Em 10 de maio de 2016, no apagar das luzes do governo Dilma Rousseff (PT), a então prefeita Rosinha Garotinho (hoje, Pros), junto do seu marido e então secretário de Governo, Anthony Garotinho (hoje, sem partido), fez uma cessão de crédito dos royalties do petróleo com a Caixa Econômica Federal (CEF). Popularmente conhecida como “venda do futuro”, por ela a Prefeitura de Campos recebeu R$ 562 milhões. E se comprometeu a pagar mais de R$ 1,3 bilhão, de maio de 2016 a maio de 2026. Era a terceira transação similar, segunda com a CEF, feita pelo governo Rosinha, a partir de novembro de 2014, com a queda do preço do barril e petróleo no mercado internacional e consequente queda de arrecadação do município.
Na última operação de cessão de crédito com os royalties como garantia, o casal Garotinho teve uma autorização da Câmara Municipal. Que, pela resolução 43/2001 do Senado Federal, limitava o pagamento do empréstimo em 10% das rendas petrolíferas do município, o que não foi respeitado no contrato. Em 20 de julho de 2017, o governo Rafael Diniz (Cidadania) e a Câmara Municipal presidida pelo ex-vereador Marcão Gomes (PL) conseguiram impor o limite de 10% aos pagamentos à CEF, junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF 2). O que valeu até a juíza da 14ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Rosângela Lúcia Martins, dar ao governo Wladimir Garotinho (PSD) e à CEF “a oportunidade de apresentação de proposta para repactuação da dívida objeto do contrato nº 0180.01.5543.82, no prazo de 60 dias”.
Na terça (10), Wladimir disse: “Vamos usar meus conhecimentos em Brasília, assim como de minha irmã, a deputada federal Clarissa Garotinho (Pros), para chegar a um acordo com a Caixa, nesses dois meses dados pelo juízo da 14ª Vara Federal. Que optou por não executar o a dívida do município, judicializada pelo governo Rafael e a Legislatura municipal passada. Com os juros acumulados de lá para cá, se o montante do que não foi pago à Caixa fosse executado, o município de Campos ficaria em situação financeira ainda pior do que já está, interrompendo o fluxo de caixa da Prefeitura. As consequências seriam muito, muito graves”.
A necessidade de acordo com a CEF, para evitar um sério agravamento da crise financeira de Campos, foi endossada por outras autoridades, ex-autoridades e operadores do Direito ouvidos pela Folha. Inclusive ligados ao Poder Público Municipal presente e anterior. Mas com algumas conclusões políticas e atribuições de culpa diferentes:
Roberto Landes – “A Procuradoria Geral do município já está mantendo diálogo com a Caixa Econômica Federal para que, juntos, possam encontrar uma forma de equacionar a situação de modo a cumprir as obrigações contratuais e não comprometer a prestação de serviços básicos à população. O município entende que a opção da gestão passada de suspender o pagamento das parcelas da cessão de créditos dos royalties de petróleo pode trazer graves consequências para a administração pública, caso o município tenha que efetuar o pagamento de forma integral. A Prefeitura de Campos vem reequilibrando as contas e efetuando o pagamento dos servidores municipais e fornecedores em dia. O contrato com a Caixa Econômica prevê obrigações e precisa ser cumprido, observando-se todos os regramentos legais pertinentes e de forma que o pagamento seja parcelado para evitar que haja um colapso na administração municipal”.
Fábio Ribeiro – “A Câmara Municipal de Campos dos Goytacazes também vem buscando diálogo junto à Caixa Econômica Federal no intuito de encontrar uma solução plausível que ofereça equilíbrio ao contrato pactuado. O presidente do Poder Legislativo municipal, Fábio Ribeiro, entende que o momento é de buscar conversações por meio dos representantes municipais que atuam no Congresso Nacional, junto à presidência da Caixa Econômica Federal. Precisamos de uma solução amigável para evitar o pior. Se o município tiver que efetuar o pagamento das parcelas suspensas pela gestão anterior de forma integral, podemos chegar próximo a um colapso financeiro”.
Rafael Diniz – “Durante meu mandato como vereador avisei que essa irresponsável antecipação de receitas prejudicaria várias gestões. Posteriormente, como prefeito, travamos uma batalha na Justiça e conseguimos evitar que o dano fosse ainda maior, o que iria gerar um colapso total. Agora, o filho da gestão irresponsável, que contraiu a dívida bilionária, terá que seguir a negociação que iniciamos para evitar o pior. Seria mais digno o atual prefeito admitir o grave erro do seu grupo político, que endividou a cidade, ao invés de insinuar que deveríamos ter efetuado pagamentos ainda mais absurdos em nossa gestão. É bom lembrar que, só com a ‘venda do futuro’, a nossa gestão pagou mais de R$ 200 milhões. Valor que poderia ser investido em diversas áreas. Lembro também que, durante a campanha do ano passado, o então candidato Wladimir afirmou que esse valor era pequeno. E agora, mesmo com mais recursos do que a nossa gestão, qual é a desculpa? Falta dinheiro ou falta competência e gestão?”
José Paes Neto – “Certamente, o que inviabilizaria o fluxo de caixa do município, agora ou em 2017, seria o pagamento dos valores previstos no contrato assinado pelo governo Rosinha. A judicialização da questão, após inúmeras tentativas de acordo com a Caixa, foi o caminho encontrado para fazer valer o que foi aprovado pela Câmara municipal e evitar o colapso das contas do município. Se o prefeito Wladimir entende que a judicialização foi equivocada, basta passar a fazer os pagamentos da forma como pactuados pela sua mãe”.
Bruno Azeredo Gomes – “No que tange à decisão exarada pelo juízo da 14ª Vara Federal do Rio de Janeiro, a Procuradoria Legislativa da Câmara Municipal entende que a determinação foi cautelosa ao facultar um prazo as partes para resolução do imbróglio, uma vez que uma imposição judicial no momento traria grandes prejuízos a uma das partes. Uma sugestão razoável seria incluir as parcelas suspensas anteriormente no final do contrato, prorrogando em quantos meses se fizerem necessários”.
Marcão Gomes – “Esse contrato da venda do futuro celebrado pela família Garotinho, além de extremamente prejudicial ao município, foi considerado simulado e fraudulento em desrespeito à resolução 43/2001 do Senado Federal. Na época em que presidi a Câmara de Vereadores, entramos em defesa do cidadão campista no TRF-RJ, visando não pagar mais do que os 10% das receitas oriundas da exploração de petróleo e gás. E este pedido foi acolhido em respeito à lei. Espero que o prefeito Wladimir atue com responsabilidade na defesa dos cidadãos e não para proteger sua família e seu grupo político. E que não tenhamos outra ‘venda do futuro’”.
Robson Maciel Junior – “Acredito que a decisão sinaliza para o acordo que deve ser ajustado entre as partes, isto é, a prorrogação do prazo de pagamento do empréstimo. Solução diversa, acredito ser prejudicial ao município e contrária à lei autorizaria municipal e à própria resolução do Senado Federal”.
João Paulo Granja – “Diante da determinação da Justiça Federal, limitando o valor do pagamento da prestação do financiamento contraído pelo município de Campos, no ano de 2016, junto à Caixa, a 10% da receita relativa aos royalties, nos exatos termos do § 4⁰ do artigo 5⁰ da Resolução 43/2001 do Senado Federal, mas que não quita a obrigação contraída nos moldes contratados. A questão do reajuste das bases contratuais será feita pelo Judiciário, quer pela alteração do valor da prestação, quer pela mudança do quantitativo de parcelas a serem pagas, tendo sido oportunizada a possibilidade de pacífica resolução da contenda, por meio de acordo. Neste sentido, espera-se da instituição financeira a flexibilização das amarras contratuais, de forma a se permitir o cumprimento da obrigação dentro dos limites legais e financeiros existentes”.
Cléber Tinoco – “Decisão proferida pela Justiça Federal, em ação proposta em 2020 pelo município, determinou que a Caixa Econômica Federal ‘se abstenha de quaisquer medidas de cobrança e constrição patrimonial em decorrência do não pagamento das dívidas referentes às parcelas do contrato de operação de crédito celebrado com a Caixa’. Esta decisão, segundo a magistrada, repercute sobre o processo em que o município e a Câmara questionam a famigerada ‘venda do futuro’. A juíza vislumbrou a necessidade de reequilíbrio do contrato, através de extensão de seu período de vigência ou de outra forma de compensação em favor da Caixa, facultando às partes a apresentação de proposta para repactuação da dívida objeto da ‘venda do futuro’, no prazo de 60 dias. Com isso, a Justiça indica que os vícios do contrato não serão capazes de exonerar o município do pagamento da dívida, o que já era esperado”.
Tiago Abud – “Parece que a juíza reconhece que há um desequilíbrio financeiro do contrato em desfavor da Caixa Econômica, por conta da suspensão do pagamento das prestações. O que significa dizer que esse contrato tem que ser revisto em favor da Caixa, no sentido de cumprir o que o município deve. Na verdade, na minha leitura, a juíza abriu um caminho político para tentar que as partes cheguem a um consenso de modo a cumprir o que o contrato prevê. Se justo ou injusta, se apropriado ou inapropriado o que foi feito lá atrás, não me parece que caiba agora discutir. O fato é que o negócio está celebrado. E uma vez celebrado, se o negócio não for anulado, ele tem que ser cumprido. O município recebeu o dinheiro e agora tem que pagar. O que se abre aí é uma oportunidade política para que não venha uma sentença que agrave a situação financeira do município. São duas possibilidades: prolongar o número de prestações, ou aumentar o valor das prestações, permanecendo o tempo do contrato. Vamos ver o que a administração Wladimir faz para que isso seja menos doloroso ao município e aos munícipes”.
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