No início da manhã de hoje, ainda durante minha participação na entrevista ao cientista social Marcelo Viana (confira aqui) ao Folha no Ar, da Folha FM 98,3, soube no grupo de WhatsApp do programa e deste blog da revelação bombástica da matéria do Estadão (confira aqui), das jornalistas Andreza Matais e Vera Rosa. No último dia 8, o ministro da Defesa, general da reserva Braga Netto, diante dos comandantes das três Forças Armadas, mandou por meio de um interlocutor a ameaça ao presidente da Câmara Federal, o governista Arthur Lira (PP/AL): “sem o voto impresso, não haverá eleições em 2022”.
Concluído o Folha no Ar, argumentei no seu grupo de WhatsApp que, se a informação estivesse correta, teria servido ao governo Jair Bolsonaro (sem partido) como mais um tiro no pé. Dada a credibilidade do Estadão, que reputo como o melhor jornal do Brasil, e o grau de detalhamento da matéria de duas jornalistas altamente conceituadas em Brasília, tudo levava a crer que a “ameaça” realmente existiu. Menos pelas evasivas de Braga Neto e Lira, do que o tiro pela culatra no aumento do loteamento do governo ao Centrão do presidente da Câmara.
Hoje, no mesmo dia que o Estadão revelou a “ameaça” de Braga Netto a Lira, Bolsonaro anunciou (confira aqui) o senador Ciro Nogueira (PP/PI) como novo ministro da Casa Civil. Ironicamente, quem sai da poderosa pasta é outro general da reserva do Exército, Luiz Eduardo Ramos. Ele vai se abrigar no ministério da Secretaria Geral. Em outra ironia, Ramos foi o principal responsável (confira aqui) pela reaproximação do governo Bolsonaro com o Centrão. Ao qual o presidente sempre pertenceu em seus 30 anos de vida parlamentar.
Se qualquer dúvida ainda houvesse no eleitor “anticorrupção” que riu quando outro general da reserva, Augusto Heleno cantou (confira aqui) “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”, durante a convenção nacional do PSL na campanha presidencial de 2018, a certeza foi dada hoje. E pelo próprio Bolsonaro (confira aqui): “Eu sou do Centrão. Eu fui do PP (partido de Lira, do novo ministro Ciro Nogueira e que mais presos teve pela Lava-Jato) metade do meu tempo (…) Eu nasci de lá”.
Quanto à proposta do voto impresso, ela nasceu da mesma necessidade de uma atenuante prévia à derrota eleitoral que o ex-presidente dos EUA Donald Trump tentou forjar em 2020, pregando fraude sem nenhuma prova contra o voto pelos correios secular em seu país que deu a vitória a Joe Biden. E redundou na invasão do Capitólio (confira aqui e aqui) por militantes trumpistas em 6 de janeiro deste ano.
No Brasil, o “jabuti” do voto impresso (entenda aqui) é encarnado na Proposta de Emenda (PEC) 135, da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL/DF). Que, como toda PEC, precisaria ser aprovada por 3/5 do Congresso Nacional. Depois de 26 de junho, quando líderes de 11 partidos, inclusive governistas, fecharam posição (confira aqui) contra o voto impresso — sem nenhuma prova de fraude nas urnas eletrônicas adotadas no Brasil desde as eleições municipais de 1996 —, pode-se dizer que o “jabuti” bolsonarista morreu no ovo.
Quanto à “ameaça” de Braga Netto a Lira, que segura os mais de 120 pedidos de impeachment de Bolsonaro no Congresso, muitas reações institucionais foram registradas hoje. Mas nenhuma foi mais emblemática que a de outro general da reserva (confira aqui), o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB): “Nós não estamos mais no século 20. É lógico que vai ter eleição. Quem é que vai proibir eleição no Brasil? Nós não somos república de bananas”.
“Sem o voto impresso, não haverá eleições em 2022” não mais foi um tiro no pé do governo Bolsonaro. Foi um tiroteio de fazer inveja a filme de Quentin Tarantino.