A partir de filmes como “O Selvagem” (1953), de László Benedek, estrelado por um Marlon Brando no auge; “Sem Destino” (1969), de Dennis Hopper, com Peter Fonda e um jovem Jack Nicholson; ou “O Selvagem da Motocicleta” (1983), de Francis Ford Coppola, com Mickey Rourke antes de deformar sua face com o boxe profissional e cirurgias plásticas malsucedidas; inegável que a figura do motociclista passou ao imaginário popular do mundo como rebelde e contestador. Tudo isso, lógico, antes que o cotidiano dos motoboys e suas próprias “leis de trânsito” transformassem as ruas das cidades brasileiras em um inferno.
O preâmbulo é para tentar interpretar a adesão de motociclistas ao protesto da manhã de hoje, na cidade do Rio de Janeiro, em apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Saíram da Barra da Tijuca, bairro tradicional dos novos-ricos cariocas, no qual o presidente tem sua residência em condomínio residencial de vizinhos milicianos, e foram até o Aterro do Flamengo, na Zona Sul. Lá, diante do Monumento do Pracinha, em um carro de som, Bolsonaro discursou ao lado do seu ex-ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello.
Ao desembarcar de helicóptero no Rio, o presidente foi recebido pelo governador Cláudio Castro (PSC), que aposta representar o bolsonarismo para tentar se eleger ao cargo em 2022 — em 2018, foi eleito vice de Wilson Witzel, afastado por corrupção. Como é a mesma aposta feita por Marcello Crivela (Republicanos) em 2020, quando foi apeado da Prefeitura do Rio, recomenda-se cuidado. Que Bolsonaro não teve, ao mais uma vez não usar máscara na manifestação de hoje. Assim como Pazuello, depois de ter se desculpado publicamente na quinta (20), ao depor na CPI da Covid no Senado, por não ter usado máscara em um shopping de Manaus.
No protesto, motociclistas levaram cartazes com pedido intervenção militar no país e contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Filósofo, professor da USP e considerado um dos bons pensadores de esquerda no país, Vladimir Safatle já disse em entrevista ao jornalista Mario Sergio Conti, na GloboNews, que o bolsonarismo traz um elemento “revolucionário” nos seus ataques às instituições que o lulopetismo não ousou — e que, certamente, causa inveja naqueles seus apoiadores mais radicais, que o próprio Lula já alcunhou de “aloprados”.
Talvez isso explique o apoio a Bolsonaro de figuras que a cultura pop do mundo sempre associou à rebeldia. Como pode ser também que essa pretensa capa de “juventude contestadora” sirva apenas para tentar disfarçar homens de meia idade e classe média em crise de identidade, cujo único traço de infância reside em seu nível de politização. Ou de conhecimento real da situação sanitária de um país cujas duas únicas vacinas contra a Covid disponíveis — Coronavac e AstraZeneca — estão com a produção paralisada em território nacional por falta de insumo.
Em junho de 1933, antes da mitologia de Hollywood, de Bolsonaro e da pandemia da Covid-19, outro político gostava de posar para fotos passeando de moto com seus apoiadores. Era o italiano Benito Mussolini, criador e líder do fascismo. Na Itália, como se sabe, não deu lá muito certo. Seu cover no Brasil representa a “rebeldia” de acelerar em linha reta um veículo com motor à explosão cujo parachoque é a cara do condutor.