O que esperar das urnas de outubro de 2022, daqui a pouco mais de 14 meses, não só a presidente da República, mas a governador do estado do Rio? E que papel está reservado a Campos dos Goytacazes nas articulações que envolvem suas jovens e hoje mais proeminentes lideranças políticas: o prefeito Wladimir Garotinho (PSD), o secretário estadual de Governo Rodrigo Bacellar (SD) e o hoje secretário de Ciência e Tecnologia de Niterói, Caio Vianna (PDT)? Sem contar uma figura de proa da política fluminense, o prefeito carioca Eduardo Paes (PSD), que confirmou à Folha FM 98,3 estar fora da disputa direta ao Palácio Guanabara — pelo menos no próximo ano. Para tentar interpretar esse complexo tabuleiro político entre Brasília, Rio de Janeiro e Campos, ainda em movimentos iniciais, a Folha buscou, em ordem alfabética, a leitura do economista Alcimar Chagas, professor da Uenf; do advogado Cristiano Miller, presidente da OAB local; do industrial Geraldo Coutinho, proprietário da usina Paraíso e presidente do Siserj; da historiadora Guiomar Valdez, professora do IFF; do sociólogo Roberto Dutra e do cientista político Vitor Peixoto, outros dois professores da Uenf.
Folha da Manhã – Todas as pesquisas de julho destacaram a liderança isolada que Lula hoje tem na corrida presidencial de 2022, assim como o derretimento de Bolsonaro. Que ainda mantém cerca de 25% de aprovação, suficiente para levá-lo ao segundo turno. Mas sua rejeição de cerca de 50% é proibitiva para vencer uma eleição em dois turnos. Isso é reversível nos 14 meses que nos separam das urnas? Acredita na chamada terceira via?
Alcimar Chagas – Infelizmente parte importante da população brasileira ainda vive a expectativa do surgimento do “salvador da pátria”. Não considera aspectos técnicos na avaliação da trajetória evolutiva do país e prefere usar o sentimento pessoal para adorar o seu político de estimação e odiar o de oposição. É desta maneira que se olha o país, através da dualidade Bolsonaro x Lula, sem considerar os valores concretos que beneficiam ou prejudicam o país. Isso inviabiliza o surgimento de outros líderes, assim como inviabiliza a própria evolução do país.
Cristiano Miller – Faltando ainda 14 meses para a eleição, qualquer cenário é perfeitamente reversível, em especial para aquele que está com a máquina na mão. Contudo, o problema para essa reversão, no caso específico, é exatamente quem está no poder, alguém que parece sempre optar pelo pior caminho e cuja rejeição se mostra cada dia maior. Acredito e particularmente torço para o surgimento de uma terceira via, embora, no momento, os nomes apresentados não sejam animadores.
Geraldo Hayen Coutinho – Só uma série de pesquisas realizadas ao longo do tempo torna possível interpretar as tendências, fazer projeções. Não vejo posições consolidadas, ainda. Ambos, Lula e Bolsonaro, com índices de rejeição absurdo, deixam espaço para imprevisibilidades no comportamento desta curva. Dada a polarização que vivenciamos, acho complicado que uma terceira força possa emergir em 2022. Isto não significa dizer que seja improvável um terceiro nome tomar o lugar de qualquer um dos dois protagonistas atuais.
Guiomar Valdez – Penso que seja possível o presidente reverter o seu derretimento. Ele tem a máquina ainda bem azeitada e relações institucionais com os outros dois Poderes ainda não rompidos, apesar de atacados: Luiz Fux (STF) sinaliza que quer conversar, a Câmara tem um bolsonarista na presidência, a recondução de Augusto Aras à PGR. Uma terceira via de centro-esquerda seria o ideal para mim, mas penso ser improvável: o lulismo aposta na polarização; os 25% de bolsonaristas poderão recriar, ao seu jeito, uma nova narrativa de “salvação nacional”.
Roberto Dutra – Lula, se disputar, está garantido no segundo turno. Bolsonaro corre risco crescente de não ir. Embora sua rejeição seja em princípio reversível, me parece que as condições sociais e políticas para esta reversão estão cada vez mais difíceis. Além disso, o repertório tático do presidente parece ter se tornado pobre, previsível e inefetivo. A retórica da guerra cultural de demonização moral dos adversários é sua única grande arma. Quanto mais usada, mais perde valor. Acredito nas chances do que se tem chamado de terceira via.
Vitor Peixoto – Bolsonaro já está em campanha desde o primeiro dia de governo e chegará em 2022 num contexto social e econômico muito adverso. Tanto Lula quanto Bolsonaro possuem resultados bastante conhecidos para serem comparados pelos eleitores, o que representa um desafio a mais para um candidato da terceira via. Mas ainda tem muita água para rolar. A política possui um tempo próprio e qualquer previsão agora é muito arriscada.
Folha – As manifestações nacionais contra Bolsonaro de 3 de julho trouxeram uma novidade. Além do banalizado “fascista” e genocida, que pesquisas qualitativas já constataram ser de apreensão difusa, ele também foi chamado de “ladrão”. O que todo brasileiro entende bem e é fruto das investigações de corrupção da CPI da Covid em negociações para compra de vacinas. O presidente perdeu, para 2022, o discurso anticorrupção que surfou em 2018?
Alcimar – O discurso anticorrupção é bem antigo no país e soa como palavras ao vento. Aliás, o receituário de campanha de todos os políticos é bem conhecido. Por isso as instituições públicas são saqueadas por corrupção, sem que a Justiça dê um basta na impunidade. Por outro lado, a memória do brasileiro é muito curta, ninguém lembra mais da Lava Jato, prisão de presidente, ministros, diretores de estatais, governadores. Políticos antes envolvidos em corrupção não perdem o mandato e se transformam em investigadores de possíveis outros casos.
Cristiano – Não há dúvida de que esse discurso não mais se sustenta. O que tem sido visto na CPI da Covid é um festival de condutas voltadas à corrupção, praticadas diretamente por membros do governo federal. E a alegação de que os atos não se consumaram, no caso, não afasta a existência do crime.
Geraldo – No campo das retóricas de campanha ele ainda tem a prerrogativa deste discurso, até o momento o que existe são injunções não comprovadas. Por outro lado, vejo dificuldade do Lula sustentar um debate com esta temática. Diferentemente do escandaloso Mensalão de 2006, quando conseguiu a blindagem necessária para vencer a eleição, hoje teria que explicar a materialidade de condenações diversas. As tecnicalidades que o livraram das restrições impostas pela Justiça não o inocentam.
Guiomar – Sim, perdeu. Entretanto, não subestimo a capacidade de superação de nenhum adversário. Os resultados da CPI da Covid provavelmente indicarão o impeachment do presidente. Mas indicar é uma coisa, abrir o processo é outra. A complexidade da conjuntura política em que chegamos, capitaneado pelo “messias”, por mais surreal que pareça, é fincada no real: no poderio econômico, nas relações políticas institucionalizadas e não institucionalizadas, como as milícias. E de movimentos de caráter religioso fundamentalista.
Roberto – A simplificação do vocabulário é fundamental. Fascista e genocida são termos incapazes de articular o sentimento das maiorias. São conceitos acadêmicos preferidos por uma esquerda entrincheirada em sua bolha. É diferente quando usamos termos como ladrão e traidor. Eles conseguem aglutinar o sentimento majoritário de rejeição ao presidente. Em relação ao tema da corrupção, me parece que Bolsonaro realmente perdeu esta bandeira para 2022. Um concorrente pode se apropriar desta pauta e causar estragos.
Vitor – A extrema-direita corre o risco de perder o discurso anticorrupção, mas lastro de honestidade não se pode afirmar que já teve. Talvez fique mais difícil sustentar as narrativas após tantos escândalos. A CPI está tornando mais cristalinas a incompetência, inaptidão e a corrupção do governo federal.
Folha – Outro fato que enfraquece esse discurso anticorrupção e da “nova política” é que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) e o senador Flávio Bolsonaro (Patri/RJ) votaram para triplicar, em plena pandemia, o fundo público de campanha para R$ 5,7 bilhões. Bolsonaro pode vetar. Mas é correto dizer que ele hoje é refém político do Centrão de Arthur Lira (PP/AL), que segura seus mais de 120 pedidos de impeachment na Câmara?
Alcimar – Me parece que essa é uma pratica histórica no presidencialismo. O presidente acaba tendo um grau de dependência acentuado em relação aos partidos mais representativos. Quanto à aprovação do fundo, acredito que o correto é destacar quem votou contra e, neste caso, partidos como o Podemos e o Novo apresentaram um comportamento mais coerente com os interesses da população. Assim, é correta a decisão do presidente de vetar o que podemos classificar de vergonha nacional o que a maioria dos deputados e senadores do país propuseram.
Cristiano – A aprovação, ao menos momentânea, desse fundo eleitoral é uma vergonha. É um valor que praticamente triplica aquele disponibilizado para as eleições de 2018. E o fato de a aprovação ter contado com a participação direta dos filhos do presidente Bolsonaro certamente enfraquece o discurso de “nova política”. O que se vê, em verdade, são velhas práticas, com a eterna dependência do Centrão, hoje simbolizado na figura do presidente da Câmara dos Deputados.
Geraldo – Nesta manobra do imoral fundão, parlamentares alegam que não conheciam a emenda que foi agregada na manhã em que a LDO foi levada a plenário. Outros aguardavam o destaque da emenda que não foi pautado. É preciso expor os donos deste jabuti. Vejo um presidente se convencer de que precisa do Congresso para governar e busca uma frente de apoio. É do bom jogo político, o que não pode é reeditar velhas práticas mercenárias com compradores e comprados, reféns e donos do poder.
Guiomar – Embora tenha se manifestado a favor do veto há poucos dias, percebe-se que sua avaliação será mais desafiadora, pois o coloca num impasse: alinhar-se ao PT que votou contra, ou, se não vetar, atenderá aos seus aliados, já que não faz mais parte de sua base o “morismo”, que talvez o pressionasse. Entretanto, ratificará o PT como beneficiário do maior quinhão do novo fundo, mais ou menos R$ 600 milhões. Que fazer? Alterar o valor do fundo público de campanha, para menos, e não o veto, pode ser um caminho de negociação com os seus pares.
Roberto – Bolsonaro é refém de Arthur Lira. Não resta dúvida sobre isso. E esta situação torna ainda mais difícil seu esforço de reeditar o perfil de candidato antissistema em 2022. Quanto mais se aproxima a corrida eleitoral de 2022, mais improvável fica um impeachment de Bolsonaro. Mesmo assim, sua condição de refém político de personagens como Arthur Lira é um fator adicional na corrosão crescente de sua popularidade.
Vitor – Não podemos dizer que é refém, pois Bolsonaro e Arthur Lira vivem uma relação de comensalismo. Lira organizou a base parlamentar que o governo não teve no primeiro biênio com o Rodrigo Maia (DEM/RJ), e com isso ganhou capacidade de designar os destinos de parte importante dos recursos federais. Faz parte do jogo.
Folha – A partir do envolvimento dos militares que tomaram o ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello, nas investigações de corrupção da CPI da Covid, atritos foram gerados entre o Senado e o comando das Forças Armadas, trocado por Bolsonaro em 30 de março. Esse envolvimento de militares em negociações suspeitas e a politização do seu comando tem como conduzir o país a bom termo? Vê risco da “venezuelização” do Brasil?
Alcimar – Não é conveniente a militarização na política, já que as qualificações dos profissionais das Forças Armadas têm suas especificidades à defesa do país. Na política, especialmente nos cargos de gestão, é relevante a profissionalização técnica. Quero dizer que determinados cargos técnicos não devem ser ocupados nem por militares, nem por políticos sem as habilidades necessárias. Insisto que o processo democrático no país precisa avançar e os problemas não são recentes. Apesar das fragilidades, nossas instituições são fortes e diferem da Venezuela.
Cristiano – Enxergo as Forças Armadas como instituições voltadas exclusivamente à defesa nacional e à proteção dos poderes estabelecidos na Constituição Federal. Assim, segundo entendo, não cabe às Forças Armadas qualquer tipo de envolvimento com a política partidária, e muito menos comprometimento com o Poder Executivo, sob pena de colocarmos em risco a democracia, algo tão caro para todos.
Geraldo – Não vejo sombra de risco de repetirmos aqui a experiência da Venezuela ou qualquer outra ditadura. Temos instituições suficientemente fortes, com líderes e população atenta. Não vejo politização da alta patente das nossas Forças Armadas. Acho natural que ao assumir um posto de direção, se busque cercar de pessoas das quais tenha referência. Uma CPI é palco qualificado para julgamentos políticos. Dali saem versões de interesses e não, necessariamente, a devida apuração dos fatos.
Guiomar – Militares e Forças Armadas não são iguais a corrupção. Entretanto, a ditadura civil-militar, de 1964 a 1985, foi marcada por corrupção também. O setor da construção civil e da mineração são exemplos, como revelam indico as obras sobre o período de René Dreifuss e de Elio Gaspari. Não me espanta tantos militares no governo envolvidos em possíveis negociações suspeitas, como na CPI da Covid revelou. Se a “venezuelização” do Brasil for entendida como o período de Hugo Chávez, com esse tipo de militares no poder aliados às milícias, ai de nós!
Roberto – Este tipo de politização das Forças Armadas é um desastre. Trata-se do pior tipo de politização que pode ocorrer: o envolvimento dos militares com o varejo, com a pequena política e com a própria corrupção. Isso não pode nos conduzir a bom termo. O risco de transformação das Forças Armadas em milícias políticas me parece distante. É nem menor que o risco de que as polícias militares cumpram esse papel. O militarismo bolsonarista é sobretudo de baixo clero, melhor representado pelas polícias militares.
Vitor – Em qualquer democracia estabelecida no mundo as ameaças dos comandantes das Forças Armadas aos senadores teriam causado exonerações imediatas dos militares. A nota (do comando das Forças Armadas contra declaração do presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz) foi um absurdo completo, um disparo contra as instituições democráticas. Os membros das Forças Armadas não estão acima da lei, precisam ser investigados como todo e qualquer brasileiro. Quem faz política está sujeito aos controles políticos.
Folha – A insistência com o voto impresso, a partir da PEC 135 no Congresso, parece impossível de passar após líderes de 11 partidos, inclusive governistas, fecharem posição contrária em 26 de junho. Bolsonaro tem atacado o presidente do TSE, ministro Luís Barroso. E já declarou que, sem voto impresso, não haverá eleição em 2022. No que teria sido ecoado pelo ministro da Defesa, general Braga Neto, a Lira no último dia 8, como revelado na quinta (22). Vê a tentativa de forjar uma atenuante prévia à derrota eleitoral para tentar um golpe?
Alcimar – Apesar da insistência do presidente em favor do voto impresso, os fatos indicam que é remota essa possibilidade por não existir provas concretas sobre fraude eleitoral. Por outro lado, possíveis ameaças do presidente e seus assessores mais próximos não encontram eco, já que as instituições brasileiras são fortes e qualquer ação fora da ordem constitucional não terá o respaldo da sociedade. Especificamente a possível ameaça do ministro da Defesa também não representa o pensamento das Forças Armadas, cujo papel é proteger a democracia.
Cristiano – O Brasil é conhecido por ter um dos mais eficazes sistemas de votação eletrônica do mundo. Deveríamos ter orgulho disso. O retorno ao voto impresso significará um retrocesso, com a fragilização do sigilo, o aumento dos gastos eleitorais e o risco maior de judicialização das eleições. A insistência não apenas se apresenta como desculpa antecipada para eventual derrota futura, mas, o que é mais grave, dá sinais claros de que se trata de uma grave tentativa de ofensa à democracia, com um golpe abertamente apoiado pelo ministro da Defesa, general Braga Neto.
Geraldo – Instituições, pensadores, população, juventude, estamos todos juntos, atentos e fortes para assegurar que golpes ou arroubos ditatoriais não encontrarão terreno para germinar. Na questão do voto, temos que debater sobre um sistema onde se perceba padrões de excelência e não criar redundâncias que irão conflitar e só aumentarão as incertezas sobre autenticidade do resultado. Tudo o mais sobre o tema são meras bravatas, palavras ao vento, servem à militância, não passa disto.
Guiomar – Essa PEC 135 e as ameaças às eleições de 2022 feitas por Bolsonaro são uma atenuante prévia à derrota eleitoral. Que será levada à campanha eleitoral. O presidente e suas “viúvas da ditadura” tensionarão os próximos dias e meses com esse tema, num pêndulo que “diz” e “desdiz”, a fim de dominar os noticiários. Esta semana foi exemplar, na ameaça do ministro da Defesa, general Braga Netto, ao presidente da Câmara Lira no último dia 8, de não ter eleições em 2022. Mas penso ainda ser improvável um novo golpe.
Roberto – Não há dúvida de que um golpe sempre esteve na pauta de Bolsonaro. Ele faz questão de deixar isso muito claro. Também é evidente que ele está se antecipando a uma derrota eleitoral a cada dia mais provável. Mas não acredito em um golpe militar em favor de Bolsonaro. Meu maior medo é que, diferente de Trump, ele consiga aglutinar apoio de policiais militares para desestabilizar as eleições e o processo de transição. O alto risco de violência política em torno da eleição presidencial é mais uma novidade perversa do bolsonarismo.
Vitor – Esta escancarada a estratégia desde a primeira cena. Um roteiro de baixo nível, sem sofisticação intelectual que conta com a limitação cognitiva dos adeptos. Filme digno da pornochanchada da década de 70 com um patológico canastrão pervertido no papel principal. O fim será uma tragicômica brochada.
Folha – Em 2022, também teremos a eleição a governador do estado do Rio. Nomes como o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) e do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM/MS) foram aventados. Certos, até agora, parecem ser o governador Cláudio Castro (PL), o deputado federal Marcelo Freixo (PSB) e o ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT), que lançou sua pré-candidatura em Campos no dia 16. Como enxerga esse tabuleiro?
Alcimar – Com certo pessimismo em função do histórico recente da política fluminense. O atual governador Cláudio Castro parece ganhar apoio importante das lideranças regionais e o clima já é de campanha. Entretanto o estado precisa ser pensado no contexto de longo prazo, já que apresenta problemas de crescimento econômico, desordem fiscal e baixa capacidade de investimento, apesar de referência na produção de petróleo no país.
Cristiano – O governador Cláudio Castro era um nome desconhecido, mas herdou o cargo com a cassação do Witzel e, naturalmente, ganha força. O Marcelo Freixo é um tradicional candidato da esquerda fluminense. Mudou de partido, o que pode lhe ampliar o eleitorado. Rodrigo Neves é um nome novo. Fez uma gestão com pontos positivos em Niterói, embora tenha ficado preso por alguns meses, o que será explorado. Além deles, não se pode descartar o candidato que vier a ser apoiado pelo Eduardo Paes. Enfim, a disputa no estado está completamente aberta.
Geraldo – Tanto mais quente for a disputa nacional, mais morno será o debate estadual. O governador mostrou maturidade e sabedoria política no jogo em que sucedeu o titular impedido, parte fortalecido e com um bom cacife. O Freixo não tem demonstrado articulação necessária para ir além de seu nicho cativo. O Rodrigo tem bagagem política e conhece o jogo, ainda poderá chegar ao Palácio das Laranjeiras. Com as fichas que estão na mesa e estes jogadores, minha aposta é na eleição de Castro a governador.
Guiomar – É fato que o tabuleiro do Estado do Rio seguirá os arranjos nacionais das lideranças e de seus partidos. A concretização dessas articulações, entretanto, se dará de fato nos níveis estadual e municipal. Por isso a movimentação, em especial, através de visitas e entrevistas que já começaram no interior do nosso Estado. Se estes quadros de pré-candidaturas se mantiverem, o “passe” das lideranças campistas no município, em cargos no governo estadual, no importante município de Niterói e na Assembleia Legislativa, será disputado intensamente.
Roberto – Por enquanto, é que dá para dizer é que o governador será um candidato forte e que Freixo, se conseguir os apoios com que parece contar, desponta como principal nome da oposição. No entanto, uma possível aproximação de Rodrigo Neves com Eduardo Paes e o PSD pode viabilizar uma terceira candidatura competitiva. As negociações políticas ao governo estadual estão diretamente ligadas à disputa pela presidência da República. Se a dita terceira via ganhar força no cenário nacional, isso terá impacto na disputa estadual.
Vitor – O estado do Rio está em processo de reorganização política após prisões de dezenas de políticos do grupo do ex-governador Cabral (MDB) e a ascensão e queda meteórica de um governador antipolítica (Witzel, eleito) em 2018. Cláudio Castro terá a máquina do estado, mas continua desconhecido da população e traz consigo a ligação com o Pastor Everaldo envolvido em escândalos. Freixo e Neves dividirão o campo progressista de esquerda, além de um possível candidato do Eduardo Paes.
Folha – Entre as eleições a presidente e a governador, há pontos de intersecção com as lideranças políticas de Campos. O prefeito Wladimir Garotinho e o secretário estadual de Governo Rodrigo Bacellar, antagonistas locais, se unem no apoio a Castro, que apoia Bolsonaro. Secretário de Ciência e Tecnologia de Niterói, Caio Vianna apoia Neves, que em tese apoiará Ciro Gomes (PDT), mas já foi do PT e poderia apoiar Lula. Como você vê?
Alcimar – Nesses momentos as lideranças políticas mostram os seus verdadeiros interesses. Partido, ideologia, coletividade, visão de futuro, são elementos descartáveis. O projeto de poder tem prioridade sobre o bem-estar da população. O problema é que o ciclo é bianual e inviabiliza as iniciativas de planejamento e comprometimento com o desenvolvimento socioeconômico das cidades, regiões e país.
Cristiano – O sistema eleitoral brasileiro, e mais especificamente a política brasileira, tem por característica a realização de alianças e coligações absolutamente desvinculadas das intenções e dos compromissos porventura assumidos acerca de questões locais. Isso, por um lado, poderia ser visto de forma positiva, caso permitisse a ampliação do debate entre as lideranças locais. Mas, infelizmente, não é essa consequência que se constata.
Geraldo – É extremamente positivo que lideranças locais se articulem com forças estaduais e até nacionais. A melhor das batalhas que a cidade poderia desejar é a disputa destas lideranças por realizações que contribuam com o desenvolvimento local. A questão nacional passará ao largo dos movimentos da região. O próprio embate estadual deve guardar certa discrição no trato da disputa federal. Não vejo, por enquanto, Lula ou Bolsonaro com palanques atrativos aos candidatos estaduais.
Guiomar – Sim, é possível que essas forças locais antagônicas se unam em torno da candidatura de Castro a governador, não esquecendo, que até aqui, ele é bolsonarista de “carteirinha”. Porém, lembro que o PSD, partido de Wladimir, historicamente do Centrão, foi aliado dos governos do PT. Já são intensas as conversas entre Freixo e Neves. As articulações ao Governo do Estado, tendo importantes lideranças campistas compondo estas ações, dependerão muito do cenário nacional. O que farão do embate Ciro x Lula? Acordos para o segundo turno?
Roberto – Em 2018, quando foi candidato a deputado, Caio não moveu uma palha pela candidatura presidencial de seu partido. Não creio que Wladimir apoie Bolsonaro ou qualquer outro candidato a presidente. O mesmo em relação a Bacellar. Os três são políticos locais de destacada vulgaridade. Só se movem pelo comando político ou financeiro de alguém maior. Nunca por afinidade ideológica. Desta vez Caio está nas mãos de Neves e precisará obedecer. Já Wladimir e Bacellar, embora aliados de Castro, devem ficar soltos na eleição presidencial.
Vitor – No geral, as prefeituras têm pouco ou nenhum impacto nas eleições presidenciais. Prefeitos do interior, especificamente, atuam mais como cabos eleitorais de deputados federais e estaduais do que de governadores. Wladimir talvez consiga ajudar a eleger um ou dois do grupo Garotinho, Rodrigo Bacellar terá que se preocupar com a própria candidatura e Caio é peça irrelevante. A região perdeu representantes na Alerj para a Covid (os ex-deputados estaduais Gil Vianna e João Peixoto), é provável que consiga recompor o poder político.
Folha – Na campanha a prefeito de Campos em 2020, o então candidato Roberto Henriques (PCdoB) usou a expressão “dinheiro novo” em entrevista ao Folha no Ar, da Folha FM 98,3, em 8 de outubro. Que passou a ser usada pelos demais candidatos, inclusive o vencedor Wladimir. Como esse “dinheiro novo” para enfrentar a crise financeira de Campos se refere a verbas estaduais e federais, qual a importância de 2022 ao destino dos campistas?
Alcimar – Particularmente reconheço ingresso de dinheiro novo, como consequência de um processo de melhoria da dinâmica econômica. Neste quadro podemos considerar os investimentos públicos, que induzem novos negócios com geração de emprego, renda e tributos e os investimentos privados, capazes de animar a economia, ampliando o estoque de riqueza. Na esfera privada, Campos apresenta boas perspectivas de investimento com a desaceleração da pandemia. O poder público precisa aproveitar essa oportunidade e fazer o dever de casa.
Cristiano – A geração de receitas e o efetivo alcance do “dinheiro novo” depende de criatividade do Poder Público. Isso, por evidente, não retira o mérito para a obtenção de “dinheiro novo” por intermédio de verbas públicas provenientes dos governos estadual e federal. Contudo, por outro lado, essa dependência não é positiva, em especial porque vincula desnecessariamente os governantes locais a candidaturas que, em diversos outros pontos, podem não significar as melhores escolhas.
Geraldo – Sempre ouvi essa expressão significando ingresso de recurso apartado do fluxo convencional, do orçamento tradicional e, por isto, ainda não foi alvo de disputas por alocações em rubricas de interesses de setores, regiões ou grupos específicos. É uma verba que o mandatário do executivo tem maior liberdade para gerir. É função perene de qualquer gestor mostrar criatividade e competência na busca por novas fontes de recursos, mesmo que obrigue articular com antagônicos.
Guiomar – O destino do campista será novamente marcado pela lógica reinante da política brasileira: clientelismo e troca de favores. Esse “dinheiro novo” será tratado com as marcas de uma política eleitoreira, não de forma consultiva e participativa da sociedade civil organizada, objetivando um desenvolvimento articulado. Definir onde e como investir esses recursos dependerá do clientelismo eleitoral, da nossa memória de curtíssimo prazo e do pandemônio socioeconômico da pandemia. Quem será o “salvador” dessa “intrépida amazona”?
Roberto – Em um país federalista como o nosso as verbas estaduais e federais são sempre fundamentais para os municípios. Por isso, o interesse de Campos só tem futuro articulado com a busca de melhorais importantes neste federalismo. O “dinheiro novo” precisa ser sustentado com base em mudanças institucionais nos termos de arrecadação e repasse de tributos entre União, estados e municípios. Um município importante como Campos não pode encontrar soluções isoladas de curto prazo baseadas em aproximação política de conveniência.
Vitor – Todo recurso que tem origem em transferências condicionadas depende da capacidade de articulação política e negociação. Independentemente de quem vencer as eleições estaduais e nacionais o prefeito terá que adaptar as estratégias. Sem os royalties que seus pais tiveram à disposição, Wladimir não terá alternativas senão a de cooperação com demais entes federativos para buscar recursos.
Folha – “Dinheiro novo” não falta a Cláudio Castro. A venda da Cedae, ao lado de Bolsonaro, rendeu R$ 22 bilhões, sendo R$ 7,688 bilhões distribuídos proporcionalmente pelos 28 municípios que aderiram ao plano de concessão de saneamento. E, para atender aos demais 63 municípios, excluída a capital, o governador terá à disposição R$ 14,478 bilhões. É “dinheiro novo” o suficiente para se eleger governador a partir dos prefeitos?
Alcimar – A venda de ativos também representa “dinheiro novo”, porém o seu uso é importante. Por exemplo, um plano de saneamento vai exigir dos municípios projetos técnicos que podem ter relevante papel na dinâmica econômica. Situação diferente também pode ocorrer se o “dinheiro novo” for associado à eleição. Podemos lembrar dos exemplos recentes de mau uso de recursos, superfaturamento e corrupção no país e a não conclusão dos objetivos em anos bem recentes, como 2015, 2016 e 2017.
Cristiano – Infelizmente, um dinheiro que deveria ser utilizado para outras questões vai acabar servindo de moeda de apoio para as eleições estaduais. Não sei se esse dinheiro será suficiente para a eleição do Cláudio Castro, mas certamente o torna um candidato muito mais forte.
Geraldo – O capital político é formado por diferentes “dinheiros”. Antes das moedas, o candidato precisa mostrar sabedoria em suas escolhas, capacidades em bem articular alianças, credibilidade perante seus pares e eleitores, inteligência para fazer promessas corretas e críveis. Depois disto, o “dinheiro novo” irá somar diferença. O maior dos ingênuos sabe que dinheiro acaba e no fim do dia mais vale é acreditar que amanhã o parceiro manterá a lealdade e que a fonte estará viva e renovada.
Guiomar – Castro terá a “faca” da máquina e o “queijo” do dinheiro nas mãos para ampliar sua base, dividindo de uma vez só o espólio da privatização da Cedae. Um “dinheiro novo” fruto da venda/concessão de nossas águas, fruto de emendas parlamentares que muitas vezes vêm atreladas no Congresso e na Assembleia Legislativa de leis que significam perda de direitos. Por isso a necessidade de manter o círculo vicioso do clientelismo. Imaginem, se a população se liberta dessas amarras e passa a compreender as relações políticas além da troca de favores?
Roberto – Pode não ser suficiente, mas conta muito, sobretudo na cooptação dos prefeitos. Mas devemos esperar que o alinhamento ideológico da eleição para o governo estadual com a eleição presidencial, que foi muito forte em 2018, se repita em 2022. E isto significa que o dinheiro novo pode não bastar para garantir a eleição de Castro: a possível derrota de Bolsonaro no estado do Rio pode arrastar também seu candidato a governador. Seria o fenômeno Witzel ao contrário.
Vitor – Sem dúvida representa um aumento do poder da máquina política do Estado, mas ainda assim será um desafio à eleição de um governador desconhecido, inexpressivo e com passado comprometedor. As forças políticas no estado do Rio estão em processo de reestruturação e a economia ainda engatinha, mesmo com a entrada de novos recursos.
Folha – Prefeito do Rio, Eduardo Paes prometeu na campanha que não seria candidato a governador. E confirmou em entrevista ao Folha no Ar do último dia 9: “isso (ser candidato a governador) não vai acontecer em 2022, em hipótese nenhuma”. Mas parece ser consenso que é a “noiva preferida” de quem se candidatar. O fato de Castro, se eleito governador em 2022, não poder se candidatar à reeleição em 2026, pode pesar para definir o apoio de Paes?
Alcimar – Acredito que sim, já que o prefeito do Rio de Janeiro precisa cumprir os quatro anos de mandato para manter a confiança adquirida. Acredito que ele aprendeu com o passado e é inteligente suficiente para não agir de forma manchar a credibilidade que tem da população e que lhe permitiu a vitória nas urnas. Nesse caso esperar 2026 deve ser a melhor estratégia.
Cristiano – Pela força política que possui no estado do Rio, mormente na capital carioca, acredito que o Eduardo Paes vai querer lançar (seu) candidato e não apoiará o Cláudio Castro, mesmo considerando o fato de a reeleição deste refletir nas eleições (a governador) de 2026. Sinceramente, não acredito que o Cláudio Castro tenha força suficiente para “impor” apoio nas eleições de 2022, tão somente para abrir caminho para o Eduardo Paes nas eleições de 2026.
Geraldo – Conheço o Eduardo dos tempos que integrava os quadros do PSDB. É um político com rara inteligência e já mostrou competência em gestão. Gostaria de vê-lo à frente do Executivo fluminense. Hoje não disponibiliza seu nome para 2022 porque entende haver um trabalho a ser feito na capital. Entretanto, se houver um arranjo adequado e a candidatura dele for reclamada como necessária ao Estado do Rio, tenho certeza que abraçará o desafio. Ademais, é um dos principais eleitores no RJ.
Guiomar – Eduardo Paes é muito maior que Castro. Tem luz própria, conhece o estado do Rio, é bem articulado com as variadas lideranças nacionais. Ele não depende do bolsonarismo, único esteio de Castro, mesmo com os bilhões finitos da Cedae. Não penso que o governador atual seja uma preocupação de Paes, pensando em 2026. Se ele cumprir a palavra de não disputar a governador em 2022, torna-se, é verdade, a “noiva preferida”. Quem ele vai apoiar? Dependendo da escolha, o tabuleiro que envolve lideranças políticas de Campos pode mudar.
Roberto – Do ponto de vista do cálculo político isolado de Paes para a disputa de 2026, pode até fazer sentido torcer pela reeleição de Castro. Mas o cálculo político raramente é de um de ator isolado. Paes não pode ignorar coisas como os rumos do jogo político nacional. As negociações políticas para a eleição estadual estão ligadas às negociações para a eleição nacional. E isso deve pesar muito na definição do apoio de Paes.
Vitor – Acho que o cenário 2026 é uma projeção muito pouco factível para se escolher adversário neste momento. Eduardo Paes é um político de expressão nacional, tem vocação, preparo e ambição. A carreira foi atropelada pelas eleições atípicas de 2018, quando poderia ter chegado ao Governo do Estado. Acredito que a estratégia seja se projetar para a futura disputa presidencial em 2030, mas até lá terá muitas oportunidades.