Kapi, deus, cozinha de casa e sala de visita
Por Adriana Medeiros
Costumo chamar Campos dos Goytacazes de Sucupira. Talvez por enxergar nos governantes um perfil demagogo, que eles fazem questão de apresentar, muito próximo ao de Odorico. Quase tudo que fazem é em nome de Deus e da Paz. Risível.
Escrevo isso por que foi criada uma fabulação para transformar o Teatro de Arena, ou Anfiteatro “Antonio Roberto de Góis Cavalcanti, Kapi”, que fica no Parque Alberto Sampaio, em Praça da Bíblia. Francamente. Isso é desrespeitoso.
Repentinamente, aqueles que imaginaram que a classe não se manifestaria, mudou o discurso, mas não a ideia, logo, pouca coisa muda no contexto.
Não consigo imaginar um “templo” com dois deuses, se é que me entendem.
Acredito que ser artista seja um ato político e ser político é reconhecer a arte como tal. Quando se volta atrás com uma palavra é porque o que falamos reverbera, seja na arte ou na política. É preciso talento, responsabilidade social e cívica para atuar nesses palcos.
O teatro, a música, as artes plásticas têm uma força social enorme, cheias de energia. A arte, em geral, possui esse poder. Não há gritos para convencer as pessoas, sabe. Há uma mágica, um silêncio que leva a plateia à reflexão. Deve ser por isso que ela é revolucionária, a arte. Não precisamos de histeria, precisamos de espaço, de parcerias, de atitude. Não precisamos de um governo que desconhece o que é laico, que sinaliza desinteresse pela cultura e parece tentar eliminá-la.
Interpretei Dandara no espetáculo “Arena conta Zumbi” de Guarnieri e Boal. Isso foi em 1988, quando foi inaugurado o Anfiteatro do Alberto Sampaio. E quem assinava a direção era Kapi.
O nome do Anfiteatro continuará tecendo homenagem a ele, Kapi, e a Prefeitura cumprirá com a lei n° 8.757, de junho de 2017. Foi o que entendi.
Porém, não vejo sentido em dividir esse espaço com cristãos evangélicos. São muitos os segmentos religiosos que gostariam de usar espaços públicos para suas manifestações, e aí?
O Estado é LAICO. Não se pode transformar em cozinha de casa aquilo que é sala de visita para todos.
Mas dirão que a parceria acontecerá para manter o espaço e que a Prefeitura não pode assumir sozinha, esse compromisso.
Penso que se os governos pararem com essa marginalização da classe artística e se interessarem, verdadeiramente, pelo saber, pelas manifestações artísticas e escutarem a classe para que, juntos, façam uma efervescência cultural, esse espaço poderá abrigar, em sua estrutura oficinas, apresentações, espaço para debates…
Mas a política não parece gostar de seres que pensam no coletivo, que são ingredientes. Preferem a massa feita de dogmas e individualidade.
Continuo comungando da genialidade do Kapi. Ele que declarou, desde sempre, seu amor à arte e aos Campos dos Goytacazes. Ele que sempre viu a cultura como elemento fundamental para a construção do ser. Ele que se sabia deus, porque deus não é uma alegoria. É o que mora dentro da gente, logo não precisa de espaços públicos para acontecer.
Publicado hoje na Folha da Manhã