Com Cláudio Nogueira e Matheus Berriel
Ontem (6), no dia do Santíssimo Salvador, padroeiro de Campos, o programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, entrevistou os dois bispos católicos da cidade: o diocesano Dom Roberto Ferrería Paz e o e o da Administração Apostólica São João Maria Vianney, Dom Fernando Rifan. Além das origens do dia santo na história do Cristo e da própria fundação de Campos, os dois também falaram sobre o lenitivo da fé em tempos de pandemia da Covid-19 e as restrições do Papa Francisco à realização das missas em latim. Eles avaliaram os sete primeiros meses do governo municipal Wladimir Garotinho (PSD). E analisaram os momentos de tensão entre os Poderes da República no Brasil de Jair Messias Bolsonaro (sem partido).
Origem do Santíssimo Salvador
Dom Roberto – Em 1647, já havia uma pacificação com os índios que permitia uma ocupação. E lá, no quilômetro zero da cidade, foi celebrada a primeira missa, a 6 de agosto de 1652, pelo monge Fernando de Montserrat. Foi a primeira missa e a introdução da devoção ao Santíssimo Salvador, em razão do nome. O governador era Salvador Correia. Então, o culto a São Salvador.
Dom Fernando – Interessante. Tem o detalhe de que o pessoal fala São Salvador, Santíssimo Salvador… É a mesma coisa. Normalmente, se fala Santíssimo Salvador para não se pensar que é um santo como São Jorge e outros. É Santíssimo Salvador, é Jesus Cristo. Mas pode chamar de São Salvador também. Por exemplo: a grande igreja de Santa Sofia, lá em Constantinopla, quem é a Santa Sofia? Não é uma santa, não, é Jesus. Sofia quer dizer sabedoria. Santa Sofia é a divina sabedoria, é o próprio Jesus. Então, assim também aqui em Campos, São Salvador é Jesus Cristo como nosso salvador. Mas, então, esse beneditino trouxe a primeira tradição beneditina. E depois temos o grande Mosteiro de São Bento, em Mussurepe, e a tradição a Santo Amaro, que foi um abade beneditino. Por isso que, em Campos, metade da população se chama Salvador, e a outra metade se chama Amaro (risos). É uma grande difusão dos nomes Amaro e Salvador, por causa dessas duas devoções, que são beneditinas. Depois vieram para cá os jesuítas, que fizeram o Solar do Colégio; e outros padres também, como os redentoristas, que ocuparam ali a Igreja de São Francisco. Campos tem essa multidão também. Vieram os salesianos depois, esses missionários todos que ajudaram aqui na consolidação da fé campista.
Por que o 6 de agosto?
Dom Roberto – A transfiguração é celebrada em dois momentos na Igreja: em 6 de agosto e no segundo domingo da Quaresma. O 6 de agosto mostra toda a glória, todo o esplendor do ressuscitar. Já na Quaresma, há um encorajamento para os apóstolos viverem o ministério. A festa do 6 de agosto mostra todo o esplendor e a glória do Salvador. Foi Calisto III, no século XV, a raiz de uma vitória militar em defesa da Europa cristã. Parece que Jesus se manifestou neste momento. Já se celebrava em Oriente e regionalmente, mas ampliou-se a festa para toda a cristandade. Quer dizer que, quando Fernando de Montserrat celebrou, em 6 de agosto de 1652, aqui, no quilômetro zero, numa pequenina capela de taipa, ele estava celebrando essa festa, a festa da transfiguração.
Dom Fernando – Jesus estava indo para Jerusalém, e lá ele avisou: “Eu vou ser preso, entregue aos pagãos, vou ser flagelado, crucificado, morto. E no terceiro dia vou ressuscitar”. Então, diante desse panorama da próxima Paixão de Jesus, Jesus quis dar aos apóstolos um alento, que foi a sua transfiguração. Subiu ao Monte, que se supõe ser o Monte Tabor, e lá no alto se mostrou como Deus. Ele sempre aparecia como homem, e ali apareceu mostrou como Deus, brilhante como o sol. Pedro, Tiago e João ficaram extasiados diante daquela transfiguração de Jesus, como ele vai ser depois, ressuscitado e glorioso. A transfiguração une a Paixão e a ressurreição de Jesus. Portanto, é para mostrar aos apóstolos, para eles terem coragem. A festa da transfiguração é para dar a nós, cristãos, a força e a coragem. Mesmo que a gente tenha cruz, sofrimento, vamos passar por isso, mas que tenhamos coragem de um dia ressuscitarmos com o nosso Senhor. É a vitória de Jesus.
Dia do Salvador na pandemia
Dom Roberto – Como disse Dom Fernando, a luz do Salvador é o que nos impulsiona para iluminar esse mistério, que é de cruz, é de perdas. Mas pensar que a Páscoa ilumina. No fulgor da Páscoa de Jesus, vamos ressuscitar, vamos renascer, vamos superar. O mistério pascal é a passagem da cruz para a vitória plena. Então, em toda a nossa vida estamos sempre ressuscitando. Depois desta pandemia, nós ressurgiremos, espero, para um pós-normal mais fraterno, mais compassivo. O Papa já tem muitas visões de sonho de uma humanidade mais unida, reconciliada e mais unida. Pedimos ao Salvador que nos impulsione para isso, é o sonho de Deus aqui na Terra para nós.
Dom Fernando – É exatamente isso que a gente quer: essa união. A Igreja tem que dar o exemplo. E rezar. Se Deus quiser. Ninguém pode perder a esperança. Continuemos na oração. Aliás, esse tempo de pandemia suscitou muito a solidariedade nas pessoas: os médicos, enfermeiros, as pessoas que trabalham, todo mundo está solidário, querendo levantar o ânimo. Infelizmente, muitos telejornais acabam sendo só um obituário, mostrando que está morrendo gente, e as pessoas vão ficando desanimadas. Não vamos ficar, 80%, 90% das pessoas ficam boas. É claro, morre muita gente, e a gente lamenta profundamente. Mas a solidariedade surgiu muito nesse tempo da pandemia.
Restrição do Papa Francisco às missas em latim
Dom Roberto – Eu gostaria de observar que a questão não é só o latim, porque também tem o rito de Paulo VI em latim, e os sacerdotes rezam sem problema. Não é o uso do latim, é o que a Summi Pontificatus (encíclica do Papa Pio XII, de 1939) fala da missa em rito extraordinário. A Summi Pontificatus já tinha algumas observações para rezar essa missa, que era justamente do Bento XVI. Agora, como a celebração extraordinária foi usada de forma ideológica para atacar o Concílio Vaticano II, o Papa Francisco teve por bem, avaliando, que tinha que restringir essa missa, porque se tornava uma questão de divisão contra a unidade. Estava se retrocedendo, dizendo que o Concílio não valia. Isso não pode acontecer. Agora, aqui em Campos eu não vejo uma situação desse tipo. Eu e a Administração (Apostólica São João Maria Vianney), temos uma cordialidade, uma união perfeita. Esse rito extraordinário ficará para com eles, porque eu não tenho por que delegar a alguém quando existe aqui a Administração, delegada pelo próprio Papa para esse rito extraordinário. O problema são esses grupos que estão se afastando progressivamente da comunhão eclesial.
Dom Fernando – Numa conversa pessoal que eu tive com o Papa Francisco, eu estava em Roma. E eu falei: “Santidade, eu estou aqui para o encontro Summorum Pontificum”. E o Papa falou assim: “Eu só sou contra à instrumentalização da missa antiga para usar contra o Papa e contra o Vaticano”. E eu falei: “E eu também, estou aqui para isso, para mostrar exatamente como é o correto uso do latim, da missa tradicional, em adesão ao Papa e em aceitação ao Concílio Vaticano II”. E o papa falou: “Assim está ótimo. Se for assim, é uma das riquezas da Igreja”. Então, na verdade, o papa não aboliu a missa em latim, ele regulamentou. O latim é a língua conservada na igreja porque foi a língua dos primeiros cristãos. Lembra dos primeiros cristãos que nasceram ali em Roma. E é a língua oficial da Igreja até hoje, por isso os documentos oficiais da Igreja estão em latim.
Dom Roberto – Agora, eu gostaria de dizer desses grupos tradicionalistas que, pela primeira vez, não aceitam o papa quando o Concílio Vaticano II colocou um missal. O missal não tirava os outros ritos, nunca tirou outros ritos. Mas foi contestada essa missa. Por isso, não podemos ter esquecimento do que aconteceu também. Antes, acontecia: o Papa determinava um novo missal e ninguém contestava isso. Pela primeira vez, os tradicionalistas contestaram. Agora, pela primeira houve uma contestação, que foi a contestação do missal do Concílio. O missal do Concílio Vaticano II não tinha tirado outros ritos, mas pela primeira vez se contestou isso. Foi necessária a paz litúrgica, que houve aqui e tornou Campos um itinerário para viver essa paz.
Dom Fernando – É bom saber: esses grupos também me atacam muito, porque eu estou em união com o Papa e com o bispo. Me atacam como se eu fosse um traidor, um liberal. Isso é um absurdo. Só por que aceito o Papa e aceito o Concílio Vaticano II? E, de fato, foram esses grupos que provocaram essa intervenção do Papa, porque estava virando uma bagunça. Isso não pode. Quem aceita a missa na forma antiga, a missa tradicional, o rito romano antigo, ele não pode contestar a Igreja.
Governo Wladimir
Dom Roberto – Eu já dei uma nota recentemente (8,5, no Folha no Ar de 6 de julho). A minha avaliação foi bastante positiva, porque vejo que o Wladimir teve o empenho de restabelecer o Restaurante Popular, que, em termos de pandemia e de tanto desemprego, é um recurso importantíssimo na alimentação. Segundo: parece que ele tratou bem da questão da saúde. O problema viário, do transporte, também. Talvez, a única reserva, mas que ele voltou atrás, era a questão do teatro Kapi, que seria administrado por uma administração evangélica. Mas, a primeira impressão que temos, nos primeiros meses de gestão, é de uma gestão que escuta, que vai ao encontro e que trata de acertar e cumprir promessas feitas.
Dom Fernando – Primeiro, uma coisa negativa: lembro que ele falou aqui, neste programa, que tinha ganho R$ 5 milhões para tapar todos os buracos das ruas da cidade. Isso aí não está tudo tapado não, porque eu tenho andado pela cidade, e tem muito buraco ainda (risos). Wladimir, lembra aí, você está devendo isso. Tem que recapear, porque tem muito buraco na cidade. Mas uma coisa que eu acho boa é que eu converso às vezes com funcionários da Prefeitura, e eles dizem que ele tem pago os empregados. Agora, a gente não pode dar nota 10, porque tem muita coisa para fazer ainda. E também seria até injusto eu dizer que vou dar uma nota 7, 8, porque falta muita coisa e acho que ele pretende fazer. Nós vamos pedir, hoje, ao Santíssimo Salvador para que ele continue fazendo o bem, com essa meta de melhorar.
Restrição do Papa Francisco às missas em latim
Dom Roberto – Eu gostaria de observar que a questão não é só o latim, porque também tem o rito de Paulo VI em latim, e os sacerdotes rezam sem problema. Não é o uso do latim, é o que a Summi Pontificatus (encíclica do Papa Pio XII, de 1939) fala da missa em rito extraordinário. A Summi Pontificatus já tinha algumas observações para rezar essa missa, que era justamente do Bento XVI. Agora, como a celebração extraordinária foi usada de forma ideológica para atacar o Concílio Vaticano II, o Papa Francisco teve por bem, avaliando, que tinha que restringir essa missa, porque se tornava uma questão de divisão contra a unidade. Estava se retrocedendo, dizendo que o Concílio não valia. Isso não pode acontecer. Agora, aqui em Campos eu não vejo uma situação desse tipo. Eu e a Administração (Apostólica São João Maria Vianney), temos uma cordialidade, uma união perfeita. Esse rito extraordinário ficará para com eles, porque eu não tenho por que delegar a alguém quando existe aqui a Administração, delegada pelo próprio Papa para esse rito extraordinário. O problema são esses grupos que estão se afastando progressivamente da comunhão eclesial.
Dom Fernando – Numa conversa pessoal que eu tive com o Papa Francisco, eu estava em Roma. E eu falei: “Santidade, eu estou aqui para o encontro Summorum Pontificum”. E o Papa falou assim: “Eu só sou contra à instrumentalização da missa antiga para usar contra o Papa e contra o Vaticano”. E eu falei: “E eu também, estou aqui para isso, para mostrar exatamente como é o correto uso do latim, da missa tradicional, em adesão ao Papa e em aceitação ao Concílio Vaticano II”. E o papa falou: “Assim está ótimo. Se for assim, é uma das riquezas da Igreja”. Então, na verdade, o papa não aboliu a missa em latim, ele regulamentou. O latim é a língua conservada na igreja porque foi a língua dos primeiros cristãos. Lembra dos primeiros cristãos que nasceram ali em Roma. E é a língua oficial da Igreja até hoje, por isso os documentos oficiais da Igreja estão em latim.
Dom Roberto – Agora, eu gostaria de dizer desses grupos tradicionalistas que, pela primeira vez, não aceitam o papa quando o Concílio Vaticano II colocou um missal. O missal não tirava os outros ritos, nunca tirou outros ritos. Mas foi contestada essa missa. Por isso, não podemos ter esquecimento do que aconteceu também. Antes, acontecia: o Papa determinava um novo missal e ninguém contestava isso. Pela primeira vez, os tradicionalistas contestaram. Agora, pela primeira houve uma contestação, que foi a contestação do missal do Concílio. O missal do Concílio Vaticano II não tinha tirado outros ritos, mas pela primeira vez se contestou isso. Foi necessária a paz litúrgica, que houve aqui e tornou Campos um itinerário para viver essa paz.
Dom Fernando – É bom saber: esses grupos também me atacam muito, porque eu estou em união com o Papa e com o bispo. Me atacam como se eu fosse um traidor, um liberal. Isso é um absurdo. Só por que aceito o Papa e aceito o Concílio Vaticano II? E, de fato, foram esses grupos que provocaram essa intervenção do Papa, porque estava virando uma bagunça. Isso não pode. Quem aceita a missa na forma antiga, a missa tradicional, o rito romano antigo, ele não pode contestar a Igreja.
Conflito aberto entre Poderes no Brasil
Dom Roberto – A CNBB, em assembleia geral, colocou um documento claro, em que se preocupa também com a desconstrução da Constituição de 1988. Que ela trabalha justamente a autonomia dos municípios, todo esse problema vertical da União federal com governadores e prefeitos, essa discórdia que aconteceu em relação à pandemia. Isso atrasou, de fato, a vacinação. Leva a óbitos e mortes muito elevados. A Igreja observa assim. E também o choque horizontal entre os seus Poderes, no qual se atacam pessoas. Inclusive, se fala de poder moderador e de alterar as regras de jogo eleitorais, dizendo que, se não se alterar, vai haver uma intervenção. Isso nos dá um clima muito de instabilidade e de certo temor. Nós estamos pensando que queremos eleições com regras, as mesmas. Não se pode alterar no momento. E também queremos superar esta polarização, este conflito, à luz da “Fratelli tutti” (“Todos irmãos”, encíclica) do Papa Francisco. Porque, para reconstruir o Brasil neste momento de pandemia, vamos precisar de pessoas que agreguem, não que polarizem. Pessoas que sejam de diálogo. Nós estamos defendendo o diálogo. Diálogo, fraternidade e amizade social. E é isso que vamos pensar nas eleições de 2022.
Dom Fernando – Eu acho que todo fanatismo é ruim e acaba gerando a polarização, radicalização. Qualquer fanático não enxerga, só enxerga a sua posição. Isso vale para futebol, para qualquer coisa. Se fulano é fanático por um time e o time dele está perdendo, é horrível, ele continua dizendo que é o melhor de todos. Isso vale muito para o pró-Bolsonaro e o contra Bolsonaro. Existe fanatismo do pró-Bolsonaro e do contra Bolsonaro. E aí, ninguém enxerga mais nada. É a mesma coisa essa questão do voto impresso. Acho que podia haver uma conciliação. Tudo bem, Bolsonaro fica insistindo demais nesse negócio de voto impresso. Mas, por outro lado, por que os outros também não cedem? Mas, não, vira uma guerra. Eu acho que isso não contribui para a paz. O que faz a democracia é o equilíbrio entre os três Poderes. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário têm que estar equilibrados. Se ficarem brigando o tempo todo, quem vai sofrer? Na briga do mar com as pedras, os caramujos é que sofrem. Na briga do Executivo com o Judiciário, o pobre coitado do povo vai sofrendo com desgoverno. Vamos rezar para que tudo fique em paz e que haja esse equilíbrio entre os três Poderes.