Foto de Lula no 2º turno, à espera de Bolsonaro ou Moro

 

Com Arnaldo Neto, Cláudio Nogueira e Matheus Berriel

 

“Lula está no segundo turno”. Baseado em todas as pesquisas presidenciais, foi o que o jornalista e escritor Pedro Doria, colunista da CBN, O Globo e Estadão, afirmou na manhã de ontem em entrevista ao programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3. Ele, no entanto, apresentou uma dúvida sobre o adversário final do petista: “Eu acho que é possível que o Bolsonaro não esteja no segundo turno”. Considerado um dos maiores especialistas digitais da imprensa brasileira, apresentou suas razões para isso. Além de considerar o governo brasileiro “um desastre completo”, a vigilância contra as fake news não só pelo Tribunal Superior Eleitoral, como pelas próprias empresas de tecnologia dos EUA, conscientes do que aconteceu no Brasil em 2018. E dispostas a não permitir que o uso massificado da mentira nas redes sociais se repita nas eleições do país em 2022.

Além do regramento virtual, Doria também acredita que o crescimento real de Sergio Moro nas pesquisas possa tirar o capitão do segundo turno com Lula: “Se você parar para pensar o que o eleitor queria em 2018, ele votou no Bolsonaro pensando no Moro. A maior parte dos eleitores brasileiros não é de extrema-direita. O que uma imensa parcela dos eleitores votou quando escolheu o nome do Bolsonaro, viu no Bolsonaro o reflexo da Lava Jato. E uma repulsa ao PT, aquilo que a gente chama de antipetismo. É por isso que votaram no Bolsonaro. O Bolsonaro não entregou nada disso. O Moro entrega isso, o Moro é da Lava Jato. Então, se por um acaso o eleitor ainda estiver naquele clima de 2018, eu acho que a candidatura do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro tem um potencial imenso de crescer”. Ainda assim, ressalvou: “Bolsonaro é favorito para estar no segundo turno”. Ele também avaliou a eleição a governador do estado do Rio, entre as questões financeira e de Segurança Pública.

 

Pedro Doria (Foto: Divulgação)

 

Supremo x Congresso no Orçamento Secreto – O Supremo tem a missão de garantir que a Constituição seja obedecida. O Congresso não pode distribuir dinheiro em segredo. Não pode um deputado decidir que quer que um determinado dinheiro seja encaminhado através do orçamento público para um determinado fim, numa determinada região, e ele não aparecer, ele não assinar um documento, ele não explicar porque aquele dinheiro está indo para aquilo. E é isso o que se instaurou no Brasil. No fim das contas, esse foi o truque que o Palácio do Planalto está usando para cooptar mais de metade da Câmara dos Deputados e mais de metade do Senado Federal. Em essência, você aloca uma quantidade grande de dinheiro, aparentemente são R$ 30 bilhões. Pouco mais de metade desse dinheiro já foi alocado, já foi distribuído, ainda faltam pouco mais de R$ 10 bilhões para serem distribuídos. E nós até conseguimos descobrir para onde esse dinheiro vai, o que a gente não consegue descobrir é quem pediu para que esse dinheiro vá para determinadas regiões.

Orçamento entre deputados e prefeitos – O Orçamento nacional não tem dinheiro para todo mundo. Então, uns vão conseguir, outros não. Como é que você consegue esse dinheiro se você é um município do interior, se você é Campos? Você consegue esse dinheiro através dos dois, três deputados federais que têm uma ligação com a cidade. E que tipo de campanha um deputado federal faz para conseguir se reeleger? Ele chega ali no palanque na praça da cidade, principalmente nas bem pequenas do interior, e faz um discurso dizendo: “Olha, quem trouxe essas três ambulâncias que salvaram o seu fulano, a dona Beltrana, fui eu”. Se o orçamento público fosse como é na maior parte das democracias, descentralizado, ou seja, estados e municípios arrecadam o grosso, e a administração federal arrecada apenas aquilo que é necessário para a administração federal direta, você não teria esse desvio de função dos deputados federais. Só que não é assim. Então, hoje, o trabalho principal de um deputado federal é trazer dinheiro para a sua região, porque é assim que ele consegue mostrar para o prefeito o seu valor; é assim que o é assim que ele consegue convencer o prefeito a ajudá-lo na sua campanha, porque, afinal de contas, as campanhas eleitorais de prefeitos e deputados não são intercaladas. Deputado se elege dois anos depois de o prefeito se eleger, e nesse jogo você cria uma massa de deputados, em que a gente conhece 20 deputados federais, e são 513. A maioria deles, 300, 400 desses deputados, tem como única preocupação conseguir trazer dinheiro para os seus municípios, para garantir a sua reeleição.

Sistema do dinheiro pelo voto – A gente fala desse jogo: “Ah! Isso é corrupção!”. Isso é corrupção no sentido de que você está distorcendo a função de um deputado. Mas, não é necessariamente corrupção no sentido de que você está desviando dinheiro público para enriquecer ilicitamente. Na maior parte das vezes, não. Esse dinheiro vai, de fato, para comprar ambulância, para asfaltar rua, para iluminar praça. Agora, tem outra distorção que é trazida por isso. No fim das contas, o governo precisa de votos para evitar o impeachment, para aprovar as medidas provisórias e tudo mais para governar. Precisa de maioria no Parlamento. Então, você acaba distribuindo o dinheiro do orçamento para os deputados que estão dispostos a trocar aquele dinheiro pelo voto. O dinheiro não vai para os lugares que de fato precisam. O dinheiro vai para os lugares que elegem parlamentares que estão dispostos a trocar o seu voto por dinheiro. As regras do jogo fazem com que o jogo seja jogado assim. A gente sempre fica fazendo esse discurso de “Ah, os deputados isso… Ah, é um bando de ladrão, é um bando de corrupto. Ah, o Bolsonaro, o Lula, o Fernando Henrique, a Dilma, o Temer”, tudo mais, e a gente nunca olha para onde nasce o problema. E o problema nasce de como nós jogamos o jogo da democracia. É o próprio sistema no qual se baseia a democracia brasileira que está quebrado.

Eleição a governador do RJ – Vamos pensar na última eleição para governador do estado do Rio. Eu tenho uma relação bastante próxima com os sócios do Ibope. Houve um determinado momento na eleição, faltava menos de duas semanas para o primeiro turno, e uma das pessoas do Ibope me mandou uma mensagem, um zap, que era o seguinte: “Pode não ser nada, mas presta atenção nesse Wilson Witzel (PSC), que ele está começando a subir rápido, menos de duas semanas antes do primeiro turno”. Eu tenho a expectativa de que outra surpresa dessa possa acontecer na eleição do Rio de Janeiro? Não, não tenho. Aquilo ali, ninguém usava WhatsApp, com exceção da família Bolsonaro, e nas últimas duas semanas o Flávio Bolsonaro (hoje, PL), filho 01, começou a fazer uma campanha pesada via WhatsApp em favor do Witzel. Isso virou uma quantidade imensa de votos. Agora, a gente tem que levar em consideração que, para lançar mão daquele clichê, essa eleição tem tudo para virar uma caixinha de surpresas. Pode pintar alguém aparecendo por fora que surpreenda.

Economia e Segurança – Estou terrivelmente preocupado, porque nenhum dos candidatos postos tem um perfil de uma larga experiência em gestão de caixa, e um dos grandes problemas que o Rio tem é essa gestão financeira. Você precisa botar esse estado de pé de novo, porque ele está muito quebrado. E, simultaneamente, a gente vai ter que ter uma conversa sobre Segurança Pública. É uma conversa muito complexa, que parte de você ter que reinventar a Polícia. Essa é uma conversa que a gente tem dificuldade de ter. Mas, depois da experiência das UPPs, que se tentou fazer em algumas áreas do estado que eram por completo dominadas pelo tráfico de drogas, onde você tentou botar ali estruturas de Polícia Militar que tinham policiais que eram novos na corporação e, portanto, não faziam parte já de grupos de corrupção, aquilo durou três anos e, de repente, o troço foi contaminado. Como é que você resolve a Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro? A gente tem que reconhecer o fato de que a gente mal fala de tráfico de drogas hoje. Por quê? Porque as milícias são uma ameaça maior do que o tráfico de drogas, e as milícias são compostas por policiais ou ex-policiais. A gente corrompeu de tal forma essa estrutura que tem que recomeçar do zero.

Nomes a governador – Nesse sentido (da Segurança Pública), nomes como o do Raul Jungmann (Cidadania, ex-ministro da Defesa) e o do (Marcelo) Freixo (PSB, deputado federal) fazem algum sentido, porque eles de fato entendem muito de Segurança pública. Eu tenho um certo medo de que as pessoas achem que general entende de Segurança Pública, porque não entende. Agora, quando você pega um Freixo, por exemplo, ele tem zero experiência administrativa. Ele tem uma larga experiência como parlamentar. A gente vai entregar um estado que precisa de um CEO que consiga dar um jeito nessa gestão para alguém que nunca fez isso? Eu não estou dizendo que o Freixo fracassaria, só estou dizendo que a gente tem todos os motivos para ter profundas dúvidas a respeito. O Cláudio Castro (PL) é um cara que foi eleito junto com Witzel, eu não olho com nenhum tipo de simpatia para a gestão que ele está fazendo. O estado continua tão ferrado quanto. Enfim, fundamentalmente, eu acho que está cedo para a gente ter uma ideia de qual vai ser o cenário aqui no Rio de Janeiro.

Eleições presidenciais de 1989 e 2018 – A eleição de 2022 não vai ser como a eleição de 2018. A eleição de 2018, de certa forma, lembra muito a eleição de 1989, quando o ex-presidente Fernando Collor (hoje, Pros) foi eleito presidente. Por quê? Aquela foi a primeira eleição (presidencial), desde quando o Jânio Quadros foi eleito em 1960, com toda uma lógica de marketing de televisão que foi desenvolvida nos Estados Unidos a partir de 1968, com a primeira eleição do (Richard) Nixon, e que depois chegou à Europa Ocidental ao longo dos anos 1970: a eleição da Margaret Thatcher no Reino Unido, do François Mitterrand (na França). Era toda uma lógica de marketing de televisão que já estava desenvolvida e a gente, no Brasil, não teve, porque estava vivendo uma ditadura (1964/1985). Quando teve a eleição de 1989, surpreendentemente, o Collor montou uma estrutura profissional de campanha usando todo conhecimento que havia sido desenvolvido nas democracias que se mantiveram democráticas nos 20, 25 anos anteriores. Ele trouxe para a eleição brasileira. Nenhuma outra candidatura fez isso. Então, o Collor surfou sozinho aquela eleição, com técnicas modernas de campanha. Por que que ninguém mais fez isso? Por conta de alienação, de ignorância. Na eleição de 2018, foi exatamente a mesma coisa. A equipe do Bolsonaro trouxe técnicas que eram técnicas que se você entrasse nos fóruns certos da internet, você não tinha que pagar nenhuma fortuna para isso. Você lia de graça, como fazia aquele tipo de manipulação. O Bolsonaro tinha aquilo e ninguém mais tinha. E ele pegou de surpresa todo mundo.

“Campanha 100% baseada na mentira” – Eu não quero forçar demais a comparação entre Bolsonaro e Collor, porque seria desonesto. Bem ou mal, as técnicas de marketing que o Collor aplicou são legais, são legítimas, foram na frente de todo mundo. As técnicas que o Bolsonaro aplicou partem do princípio de que você tem que jogar parte da sociedade dentro de uma realidade paralela, você tem que fazer uma campanha 100% baseada em mentira. É por isso que eu falo sempre de uma realidade paralela. Você inventa um mundo à parte, em que existe uma ameaça comunista no país e tudo mais. Um mundo no qual “a Covid é só uma gripezinha, vamos trabalhar, o Brasil não pode parar”. Há um combate contínuo à realidade.

Dificuldades às fake news em 2022 – Agora, em 2022, todo mundo conhece essas técnicas (de Bolsonaro). Em 2022, você tem um Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que está atento. Você tem, já formada no TSE, uma jurisprudência que permite cassar a chapa de quem estiver fazendo uma campanha de desinformação pesada. Essa jurisprudência foi formada este ano, entendeu? Então, será que outros candidatos vão fazer campanhas de desinformação? A gente não tem como ter muita noção do tamanho das redes de WhatsApp que as outras candidaturas montaram. A gente vai vê-las mais ativas ou não a partir do período eleitoral iniciado. O WhatsApp também mudou a sua arquitetura. Em 2018, você podia encaminhar mensagens para 400 grupos de 256 pessoas ao mesmo tempo. Hoje, você tem um limite de número de grupos ou pessoas para os quais você pode encaminhar uma mensagem. Você tem limites mais rígidos do tamanho de grupos. Você tem uma estrutura interna dentro do Facebook que é dono do WhatsApp e fica vigiando contas com sistema de inteligência artificial que estão enviando massas de mensagens. Quer dizer, tudo aquilo que o Bolsonaro conseguiu fazer livremente em 2018, ele vai ter muito mais dificuldade de fazer em 2022.

Bolsonaro fora do segundo turno? – Eu não tenho certeza que o Bolsonaro vai estar no segundo turno. Eu acho que é possível que o Bolsonaro não esteja no segundo turno. Então, é muito difícil prever como que as redes vão operar em 2022. Quando a gente está falando não dos serviços de mensageria, mas quando a gente está falando das redes sociais, de Twitter, Facebook, TikTok, etc, existe a possibilidade, inclusive, perante abuso, dessas redes virem a banir candidatos, banir grupos formados por candidatos. Certamente vão banir. Todo mundo está muito atento e todo mundo entende. Essas grandes empresas do Vale do Silício entendem que se novamente um presidente se eleger mentindo será ruim para elas. Primeiro, se Bolsonaro se reelege, a democracia brasileira está sob perigo real. Se ele for reeleito mentindo deslavadamente em cima dessas redes, essas empresas, os altos executivos na Califórnia compreendem que elas serão responsabilizadas pelo fim da democracia brasileira. Então, 2022 não será como 2018. E 2022 vai ser uma eleição nova, não vai ser como nenhuma outra eleição. Vamos ver. Agora, se prepara para uma eleição sangrenta. Vai ser uma eleição violentíssima, profundamente agressiva entre os candidatos e entre suas militâncias. Virtualmente, com certeza. Eu temo que também fisicamente.

Pêndulo voltou à esquerda no Brasil? – A gente sabe onde o brasileiro estava em 2018. Democracias são pendulares, elas são construídas para serem pendulares. Um determinado partido fica um tempo no governo, ao fim desse processo está desgastado, as ideias novas que tinha e que dariam certo já deram certo, já foram postas em prática. Depois de alguns mandatos, um, dois, três mandatos, esses partidos, quando estão no governo, começam a calcificar, não têm ideias novas. As pessoas estão naquele hábito de defender o governo das críticas, causa uma certa exaustão e a população elege a oposição, que fica dois ou três ciclos eleitorais no governo, e aí começa a calcificar, começa a não ter ideias novas. E acontece uma troca. Por conta disso, as democracias tendem a ser pendulares. Você vai da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, e vai girando. O Brasil elegeu, de 2002 a 2014, a esquerda. Em 2018, elegeu a direita. Eu não tenho a impressão de que o brasileiro tenha já voltado para a esquerda. Eu acho que a gente ainda está num momento favorável à direita.

 

Página 2 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

“Nada ajuda Bolsonaro” – Bolsonaro é um desastre completo. E já não estou mais falando das tendências autoritárias e ditatoriais dele. Eu estou falando da inépcia completa como governante. É muito incompetente. Ele não fez absolutamente nada. E se você pensa que ele trazia como promessas, declaradas ou não, de que combateria a corrupção; de que garantiria escolas conservadoras, que não discutem sexualidade com crianças, etc; e que ele traria para o Brasil Segurança Pública. De certa forma, implicitamente, essas eram as três promessas na campanha Jair Bolsonaro, e ele não entregou nada disso. Ele não entregou as escolas conservadoras, ainda bem. O governo não tem que se meter em como que escola funciona. Não entregou maior Segurança Pública, a gente continua tão ruim quanto ou pior. E ele está aí sendo candidato por um partido do Centrão, governando com o Centrão, movendo moinhos para proteger os filhos corruptos. Então, Bolsonaro não entregou nenhuma das promessas. E você ainda tem a Covid, você ainda tem a inflação, quer dizer, nada ajuda Jair Bolsonaro.

Moro coloca terceira via no jogo – O Atlas Inteligência, que é uma das nossas novas instituições de pesquisa, publicou uma pesquisa no início dessa semana em que, pela primeira vez, registrou a provação como ótimo e bom do Bolsonaro abaixo de 20% (19%). Ele está em declínio. A mesma pesquisa Atlas, alguns dias depois, pôs Sergio Moro (Podemos) com algo parecido com 13% (13,7%) dos votos. Se você parar para pensar o que o eleitor queria em 2018, ele votou no Bolsonaro pensando no Moro. A maior parte dos eleitores brasileiros não é de extrema-direita. O que uma imensa parcela dos eleitores votou quando escolheu o nome do Bolsonaro, viu no Bolsonaro o reflexo da Lava Jato. E uma repulsa ao Partido dos Trabalhadores, aquilo que a gente chama de antipetismo. É por isso que votaram no Bolsonaro. O Bolsonaro não entregou nada disso. O Moro entrega isso, o Moro é da Lava Jato. Então, se por um acaso o eleitor ainda estiver naquele clima de 2018, eu acho que a candidatura do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro tem um potencial imenso de crescer. Até duas, três semanas atrás, a gente falava: “Ah, essa terceira via não decola, essa terceira via não isso, essa terceira via não aquilo”. A gente não pode mais dizer isso, porque há movimento real e detectado por todas as pesquisas. Sergio Moro entrou no jogo e Sergio Moro cresceu. Em várias pesquisas, com mais de 10 pontos. Então, já temos claro que o eleitor de direita está em busca de um candidato.

Dificuldades para Ciro – Quando a gente pensa em segundo turno, isso vale para o Brasil, isso vale para a Argentina, para o Chile, para o Uruguai, todas as democracias que estabeleceram os segundos turnos, vem o seguinte fenômeno: você tem um candidato que representa os eleitores de direita e um candidato que representa os eleitores de esquerda. Então, essa é uma corrida dificílima para o Ciro Gomes (PDT), porque ele é um candidato que representa eleitores de esquerda. Ele tem um programa de governo claro, que é um baita de um mérito para o candidato, todos os candidatos deviam ter isso. Ciro é um cara que fala claramente o que que ele vai fazer se ele for eleito presidente da República, tem seguidores extremamente leais e fiéis. O problema é que eles juntam 10% dos eleitores, se tanto. E o Lula é o líder indiscutível da esquerda brasileira. Então, é muito difícil tirar o Lula. Não é impossível tirar Jair Bolsonaro do segundo turno. Para o Ciro, eu não consigo enxergar o cenário com dois candidatos de esquerda no segundo turno, não consigo enxergar um cenário sem o Lula no segundo turno, não consigo enxergar o Ciro no segundo turno.

Moro de 2022 e Marina de 2014 – Agora, o Moro está começando a crescer. Isso quer dizer que o eleitor está começando a prestar atenção na eleição. Isso quer dizer que o eleitor está começando a fazer experiências. A Marina Silva (hoje, Rede), em 2014, ela começou a crescer. Isso quer dizer que os eleitores que não queriam votar no PT não gostavam necessariamente do Aécio Neves (PSDB) como candidato. Então, quando você declara o voto num candidato, no Sergio Moro em 2022, ou na Marina em 2014, o que você está fazendo, na verdade, é: “Achei simpática aquela pessoa”. Aí você começa a prestar atenção naquele candidato, você olha com mais atenção para as pesquisas, para as entrevistas que dá, faz umas buscas no YouTube, faz umas buscas no Google. Aí, nesse momento que se começa a prestar atenção, o Moro está seguindo a cartilha: está dando entrevista em tudo quanto é lugar, está falando onde pode. E é isso mesmo que tem que fazer. Nesse momento, esse voto é consolidado ou não? Se o voto no Moro for consolidado, a gente vai ver que ele não vai perder eleitores, ele vai começar a ganhar eleitores. E quem perderá eleitores, provavelmente, será Bolsonaro. Se o voto do Moro não se consolidar, e ele está com 13% na última pesquisa Atlas, se ele começa a perder votos, isso quer dizer que aquele eleitor que quer um presidente de direita, mas que não quer o Bolsonaro, porque senão ele já estaria com o atual presidente, vai experimentar outros nomes. Rodrigo Pacheco (PSD), João Doria (PSDB), não sei. Mas, ele vai experimentar outros nomes. A gente tem a possibilidade ali de ver outros nomes dessa terceira via começando a crescer. Às vezes é difícil, ao longo dos meses, ver esse movimento, porque, se o Moro continua ali com 13 pontos. Foi isso o que aconteceu com a Marina Silva em 2014, continuava ali bem perto de chegar ao segundo turno e parecia que ela estava sólida, mas, na verdade tinha muita gente que ia, achava mais ou menos e saía. Então, há um fluxo de eleitores entrando e saindo, e ela se manteve ali nos 17%, 18%. Pode ser que o Moro fique ali nesses 13% durante alguns meses, e a gente ache que ele está sólido, mas na verdade tem muita gente entrando e muita gente saindo. Pode ser que o Moro comece a crescer. Se ele começar a crescer, é sinal de que ele está consolidando eleitores, novos estão vindo e ficando. É uma dinâmica interessante de a gente assistir.

“Lula está no segundo turno”. Contra quem? Qual o resultado? – É difícil a gente prever, mas o chute que eu daria hoje é: Lula está no segundo turno, e não existe espaço para um (outro) candidato de esquerda crescer. Bolsonaro é favorito para estar no segundo turno. Existe espaço para um outro candidato de direita ou centro-direita ocupar o lugar dele e crescer em cima dele. Num segundo turno contra Bolsonaro, eu acho muito difícil que o ex-presidente Lula perca. No segundo turno contra outro candidato, acho que qualquer coisa pode acontecer, inclusive uma derrota do Lula. Agora, pode ser que em março do ano que vem eu tenha outra opinião. Isso é um filme, não é uma fotografia. Não dá para a gente antecipar resultado de eleição antes de acontecer.

Segundo turno presidencial do Chile entre centro-esquerda e extrema-direita – Acho pouco provável que o cenário chileno interfira de alguma forma na eleição brasileira. No Chile, o candidato da centro-esquerda (Gabriel Boric) é favorito. Os chilenos puseram no segundo turno (que será disputado em 19 de dezembro) um candidato de extrema-direita (José Antonio Kast) contra um candidato de centro-esquerda. Isso me cheira a eleição francesa que levou a Marine Le Pen contra o Emmanuel Macron, e o Macron ganhou. O Macron não era um candidato de centro-esquerda, ele era um candidato de centro, mas a Le Pen era de extrema-direita. E o Boric não tem o desgaste que o PT tinha no Brasil. Eu não acho que o Bolsonaro teria ganho contra um candidato em 2018 que não fosse que fosse de outro partido que não o PT. Mas, de qualquer jeito, eu não acho que o Chile interfira na eleição brasileira.

Auxílio Brasil pode recuperar popularidade de Bolsonaro? – O Auxílio Brasil pode interferir, sim, mas a gente tem que levar em consideração alguns aspectos. Primeiro, a expectativa da população. A população chegou a receber um Auxílio Emergencial de R$ 600 para a maioria das pessoas. Isso bate: “Ah, o governo pode pagar R$ 600”. Isso não é exatamente verdade, mas o que bate é isso. O Auxílio Brasil vai ser de R$ 400, é mais do que o Bolsa Família, mas é menos do que aqueles R$ 600. A gente não sabe quantas pessoas, em que circunstâncias, vão receber esse auxílio, porque ele está muito mal desenhado. Lembra como foi uma atrapalhação só a distribuição do Auxílio Emergencial quando ele surgiu? Aplicativo da Caixa que dava errado, as pessoas não tinham celular para seguir o aplicativo, justamente pessoas que mais precisavam do dinheiro não tinham celular; e os caras, como se tivessem em Marte, decidiram que o troço ia ser distribuído via app. Esse é um governo muito incompetente: eles desmontaram a estrutura do Bolsa Família, que era uma estrutura desenhada pelo Ricardo Henriques e pelo Ricardo Paes de Barros, que era de uma beleza. Um dos grandes méritos do programa do governo Lula foi o desenho desse programa de auxílio que é o Bolsa Família, enquanto esse Auxílio Brasil joga fora todo o Cadastro Único (CadÚnico), que é a base da distribuição do Bolsa Família, e desmonta a estrutura governo, técnica, que o distribuía. Então, a gente tem que levar em consideração a possibilidade de que a implantação desse Auxílio Brasil seja uma grande confusão. E tem um último aspecto, que é o seguinte: inflação. A inflação está alta (acima dos 10% no acumulado dos 12 últimos meses), é possível que a gente chegue em junho e, para o brasileiro que recebe o Auxílio Brasil, aquele valor faça pouca diferença em relação ao que ele recebia do Bolsa Família, porque o Real terá perdido o valor. Então, eu tenho dúvidas de que o Auxílio Brasil vá representar um roubo de eleitores tradicionalmente lulistas para o Bolsonaro. Porque é isso que o Auxílio pode fazer: tirar eleitores do Lula e dar para o Bolsonaro.

O cacife popular de Lula – A memória que essas pessoas (que receberão o Auxílio Brasil) tem do Lula é uma memória de lealdade, é o que o Lula representa para essas pessoas: “O Lula é um de nós, o Lula é o retirante nordestino que passou fome, que teve uma vida profundamente difícil, que que teve uma educação formal ineficiente. Ele parou no meio do fundamental”. O tipo de ligação, de conexão que o Lula tem com esse eleitor do interior do Nordeste é muito mais profundo do que apenas o Bolsa Família. E o Bolsa Família nunca foi um programa fisiológico. Ele até se presta ao fisiologismo, mas ele nunca foi um programa fisiológico. Ele foi um programa que é elogiado por Nações Unidas, foi montado por economistas liberais, entende. Ele é um programa que Milton Friedman (economista), que é o ícone do liberalismo, aprovaria. Isso não é verdade a respeito do programa Auxílio Brasil. É um programa puramente fisiológico, puramente criado para tentar tirar de Lula votos e trazer para Bolsonaro. Eu não acho que isso sejam favas contadas. Porém, não quer dizer que não possa funcionar, não quer dizer que não possa dar votos o suficiente ao Bolsonaro para garanti-lo no segundo turno. Pode acontecer, eu só não acho que isso seja uma certeza. As condições do governo Bolsonaro e as condições do Brasil não estão a favor do presidente.

Diante da derrota, Bolsonaro pode tentar o Senado ou a Câmara, para manter o foro privilegiado? – A grande dificuldade de o Bolsonaro ser candidato ao Senado ou à Câmara, eu acho que seria ao Senado, é que ele tem que se desincompatibilizar da presidência da República, ele tem que deixar o Planalto em março. Ou seja, em abril ele é um cidadão comum. Em abril, qualquer procurador do Brasil pode abrir um processo contra ele, e isso vai, dependendo do juiz de primeira instância, ter uma condenação rápida. Basta querer. O Bolsonaro é conhecido pelas suas insônias, a presidência da República pesa nos ombros dele. E essa é uma decisão difícil. Eu tenho certeza de que passa pela cabeça dele essa ideia, mas é uma decisão muito difícil. Eu acho que ele se elegeria para o Senado no estado do Rio de Janeiro ou na maior parte dos estados do Brasil. Acho que, se começa a dar, até março, pesquisa com ele próximo de sair do segundo turno, acho que esse é um cenário bastante concreto. Mas não é uma decisão fácil, por conta desse hiato no qual ele estaria sem foro privilegiado.

Possível chapa Lula/Alckmin – Lula e Alckmin é uma chapa brilhante é uma chapa brilhante, porque, primeiro, representa uma aliança que deveria ter ocorrido no Brasil da Nova República. Fazia sentido PT e PSDB. O PSDB não é um partido de direita, o PSDB não nasceu como partido de direita, o PSDB nasceu como um partido de centro-esquerda, nasceu como um partido socialdemocrata que, como boa parte da sua socialdemocracia europeia e americana nos anos 1990, se tornou social-liberal. Então, o PSDB fez o movimento que o Partido Democrata nos EUA fez, a socialdemocracia alemã fez, que o Partido Trabalhista inglês fez. Mas é a centro-esquerda. O PT é um partido que, ao longo dos anos 1990, vai se desradicalizando, até o momento da Carta aos Brasileiros (em 2002, quando assumiu o respeito à economia de mercado e permitiu a Lula se eleger presidente a primeira vez). Uma chapa PT/PSDB, em que os dois partidos ficassem se alternando, um dá o presidente numa eleição, o outro dá o presidente na outra, teria permitido que o Brasil criasse partidos não fisiológicos de direita. Porque um partido de direita ia aparecer para concorrer contra essa chapa. Só que, como PT e PSDB nunca se uniram e sempre brigaram entre si, sempre foram obrigados a fazer alianças com partidos fisiológicos de direita. Lula foi eleito com o vice do PL (o falecido empresário José Alencar), que é o partido no qual o Bolsonaro está entrando agora, assim como o PSDB (com Fernando Henrique presidente) trazia sempre um vice do PFL (o ex-senador Marco Maciel), o atual DEM, atual União Brasil. É uma chapa brilhante, porque vai tirar de pessoas centristas, mesmo que ligeiramente inclinadas à direita, muitos preconceitos em relação ao Lula. Por outro lado, não tira do Lula nenhum voto na esquerda. Então, nesse sentido, se o objetivo da construção de uma chapa é ampliar essa chapa, é uma chapa brilhante.

Os caminhos e o cacife de Alckmin – O Alckmin tem dois caminhos. Ele pode se filiar ao PSB, ao Partido Socialista Brasileiro, e assim ser candidato a vice do Lula, ou ele pode se filiar ao PSD, ao Partido Social Democrático, do Gilberto Kassab, e ser candidato ao governo do estado de São Paulo Geraldo. Alckmin é um cara que o interior de São Paulo adora, porque ele foi um bom governador, foi um governador muito competente. E as gestões de São Paulo costumam ser gestões competentes, ao contrário das gestões aqui do Rio de Janeiro. O João Doria, que é inimigo fidagal do Alckmin, quer botar o Rodrigo Garcia, que é o seu vice, como candidato ao governo do estado, agora que está claro que o João Doria vai ser candidato à presidência da República. O Alckmin consegue tirar o PSDB do governo do estado se ele for candidato a governador. Agora, a principal fortaleza do Alckmin, é o eleitor do interior de São Paulo, que é um eleitor conservador. Eu conheço bem o interior de São Paulo.  Morei em São Paulo, na capital, e minha mulher é de Bauru. O eleitor do interior de São Paulo é muito diferente do eleitor paulistano. O eleitor do interior de São Paulo é conservador. O eleitor paulistano elege, de vez em quando, prefeito do PT. São Paulo não elege governador do PT. O Alckmin está numa dança que é uma dança muito delicada. Se ele é candidato a vice-presidente do Lula, ele provavelmente vai morar no Palácio do Jaburu, ele provavelmente vai ser vice-presidente da República, porque ganha muita força a chapa do Lula. Agora, ele não pode ficar parecendo que quer ser vice-presidente do Lula por meses a fio. Essa decisão tem que ser tomada rápido, porque se o Lula fica mantendo ele em banho maria durante muito tempo, o eleitor do interior de São Paulo vai começar a olhar para o Alckmin: “Pô, esse cara não é o cara que eu conhecia. Esse cara quer o PT, está puxando o saco do Lula, como é que esse negócio funciona?”. Isso começa a criar desgaste para o Alckmin a governador de São Paulo. Então, essa decisão tem que ser tomada com uma certa rapidez. O Alckmin está correndo um risco. Faz todo sentido ele querer ser vice-presidente do Lula. Mas, isso tem que ser decidido rápido, porque senão ele perde, ele põe em risco a oportunidade, que é o plano B, de ser governador de São Paulo.

 

Página 3 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Confira abaixo, em três blocos, a íntegra em vídeo da entrevista com o jornalista Pedro Doria. O conteúdo da reprodução em jornal e blog estão no segundo e terceiro blocos:

 

 

 

 

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