O termo autoficção foi criado em 1977 pelo falecido escritor e teórico da literatura francês Serge Doubrovsky. Apesar de não ser novo, está na crista da onda dos modernosos das letras, para designar a mistura de ficção com autobiografia. Da literatura ao cinema, um bom exemplo de autoficção está no último filme escrito e dirigido pelo espanhol Pedro Almodóvar. Em tempos de pandemia, seu “Dor e Glória” (2019) está disponível por streaming, no Prime Video, da Amazon.
Estrelado pelo casal espanhol considerado mais belo, apesar de Antonio Banderas já ser um sessentão e de Penélope Cruz já estar perto dos 50, eles interpretram, respectivamente, filho e mãe. Escritor e diretor de cinema em crise por conta de doenças e da chegada à terceira idade, o filho é a autoficção do próprio Almodóvar. O clima romântico, portanto, quando pinta, é homossexual. E traz o beijo tão cobrado pelos militantes da causa LGBT em “Filadélfia” (1993), do falecido diretor Jonathan Demme, em que Banderas fez par romântico com Tom Hanks.
Independente da orientação sexual de cada um, o filme cala fundo a quem achou que seria jovem para sempre nos anos 1980 — década perdida para quem, cara pálida? — e não envelheceu o suficiente, mais de três décadas depois, para se tornar um morto-vivo defensor de Bolsonaro. Ou, no caso espanhol, do generalíssimo Francisco Franco — que Lúcifer o tenha! — e seu herdeiro político de extrema-direita, Santiago Abascal.
Em sua carreira de altos e médios, mas sempre original, “Dor e Glória” é um ponto elevado de Almodóvar. No qual o caminho percorrido conta mais que atingir o cume. Mesmo já na descida, dá para olhar, não sem saudade, de onde viemos, o que fomos e fizemos. E, com a ajuda da ciência dos homens e do Deus católico das nossas mães, projetar o que ainda temos pela frente. Em passos mais lentos, por certo, mas ainda de esperança.
Confira o trailer do filme: