Com base nas pesquisas Datafolha sobre a eleição presidencial de 2022 (confira aqui) e de avaliação do governo federal (confira aqui), foram pedidas análises a quatro professores: o especialista em finanças Igor Franco, do Uniflu; o cientista político e sociólogo George Gomes Coutinho, da UFF-Campos; o cientista político Hamilton Garcia, da Uenf; e o historiador Arthur Soffiati, também da UFF-Campos. E, em diálogo com eles, o artigo “Cegueira da esquerda elegeu Bolsonaro; a da direita emerge Lula” foi publicado no sábado (15).
Entre as quatro análises, a do George foi a mais extensa, impondo mais edição, para que se adequasse à demanda de espaço do texto. Mas, para não desperdiçar sua análise do retrato do momento nacional, a 17 meses das urnas presidenciais de outubro de 2022, ela segue abaixo na íntegra, neste domingo (16):
“Esse Biden sou eu”
Por George Gomes Coutinho
As pesquisas Datafolha divulgadas em 12 e 13 de maio são uma fotografia do momento em que o Brasil persiste na conjuntura da pandemia, ultrapassou a marca de 430 mil mortos e persiste na agonia da profunda recessão econômica com índices tétricos de desemprego e empobrecimento da população.
Bolsonaro se mantém de pé por conta de suas bases fortemente mobilizadas por identificação com a visão-de-mundo do presidente eleito em 2018. Inclusive, seguindo modus operandi de outros governos de extrema direita pelo mundo, a extrema direita precisa desse caráter de mobilização permanente para até mesmo dissuadir adversários. O revés dessa tática é afugentar o eleitor comum, pragmático, preocupado mais com melhoras ou pioras palpáveis de sua vida cotidiana e pouco afeito a discursos de maior temperatura ideológica, pouco importando se vindos da direita ou da esquerda.
Neste cenário, onde uma parcela importante do eleitorado vê pioras explícitas em suas condições de vida e o discurso ideológico mais virulento é visto como óbice, temos a possibilidade deste eleitor comum buscar por saídas que lhe sejam compreensíveis e que lhe soem factíveis. É pragmatismo contra a bancarrota, ainda mais com um projeto de poder já testado na prática.
Em meio a tudo isso há o problema pós 2013 e aprofundado nos anos posteriores. Carecemos de um projeto político minimamente consensuado e que conquistes corações e mentes em uma ótica transclassista (e não estou fazendo qualquer juízo se este tipo de projeto é de fato capaz de atender interesses transclassistas).
Os movimentos flutuantes da opinião pública de 2016 para cá devem ser compreendidos como a busca por um nome aglutinador, capaz de seduzir diferentes grupos políticos e reconstituir, mesmo que provisoriamente, a vontade política pulverizada. Um Biden, portanto, em terra brasilis que atendesse, nem que fosse em patamares mínimos, determinadas conquistas civilizatórias que são caras aos agrupamentos progressistas. Mas, que não deixasse de cabelos em pé os setores dos “mercados” (produtivo e financeiro). De Huck a Mandetta, diversos nomes têm sido apresentados nos últimos 5 anos pelo menos.
Lula em seu impactante discurso em São Bernardo no último mês de março (confira aqui) se apresentou para a opinião pública brasileira da seguinte maneira: “esse Biden sou eu”. Embora identificado pela opinião pública tradicional como organicamente vinculado aos setores de esquerda, o discurso de Lula foi uma carta de intenções nitidamente conciliatória e com uma agenda transclassista. Lula se colocou como um agente disponível, ao entregar a narrativa de março de 2021, para o papel de maestro da multiplicidade de interesses vigentes na sociedade brasileira. Uma saída para a pulverização de energias políticas de naturezas diferentes. Me parece que o resultado do Datafolha reflete esse fato político novo.
Fato político novo (o discurso de São Bernado) + a experiência concreta do governo de Jair Bolsonaro = fotografia do Datafolha. Mas, é cedo. Muito cedo para darmos como resultado cravado. A conjuntura pandêmica, a instabilidade institucional, a hidra que se tornou o Judiciário brasileiro, todos estes fatores conferem complexidade e instabilidade.