A história de Artur Xexéo também com o jornalismo de Campos

 

Em 22 de novemrbo de 2018, Aluysio Abreu, Cláudia Eleonora, Cristina Lima, Ocinei Trindade, Wagner Schwartz e Artur Xexéo, nos bastidores da 10ª Bienal do Livro de Campos, antes do seu maior e mais prestigiado evento, a mesa de debate “Fake News: Mentiras Verdadeiras”

 

Conheci o jornalista Artur Xexéo em meados dos anos 1990, quando trabalhei na Agência Jornal do Brasil, no antigo e gigantesco prédio da Av. Brasil, na descida da Ponte Rio/Niterói, onde hoje funciona o Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia (Into). Já à época, ele brilhava como jornalista cultural do Jornal do Brasil (JB), que por sua vez ainda rivalizava como maior jornal do Rio de Janeiro com O Globo. Para onde Xexéo depois iria, como vários outros nomes de destaque do velho JB. Dele ao Globo, fui seu leitor assíduo, assim como seu telespectador pela GloboNews, até sua morte por câncer ontem (27), no domingo, aos 69 anos.

Tempos depois, creio que no início dos anos 2000, ao ler uma sua coluna, no Segundo Caderno de O Globo, deparei-me com um erro de Xexéo. Ele disse que o profeta do Velho Testamento Moisés tinha aberto o Mar Morto. Em uma época pré-redes sociais — sim, este mundo já existiu! — enviei a ele um e-mail, dizendo que o mar aberto por Moisés, para os hebreus fugirem do cativeiro e da perseguição do faraó do Egito, foi o Vermelho. Mas não sem dar-lhe uma cutucada: “morto, no caso, se resume ao valor da sua informação”. Sempre aberto ao contraditório, ele escreveu sua coluna seguinte falando do erro que cometera. E, entre as tantas correções que recebeu, abriu com a transcrição da minha.

Em 2018, fui convidado pela então presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Cristina Lima, para participar do debate “Fake News: Mentiras Verdadeiras”. Seria o evento maior da 10ª e última Bienal do Livro de Campos, realizada no IFF em novembro daquele ano. E a mesa composta também de Artur Xexéo, dos jornalistas campistas Cláudia Eleonora e Ocinei Trindade, além do coreógrafo e artista plástico Wagner Schwartz. A presença deste foi questionada por figuras obscuras da extrema-direita de Campos. Que buscaram ganhar evidência ao propor o boicote à Bienal, assumindo sua condição de inimigos dos livros e da cultura, característica do ressentimento intelectual que tanto marca o bolsonarismo.

A resistência da baixa bolsonaria campista se deu porque Schwartz, um ano antes, foi envolvido em uma polêmica nacional. Em 26 de setembro de 2017, em uma performance artística com seu corpo nu, no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, ele foi filmado tendo o pé tocado por uma menina de 4 anos, acompanhada da mãe. As cenas editadas da criança interagindo com o artista viralizaram nas redes sociais, com o segundo sendo linchado moralmente e até dado como morto, sob uma chuva de fake news em associação vil e mentirosa de pedofilia. Em 14 de novembro de 2018, em meio à polêmica na Bienal, oito dias antes do debate, este foi aberto pela Folha Dois. Quando Xexéo falou ao jornalista Matheus Berriel (confira aqui) sobre a questão:

— Me parece, pessoalmente, que é um protesto antigo. Não consigo imaginar o porquê de, em pleno século 21, estar se discutindo uma nudez como performance artística, se ela é adequada ou não. Acho que existe nudez em performances artísticas desde sempre, ou num quadro dos impressionistas, ou como performance mesmo a partir dos anos 1960. Se tivesse uma repercussão nos anos 1960 do século passado, eu entenderia. Hoje, eu não entendo. É um radicalismo até boçal falar nisso. Você protestar contra o ato, protestar contra a manifestação artística, faz parte do jogo da democracia. A democracia tem que ter todos os lados. Mas, até que ponto vale esse protesto? Você tentar impedir que uma pessoa participe de uma mesa de debate porque ela tem essa história no seu currículo artístico, aí não dá para aceitar. Isso não é democrático, é antidemocrático. (…) O mal da fake news, hoje, é que as notícias são desmentidas e o boato continua. Isso que é difícil de aceitar.

 

Sentados no palco, da esquerda à direita: Wagner Schwartz, Aluysio Abreu Barbosa, Ocinei Trindade, Cláudia Eleonora e Artur Xexéo (Foto: Isaias Fernandes/Folha da Manhã)

 

Abrilhantado pela presença de Xexéo, a mesa de debate mediada por Ocinei foi (confira aqui) um sucesso. Lotou o auditório Cristina Bastos, no IFF, na noite daquele 22 de novembro de 2018. E confirmou sua expectativa de maior evento da última Bienal do Livro de Campos. Com a morte ontem de Xexéo, creio falar também em nome da Cláudia Eleonora e do Ocinei, ao afirmar que foi uma página importante do jornalismo goitacá, aliado com o que ele traz como referência nacional, na luta pela liberdade de expressão e pela própria democracia.

Não sem orgulho por, junto a colegas de Campos, ter lutado o “bom combate” ao lado de um grande jornalista brasileiro, fica o desejo sincero: vá em paz, Xexéo! E a certeza: você fará falta!

 

Confira o artigo intitulado “O fato e o fake na Bienal do Livro de Campos”, publicado em 25 de novembro de 2018, sobre a experiência tensa e prazerosa daquele debate com Xexéo.   

 

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Este post tem um comentário

  1. Ediangela Terezinha Coutinho Cardoso

    Com a morte dele ficou um espaço que munca mais sera preenchido. Gostava de ler as colunas dele. Uma linguagem fácil, sobre todos os assuntos, versátil , atual e atemporal.
    Ficou um vazio..
    E pior
    Tao de repente. Sem aviso. Com tamta pressa.

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