“Eu dou nota 0 ao governo Jair Bolsonaro (sem partido). E olha que, no começo, eu pensava que daria nota 2 ou 3, porque achava que eles iriam ter responsabilidade fiscal, mas nem isso estão tendo. É um desastre e dou 0 porque não se pode dar uma nota negativa. Mas, na verdade, o governo Bolsonaro é um retrocesso tremendo, que vai ficar como uma marca muito, muito negativa, na história do Brasil. E, sobretudo, porque foi eleito. Ele não chegou em cima de tanques de guerra, chegou em cima de urnas. E, portanto, nós, brasileiros, somos responsáveis: os que votaram nele e os que não conseguiram se opor a ele a ponto de impedir sua vitória”. Foi a avaliação feita na manhã de ontem (25), no programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, feita pelo professor Cristovam Buarque (Cidadania), ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), ex-governador de Brasília, ex-senador por dois mandatos e ex-ministro da Educação do governo Lula (PT).
Apesar da sua ligação histórica com o PT, do qual saiu em 2005, e com o meio universitário, Cristovam também cobrou de ambos a autocrítica que considera tão devidas, quanto ignoradas:
— Eu não fulanizo e nunca acusei o Lula de corrupção. Agora, houve corrupção no governo dele. Se não, não teríamos visto aquelas malas de dinheiro, dinheiro voltando de contas na Suíça. Um governo do PT aqui em Brasília (onde reside e deu a entrevista via Skype) construiu um estádio (o Mané Garrincha) que custou R$ 2 bilhões, em uma cidade que praticamente não tem futebol. Só quem joga nesse estádio são o Flamengo e o Corinthians, quando vêm aqui. E a Universidade de Brasília não fez uma manifestação contra isso. E o mais grave é que, ao não fazer, prejudicou o PT; tinha que alertar. Esse erro das universidades não é só em relação à corrupção do dinheiro, mas está concentrado na acomodação ideológica. As universidades foram cooptadas ideologicamente pelas esquerdas, não é nem só o PT, e perderam a perspectiva de crítica. Nós, de esquerda, não percebemos as mudanças que ocorreram na história. Não adianta ficar mais naquela polarização de Rússia, ou China, com os Estados Unidos. Houve a globalização. A inteligência artificial e a robótica vieram para ficar. Não adianta querer manter as leis trabalhistas (da CLT) de 1943. Naquela época, todo o elevador tinha ascensorista, hoje temos avião sem piloto. Não entenderam essas mudanças, não entenderam a queda do Muro de Berlim (em 1989) plenamente. Houve o acomodamento dos intelectuais, especialmente nas universidades.
Apesar das críticas, Cristovam viu com bons olhos o encontro entre os ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula, em almoço promovido no dia 12 por Nelson Jobim, ex-ministro dos governos de ambos, mas cujo registro só foi revelado no dia 21. Ele também revelou um episódio parecido do passado, que testemunhou. E advertiu que o encontro mas recente precisa ter mais convidados à mesa:
— Vi com muita satisfação essa aproximação. Porque explicita ao Brasil que existem hoje dois temas: os que querem continuar a tragédia do Bolsonaro e os que querem um novo tempo. Nele, tem que estar o PT e têm que estar os outros também; temos que estar juntos. Eu até estava lembrando esses dias de um encontro em que eu fui testemunha, entre os dois. Era novembro de 1998, Lula tinha acabado de perder a eleição (presidencial, ainda no primeiro turno) e Fernando Henrique (reeleito) o chamou ao Palácio da Alvorada, e pediu que eu intermediasse. E fomos eu e Lula, ficamos umas duas ou três horas, em um apartamento dentro do Alvorada. Fernando Henrique abriu a porta e disse: “Lula, venha conhecer o lugar em que um dia você vai morar”. Mas o que saiu daquele encontro? Nada! Porque não houve um acordo. Ali tinha que ter um acordo pelas reformas que o Brasil precisa. Não só a trabalhista e a previdenciária, mas a educacional e a bancária. Eu temo que esse almoço não se transforme em um grande acordo, e aí vai ficar só gastronômico, não histórico. Eles tinham que convidar os outros (pré-)candidatos, Ciro Gomes (PDT), (João) Doria (PSDB). E definir alguns compromissos. Nessa conversa, tem que ficar definido que o candidato pode, sim, ser Lula; mas pode ser outro também. Não pode ser já o Lula, nem todos menos o Lula. Tem que incorporar os outros atores. Tem que ser considerando, sim, o PT e o Lula, nesse grande bloco; mas o PT e Lula têm que entender que talvez seja melhor outro, por conta da grande rejeição que ainda há ao PT. Mas o PT tem uma grande rejeição, mas tem voto. Os outros não têm tanta rejeição, mas não têm voto.
Confira abaixo, em três blocos, os vídeos com a íntegra da entrevista de Cristovam Buarque ao Folha no Ar de ontem: