia. A gente, então, não tinha muito alternativa a não ser as intervenções não farmacêuticas, como distanciamento social e uso da máscara. Estamos vivendo uma situação que é fruto de uma aposta errada, que nós (da ciência) dissemos que ia dar errado, mas fomos ignorados.
O cientista da Uenf também detalhou como o que o governo do Brasil ignorou teve a resposta da natureza na variante P1, registrada a primeira vez em Manaus em dezembro. E que hoje, três meses e meio depois, já é registrado em todas as regiões do Brasil, aumentando o número de mortes pela sua capacidade maior de infecção e colapsando sistemas de saúde e funerários:
— Você tem trabalhos científicos publicados semanalmente que têm mostrado que essas novas linhagens (do vírus da Covid) são diferentes, têm uma transmissibilidade maior. Há uma análise do genoma dessa linhagem P-1 e algumas das suas características epidemiológicas que mostram como ela substituiu as outras linhagens ali, em Manaus, por exemplo. Em muito pouco tempo essa linhagem substituiu quase completamente as outras que existiam em Manaus. Ela foi detectada ali a primeira vez no começo de dezembro, em uma análise genéticas das cepas que estavam infectando as pessoas. A estimativa é de que tenha aparecido em novembro e estivesse começando a circular. E na sequência, em janeiro, você já tem quase 100% de P1 ali em Manaus. Isso é bem característico de uma linhagem que tem uma propriedade diferente. E essa análise do genoma permitiu calcular que ela tem uma transmissibilidade quase duas vezes maior do que as outras linhagens mais antigas. Só não se tem certeza ainda se é porque a carga viral é maior, ou se o tempo de infecção é mais longo. O fato é que isso foi a causa do colapso registrado em Manaus em janeiro.
O professor de biologia evolutiva falou também do surgimento de outras variantes comprovadamente mais infeciosas em outras partes do mundo, além da P1 de Manaus. E de como outras novas cepas, como a P2, registrada a primeira vez no Rio de Janeiro, são monitoradas de perto pelos principais centros de ciência do mundo, na preocupação de que seja gerada uma variante não coberta pelas vacinas disponíveis:
— O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos considera a P2 (variante registrada pela primeira vez no Rio e, como a P-1, já disseminada em todo o Brasil) e algumas outras como linhagens de interesse, que ainda não tem o potencial claro do problema que elas podem gerar. Mas a P1, a B117, que apareceu no Reino Unido; e a B1151, que apareceu na África do Sul; elas são consideradas preocupantes porque você tem estudos mais determinados mostrando que elas têm esse potencial de transmissão ainda maior. A gente ainda não tem nenhuma variante de alto nível de preocupação, que seria o caso das vacinas já não funcionarem. Ainda não chegou a esse ponto.
Enquanto parte da população mundial é vacinada contra a Covid, Leandro também alertou como este pode ser momento mais propício para que a evolução natural do vírus possa gerar uma cepa não coberta pelas atuais vacinas. Sobretudo em um país como o Brasil, onde o número de vacinados é ainda muito pequeno, em um ambiente onde a circulação do vírus, em proporção inversa, é ainda muito grande:
Tem que haver o monitoramento das linhagens o mais amplo possível e muito bem feito. Principalmente agora, que a gente começa a ter uma parte da população vacinada. Nosso sistema imunológico apresenta desafios para o vírus. Se você tem uma parte das pessoas com vacina, ou uma parte das pessoas que já tiveram a infecção e por isto têm uma imunidade, se elas continuam tendo o contato com o vírus, em um ambiente onde ele circula muito ainda, este coloca desafios para o vírus que não existiam no passado. Qualquer mutação nessas linhagens, que confira uma vantagem para esses vírus sobrepujarem o sistema imunológico de alguém que foi vacinado, ou que adquiriu imunidade por conta da infecção, essa mutação pode ser selecionada e essa mutação vai se espalhar na população. Com o perigo de fazer com que uma vacina não funcione mais. Do mesmo jeito que a gente tinha um problema de poder aparecer uma mutação que fosse mais transmissível e sobrepujasse as outras, como aconteceu, existe essa possibilidade do surgimento de uma cepa que consiga escapar da proteção da vacina. Principalmente agora, que a gente tem um pedaço pequeno da população vacinado, que não é suficiente para parar a transmissão do vírus, e o contato dessas pessoas vacinadas com o vírus ainda circulando. A situação agora é a mais perigosa possível.
Confira abaixo, em três blocos, os vídeos da entrevista do biólogo Leandro Monteiro, professor da Uenf, ao Folha no Ar, na Folha FM 98,3, no início da manhã de hoje:
Ele esqueceu de falar que o vírus é Chinês, né?
Caro Manoel Ribeiro,
Acho que foi vc quem se esqueceu de assistir ao vídeo da entrevista, antes de comentá-la. Para ajudá-lo, indico que assista à resposta do cientista sobre a falsa questão que vc levanta, a partir dos 23 minutos exatos do primeiro vídeo.
Grato pela oportunidade do esclarecimento!
Aluysio