Bolsonaro, Centrão, militares e o leão fora da jaula

 

 

— E aí, até o Centrão deixou Bolsonaro de brocha na mão na PEC do voto impresso da Bia Kicis? Enquanto tiveram sumo para chupar do governo, antes de deixar o bagaço, travarão os mais de 120 pedidos de impeachment na Câmara. Mas acenderam o sinal amarelo e disseram claramente que não avançarão o vermelho rumo ao precipício com o capitão — constatou Pedro, após abrir os trabalhos no boteco com o primeiro gole de Serra Malte.

— Capitão depois que foi para a reserva para não ser expulso do Exército, por planejar explodir bomba em quartel. Na ativa, nunca passou de tenente. Mas você viu como ele reagiu? — indagou Aníbal, rindo, após também molhar a palavra com cerveja gelada.

— Disse que, no ano que vem, “ou fazemos eleições limpas, ou não teremos eleições”. Quer fazer com o voto impresso o que Trump tentou fazer com os votos pelos correios nos EUA em 2020. E deu no que deu. O que você achou?

— Achei que lembrou aquela piada do sujeito que usava short, sem cueca, no tempo em que circo ainda tinha animal selvagem. Na apresentação do domador, o leão fugiu da jaula e partiu para o público. No meio da correria, quando o camarada também tentou se levantar e fugir, só então percebeu estar com os testículos presos entre duas tábuas da arquibancada. Aí sentou e começou a gritar: “volta, que o leão é manso; volta, pelo amor de Deus, que o leão é manso”.

— Só que, no caso, a prisão dolorida no vão entre as tábuas e o leão partindo são anunciados a cada nova pesquisa — ponderou Pedro, alguns minutos após se recompor do acesso de gargalhadas que o fez cuspir involuntariamente o gole de Serra Malte sobre a mesa.

— Só em julho, já foram três ecoando o rugido do leão. A CNT/MDA, divulgada na segunda, registrou que 48,2% dos brasileiros consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo. Com 41,3% a 26,6% para Lula no primeiro turno. Sem contar os 63,7% que disseram confiar na urna eletrônica.

— Sim, depois veio a XP Ipespe, na manhã de quinta. E deu o recorde de 52% que acham o governo Bolsonaro ruim ou péssimo. Com 38% a 26% para Lula se a eleição fosse hoje. E registrou também o estrago das revelações de corrupção na compra de vacinas, feitas pela CPI da Covid no Senado: 81% já sabem e 63% consideram verdadeiras.

—  E daí, na tarde da mesma quinta, foi divulgada a primeira parte da Datafolha. Nela, não só 51% consideram o governo federal ruim ou péssimo. Chegam a 52% os que acham Bolsonaro desonesto. 55% que o acham falso. 57% que o acham indeciso. 58% que o acham incompetente. 62% que o acham despreparado. E 66% que o acham autoritário. São 57% que o acham pouco inteligente. É eufemismo de burro.

— E que eufemismo usar para os 25%, 1/4 do eleitorado, que declararam na pesquisa presidencial Datafolha, divulgada ontem, que ainda votariam em Bolsonaro?

— O mesmo usado para aqueles, entre os 46% que disseram à Datafolha votar em Lula e acreditam que ele é “a alma mais honesta do Brasil”. Ou que ainda tentam defender a catástrofe do governo Dilma, que converteu as bases sólidas de Fernando Henrique e Lula em castelo de areia, sob as ondas da maior recessão econômica da história da República.

— Dilma só não é um desastre maior à esquerda porque terá o contraste do que Bolsonaro é e será, anos após 2022, à direita brasileira. Mas o que seria um novo governo Lula? Ele apareceu na Datafolha batendo todos os prováveis adversários, não só Bolsonaro, no segundo turno.

— Sabemos o que foi Lula no boom internacional das commodities. Das quais vivemos de explosões eventuais desde o pau-brasil, passando pelo açúcar, o ouro das Minas Gerais e o café. Até o ferro, a soja, a proteína animal e o petróleo de hoje. Diferente de Bolsonaro, ninguém pode chamar Lula de burro. Mas sabemos o que ele foi na época das vacas gordas. Não sabemos o que seria, mais de 10 anos depois, nas vacas magras.

— E Bolsonaro?

— A 15 meses das urnas, o vento pode mudar? Lógico, pode mudar. Mas a rejeição perto dos 50% de Bolsonaro em todas as pesquisas, 59% pela Datafolha, é proibitiva. A qualquer um que saiba fazer contas. Votar nele, hoje, é eleger Lula. De maneira ainda mais segura que foi votar em Haddad no primeiro turno de 2018, para eleger o tenente/capitão no segundo.

— E a tal terceira via? Entre Lula e Bolsonaro?

— Aí é o que diz um dos melhores quadros políticos do país. Cristovam Buarque foi escorraçado do PT por ser sério. E falou: “Os outros não têm tanta rejeição, mas não têm voto”.

— Mas uma dessas possibilidades de terceira via e presidente do Senado, Rodrigo Pacheco ontem tomou posição. E foi contra as ameaças de Bolsonaro e setores militares contra à democracia.

— Pacheco é a opção do antilulismo no caso de impeachment de Bolsonaro. Cada vez mais no radar. Omar Aziz é presidente da CPI. E errou ao falar em “banda podre” dos militares, por conta dos que tomaram de assalto o ministério da Saúde. Para disputar essa guerra de facções contra o Centrão. Na disputa dentro do governo Bolsonaro em tentativas de compra de vacinas pra lá de duvidosas. Todas virulentas de corrupção.

— Entraram juntos com Pazuello. Que foi denunciado pelo MPF de Brasília por sua gestão “imoral e antiética” da pandemia. É como esse coronel da reserva do Exército e seu lgar-tenente, o tal do Elcio Franco, que não queria vacinar a população carcerária do Brasil. E agora pode integrar.

— Os militares cometeram erros capitais na história da República. Do golpe que a fundou e passou pelo genocídio dos sertanejos na Guerra de Canudos. E a ditadura entre 1964 e 1985. Mas devemos a eles a manutenção das fronteiras continentais do Brasil. E foram as únicas Forças Armadas da América Latina que enviaram tropas para combater o nazifascismo. À bala, na Europa, na 2ª Guerra. Talvez a última guerra moralmente justa do mundo.

 

Líder fascista Benito Mussolini e seu pastiche em duas rodas por Jair Bolsonaro

 

— Pois é. E agora estão com o presidente da República que copia as motociatas de Mussolini.

— Não são todos, Pedro. A maioria do oficialato das Forças Armadas é séria e muito preparada. Estão cientes, como o Centrão, que o leão passeia fora da jaula do circo. E sua presa com o orgulho entre as pernas e rugindo acuada de medo — advertiu Aníbal, tomando na mão direita para levar à boca o copo de Serra Malte gelada.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã

 

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