O inaceitável e o indesejável
Por Merval Pereira
O empresário Pedro Passos, sócio da Natura, deu recentemente entrevista ao Globo em que diz que o país tem que se afastar, na eleição presidencial do ano que vem, da polarização entre o “inaceitável”, referindo-se ao presidente Bolsonaro, e o “indesejável”, que seria o ex-presidente Lula. Passos cita algumas das características que tornaria “inaceitável” a reeleição de Bolsonaro: “Não é democrata, é perigoso, não tem programa, não tem empatia com a população”. Quanto a Lula, disse que “traz uma agenda velha, de atraso, de intervenção econômica”.
O que mais tornaria Bolsonaro “inaceitável” e Lula “indesejável”? A incapacidade de ambos de criar maiorias legítimas no Congresso é patente. Lula assumiu à frente de um partido forte que fundou, o PT, querendo distância do PMDB, que em 2002 representava a política fisiológica, a ponto de ter vetado um acordo do então poderoso José Dirceu com o partido.
Já Bolsonaro assumiu levando um partido nanico, o PSL, a ser a maior bancada da Câmara, querendo impor seu voluntarismo aos partidos políticos. Acabou se entregando de corpo e alma ao Centrão, e hoje é seu refém. Lula resolveu comprar o apoio dos partidos, para que não atrapalhassem seu governo. Deu no mensalão e no petrolão.
Apesar desses ataques à democracia representativa, Lula entende melhor a democracia do que Bolsonaro, que a rejeita. Mas o ex-presidente tem compreensão maior pelas ditaduras de esquerda, enquanto Bolsonaro gosta das de direita. A política externa brasileira saiu fortalecida nos governos petistas, embora tivesse um viés esquerdista que a limitava e distorcia. A agenda do meio-ambiente, por exemplo, foi exemplar até que a ministra Marina Silva pediu demissão justamente pela tendência do governo de aceitar uma visão desenvolvimentista do então ministro Mangabeira Unger e da chefe do gabinete civil, Dilma Rousseff.
A política externa de Bolsonaro é um desastre completo, tornando o país um pária internacional, especialmente na área de meio-ambiente, a agenda internacional mais importante no momento. Não há dúvida de que se Lula estivesse no governo durante a pandemia, a teríamos enfrentado com mais eficiência e humanismo, com um presidente que tentaria unir o povo no momento dramático que vivemos. Temos hoje um governo inoperante, insensível e envolvido em corrupção na compra de vacinas e equipamentos médicos em plena pandemia.
O aparelhamento do Estado foi tão forte nos governos do PT quanto está sendo agora no bolsonarismo. Como a visão cultural e humanista é mais contemporânea no lulismo do que no bolsonarismo, o país viveu período mais dinâmico e criativo sob Lula. Hoje, há uma política de desmonte cultural.
A intervenção governamental, no entanto, foi tentada diversas vezes, e de diversas formas, no petismo, com uma política de financiamento estatal considerada na ocasião como de “dirigismo cultural”, ou quando tentou, de várias maneiras, instituir o chamado “controle social da mídia”, sinônimo de controle governamental da informação, que, aliás, Lula ameaça retomar se eleito. Bolsonaro é menos sutil, quer simplesmente acabar com os órgãos independentes.
Na questão de valores, os governos petistas foram sempre mais próximos do que é consensual no mundo ocidental, enquanto Bolsonaro defende valores retrógrados e reacionários, fazendo o país regredir nos costumes. O populismo econômico teve seu lugar no segundo governo Lula, e seu ápice no último ano, quando a economia cresceu artificialmente a 7,5% para eleger Dilma sua sucessora. Daí para a debacle econômica foi uma tendência inevitável, até que Mantega resolveu adotar “a nova matriz econômica”, levando o país à bancarrota. O desgoverno Bolsonaro vai pelo mesmo caminho.
Em 2018, o receio de que o PT voltasse ao poder fez com que a votação de Bolsonaro inchasse circunstancialmente. Entre outros, havia o receio de que a vitória petista significasse o fim do combate à corrupção e a desmoralização da Justiça. Foi o que aconteceu, no entanto, no governo Bolsonaro. Hoje, Centrão, petistas, bolsonaristas estão todos unidos no desmonte da estrutura de combate à corrupção organizada depois da descoberta do mensalão e do petrolão. Situação inaceitável e indesejável.