Entre vidas e pedras, a memória que fica de Seu João

Empresário do ramo de pedreiras, João Francisco Gomes morreu na tarde de hoje, aos 94 anos, de Covid-19. Tinha doença pulmonar pré-existente, por conta das décadas convivendo com pó de pedra, e estava internado desde domingo na UTI do hospital Dr. Beda. Ele é um dos mais de 569 mil brasileiros mortos pela doença, mais de 1.540 só em Campos.

Conhecia, gostava e admirava Seu João. Como ele sempre demonstrou carinho por mim. Homens diferentes, penso que reconhecíamos um no outro características comuns, em cumplicidade que nunca precisou ser verbalizada. Entre outras coisas, ele construiu sua história das pedras, de onde o pernambucano João Cabral de Melo Neto me ensinou a tirar palavras.

Certa vez, uma pessoa contou de uma crítica a mim, que havia sido feita a ele. À qual sua resposta foi: “Ele pode, porque é poeta”. Paternal, foi uma das definições mais generosas que alguém deu sobre mim. E nunca esqueci. Guardada as proporções mais que devidas, me lembrou Kapi, em sua última entrevista em vida: “Virei poeta porque achava bonito ser poeta”.

A despeito da idade, Seu João era forte, lúcido e empreendedor. Ele achava bonito trabalhar. E dedicou sua vida longa à geração de empregos e divisas em Campos. Lamento muito a sua perda. Que serve para nos alertar o quanto a Covid ainda está à espreita de vida humanas, no meio de todos nós.

Fica a solidariedade à grande família que ele formou. Em parte, também minha. Na sua filha e minha cunhada Julie, e na suas netas e minhas sobrinhas, Bárbara e Valentina.

Vá em paz, Seu João!

 

A educação pela pedra

(João Cabral de Melo Neto)

 

Uma educação pela pedra: por lições;

para aprender da pedra, frequentá-la;

captar sua voz inenfática, impessoal

(pela de dicção ela começa as aulas).

A lição de moral, sua resistência fria

ao que flui e a fluir, a ser maleada;

a de poética, sua carnadura concreta;

a de economia, seu adensar-se compacta:

lições da pedra (de fora para dentro,

cartilha muda), para quem soletrá-la.

 

Outra educação pela pedra: no Sertão

(de dentro para fora, e pré-didática).

No Sertão a pedra não sabe lecionar,

e se lecionasse, não ensinaria nada;

lá não se aprende a pedra: lá a pedra,

uma pedra de nascença, entranha a alma.

 

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