“O grande inimigo de SJB é o poder público municipal”

 

O grande inimigo de São João da Barra é o próprio poder público municipal”. A afirmação é do eco historiador Arthur Soffiati, professor da UFF-Campos. E encontra justificativa na constatação do economista Alcimar Chagas, residente em SJB e professor da Uenf: “o aumento das receitas não é mérito dos gestores. O Imposto Sobre Serviços (ISS) proveniente do Porto do Açu, sem fiscalização, contribuiu com 19,6%. E as rendas petrolíferas contribuíram com 33,5% do total (…) uma arrecadação que o poder público não sabe como gastar com êxito (…) para planejar e operar serviços públicos de qualidade”. Outro residente em SJB, o cientista político Hamilton Garcia, também professor da Uenf, não eximiu de culpa o eleitor: “A população paga o preço de seu vício por ‘benefícios’ e falta de espírito público; neste quesito, o sanjoanense não pode simplesmente apontar o dedo para a prefeita sem assumir sua parcela de culpa”.

Hamilton, Arthur e Alcimar, assim como Cristiano Sampaio, advogado com especialidade em Direito Público e presidente do tradicional Grussaí Praia Clube, analisaram em seus muitos aspectos o primeiro ano do quarto governo Carla Machado (PP). Talvez o mais criticado dos 17 anos de domínio do movimento conhecido como “carlismo” em SJB. Onde a grande arrecadação do município — proporcionalmente, 3,6 maior que a de Campos — não se traduz na oferta de serviços e geração de empregos à população. Na nota de 0 a 10 para o governo pedida aos quatro especialistas, Alcimar preferiu deixar a avaliação aos sanjoanenses. Já entre as dadas por Arthur, Cristiano e Hamilton, a média de Carla foi uma nota 4. Se será sufuciente para passar, e ultrapassar os 20 anos do carlismo no poder, só as urnas de 2024 dirão. Baseado no passado e no presente, Cristiano, no entanto, apostou: “Creio que o carlismo se esgotou”.

 

Sâo João da Barra na análise do economista Alcimar Chagas, do eco historiador Arthur Soffiati, do adogado Cristiano Sampaio e do cientista político Hamilton Garcia (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha da Manhã – Como vê o recorde de arrecadação de São João da Barra em 2021, com receita orçamentária realizada de R$ 464,3 milhões nos 10 primeiros meses do ano, contrastando com má qualidade dos serviços públicos oferecidos pelo município?

Alcimar Chagas – Primeiro dizer que o aumento das receitas não é mérito dos gestores. O Imposto Sobre Serviços (ISS) proveniente do Porto do Açu, sem fiscalização, contribuiu com 19,6%. E as rendas petrolíferas contribuíram com 33,5% do total arrecadado. Podemos considerar que o ambiente favorável, com operações portuárias, preço elevado do petróleo e dólar valorizado, potencializou uma arrecadação que o poder público não sabe como gastar com êxito. Notamos a ausência de quadros técnicos capazes para formular e implementar políticas públicas de longo prazo, assim como, para planejar e operar serviços públicos de qualidade para a coletividade.

Arthur Soffiati – A meu ver, a Prefeitura tem uma excelente estrutura para arrecadar e uma deficiente capacidade de retornar recursos públicos para o contribuinte na forma de serviços essenciais, como educação, saúde, saneamento na parte que cabe ao município, transporte interdistrital, cultura, lazer e outros deveres do poder público. Ou o desejo inconfesso de não retornar o dinheiro do contribuinte na forma de bens serviços.

Cristiano Sampaio – Penso que SJB segue a mesma prática de Campos, se comparado a um passado não muito distante. No governo Arnaldo Vianna (PDT) ocorreu uma arrecadação esplêndida em razão das receitas da exploração do petróleo. A SJB de hoje representa um modelo idêntico a essa Campos de ontem. Receitas fartas, porém, não direcionadas para o que de fato fará o município grande para os próximos anos. Rios de dinheiro escoados para um transporte público gratuito. Ação puramente populista e já fracassada na região.

Hamilton Garcia – São fenômenos que se devem aos ciclos eleitorais e ao modo como se obtém sucesso com a maioria do eleitorado: geralmente acumulando recursos para serem ofertados em prendas e prebendas às vésperas das eleições. É uma receita que Carla Machado conhece e tem praticado com muita competência em sua vitoriosa carreira. Naturalmente, em desproveito da cidade.

 

Folha – Saúde, educação, administração e gestão ambiental concentraram 83% das despesas liquidadas de SJB, enquanto apenas 0,13% foram gastos em investimento. O município poupou quase 40% das receitas realizadas, enquanto metade da sua população não tem água tratada e saneamento básico. A educação tem avaliação inferior a municípios do Noroeste Fluminense e a saúde é socorrida por Campos em todas as demandas de alta complexidade. Se dinheiro não falta, o que explica esse estado de coisas?

Alcimar – Isso confirma a negação do planejamento municipal. Os gestores gastam mal e de forma concentrada parte importante dos recursos em custeio. E ignoram a necessidade de investimento em projetos de longo prazo. Preferem os superávits elevados. Os gastos concentrados na saúde não protegem os que mais precisam, os gastos em educação não inibem o comprometimento profissional dos jovens e crianças e os gastos em gestão ambiental não inibem os esgotamentos a céu aberto.  Outras funções importantes como agricultura e ciência e tecnologia não tem qualquer importância no orçamento.

Arthur – Sem dúvida, existe uma disparidade entre a receita e a despesa. Vejamos a gestão ambiental. São João da Barra solicitou ao Inea que levantasse pontos merecedores de proteção no município. Eu mesmo fui contactado pelo Inea no sentido de colaborar. Nada aconteceu. O município pretende agora criar uma Área de Proteção Ambiental (APA) para a parte norte da Lagoa Salgada, quando o correto seria integrar a lagoa toda no Parque do Açu. Sei como isso funciona: sanciona-se um diploma legal e nada mais se faz. Não parece que saúde e educação estejam sendo devidamente atendidas. Parece que o dinheiro arrecadado está sendo guardado para o momento eleitoral.

Cristiano – Para além da óbvia preocupação com a falta de investimentos, o que por si só representa a total ausência de um projeto para o futuro de SJB, o que é incompreensível como um município com uma crescente arrecadação, mesmo diante de uma pandemia, com desembolso significativo de valores, tem resultados pífios na educação, bem como, a evidente falta de estrutura da rede de saúde.

Hamilton – De novo, o sucesso eleitoral, que significa a aprovação tácita da população a este tipo de governo. O paradoxo se resolve na percepção egoísta da maioria, que anseia benefícios para si, sem pensar na cidade, imaginando que possa progredir independente dela, sem perceber que o progresso da cidade abre novos horizontes para todos, sobretudo para as gerações em formação.

 

Folha – Promessas de obras de infraestrutura para o Porto do Açu, como um novo acesso rodoviário estadual, passando por fora da cidade de Campos, mais a federal da EF 118, dão a dimensão do impacto desse empreendimento na região. Que, no entanto, absorve muito pouco da mão de obra sanjoanense. Caberia ao município investir na qualificação profissional da sua população economicamente ativa? Por que isso não foi feito?

Alcimar – São quase 50 anos da Bacia de Campos e 15 anos do porto do Açu com muitos discursos sobre emprego e desenvolvimento. Os resultados estão aí! Na verdade, o município não se insere no fornecimento de mão-de-obra e insumos. O conceito de “capacidade de absorção” explica essa situação. É necessário planejar habilidades e negócios inovativos de acordo com os grandes investimentos que chegam. Como a sociedade não tem um padrão razoável de organização e o poder público é omisso e incompetente, as externalidades positivas fogem e somente as externalidades negativas são fixadas localmente.

Arthur – O complexo do Açu não emprega mão-de-obra de sanjoanenses ou porque prescinde dela na medida em que dispõe da sua, já devidamente qualificada, ou porque não encontra, no município, mão-de-obra adequada. A Prefeitura poderia, sim, qualificar mão-de-obra para o Porto. Por que não isso não é feito? Creio tratar-se de uma pergunta a ser dirigida à prefeita. Talvez a auto-outorga do título de baronesa de São João da Barra tenha lhe bastado. Seja qual for a resposta, a verdade é que o município poderia contribuir muito na redução do desemprego em seu território.

Cristiano – Tenho a convicção que o empreendimento Porto do Açu é um polo de oportunidades regional. Deste modo, há que se ter uma coordenação do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Creio que a tão esperada Ponte da Integração, assim como a ferrovia para escoar a produção pelo Porto, são fundamentais para garantir uma logística de expansão. De fato, a qualificação das pessoas é pedra fundamental para o desenvolvimento de uma cidade, e assim sendo, a meu sentir, é dever que recai sobre o município qualificar os seus.

Hamilton – Tudo gira em torno de ganhar as eleições por meio de prendas e prebendas: esta é a dinâmica dos municípios empoderados em petróleo. Política pública é o programa acessório, também pensado em termos puramente eleitorais. É claro que formação profissional é um programa atraente em tese, mas se você pode obtiver renda com menor esforço, então ele vira uma bandeira mais retórica. Ademais, políticas públicas bem estruturadas dão um bocado de trabalho e o secretariado, nestes casos, costuma ser formado dentro de outro espírito.

 

Folha – Também em parceria com o Governo do Estado, foram anunciadas obras como a conclusão da entrada da cidade e a revitalização do Porto São Pedro. Da oposição, o deputado estadual Bruno Dauaire (PSC) tem feitos críticas à falta de investimentos de recursos do próprio município. Como você vê?

Alcimar – Realmente o esforço de investimento é extremamente baixo no município. De 2017 a 2020 o investimento médio foi de 1,28% ano sobre as receitas correntes realizadas. E, em 2021, foi ainda pior. Quanto à parceria com o estado, tenho lá minhas preocupações já que o munícipio tem dificuldades de formalizar projetos, o que é um elemento limitador. É bom lembrar que o TCE-RJ vai cobrar responsabilidade no uso dos recursos do estado transferidos para municípios, ainda mais que as eleições estão na porta. Isso exige a formulação de projetos técnicos que justifiquem a alocação desses recursos para o bem-estar social da população.

Arthur – De fato, com a arrecadação do município, pelo menos o Porto São Pedro poderia e deveria ser revitalizado na medida da sua importância. A reclamação quanto à falta de investimento não parte apenas do deputado Bruno Dauaire, mas também de muitos munícipes. São João da Barra parece a caixa de Pandora da qual até a esperança fugiu.

Cristiano – Reconheço o trabalho do deputado Bruno Dauaire e ratifico suas críticas, até em razão da coerência que devo manter com minhas convicções. Muito embora as conquistas sejam importantes para SJB, na minha avaliação não têm a força para impactar em desenvolvimento a longo prazo. É certo que aos prefeitos ou prefeitas, os agentes políticos que estão não ponta, próximos aos problemas e soluções, têm que assumir devidamente o encargo de promover um crescimento sustentável.

Hamilton – O governo estadual parece disposto e empoderado para fazer investimentos com a mesma motivação imediatista e eleitoreira; portanto, temos a fome com a vontade de comer produzindo os mesmos resultados, entra eleição, sai eleição: o fortalecimento de oligarquias eleitorais às expensas do desenvolvimento da cidade, que se dá por iniciativas externas, quase sempre mal aproveitadas. Curioso é que a família Dauaire se mostrou virtualmente ausente em todo este período.

 

Folha – São João da Barra é um dos poucos municípios fluminenses que ainda não aderiu a nenhum dos grupos da venda de Cedae. Isso, aliado aos problemas já antigos de captação com o avanço da língua salina sobre o rio Paraíba, pode comprometer o abastecimento de água do município?

Alcimar – O abastecimento de água pela Cedae já é um problema há muito tempo no município. Tanto é verdade que o plano de governo da prefeita Carla Machado para 2017 a 2020 considerava a necessidade de conclusão das obras de saneamento em Atafona-sede e a do Telê Santana em Grussaí, que estão estavam e continuam abandonadas. Segundo estimativas dos mesmos governantes que estão no poder hoje, essas obras terminadas teriam a capacidade para atender 20 mil pessoas, o que nos permite concluir que hoje somente 1/3 da população é atendida dignamente com o abastecimento de água pela Cedae.

Arthur – Embora defensor do serviço público, que considero um dever do Estado, vejo que a questão do abastecimento de água em São João da Barra teria dois caminhos: municipalizar o abastecimento ou transferi-lo à iniciativa privada. Manter a captação em local atingido pela língua salina mostra o desinteresse em resolver o problema de imediato. A solução é transferi-la para local mais seguro. A Prefeitura deve exigir essa mudança, o que deve acontecer com outra empresa. De longa data, a Cedae vem se mostrando preguiçosa em resolver problemas.

Cristiano – De fato, é uma incógnita a inércia das administrações que se sucederam a frente do município de São João da Barra nas últimas duas décadas. Note-se que tal temática sequer é abordada como proposta de campanha. Vejo como uma criminosa omissão do município em não cobrar investimentos nessa área. A falta de alternativa quanto a uma nova fonte de captação de água corrobora a afirmativa da falta de investimentos. A língua salina é um fenômeno recorrente, ou seja, não é razoável postergar uma solução.

Hamilton – Até poucos anos atrás a PMSJB sequer tinha contrato com a Cedae e quem conhece seus procedimentos afirma que o tratamento da água é bem precário. O fato é que boa parte da população não confia na qualidade do fornecimento e se tornou consumidora de água de galão faz alguns anos. O curioso é que este não é um tema eleitoral; a água ainda foi objeto de certa reclamação nos momentos de maior escassez, no verão, mas sem comprometer a força eleitoral de Carla Machado.

 

Página 2 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Folha – O avanço da língua salina é um dos efeitos do avanço do mar sobre o litoral sanjoanense, que já levou muitas casas e ruas de Atafona. Parece consenso que o processo se agravou a partir da construção da Barragem de Santa Cecília, em 1951, que desvia 2/3 da vazão do Paraíba para atender ao Grande Rio no Sistema Guandu. E, nestes últimos 70 anos, nada foi feito. Como se explica essa passividade?

Alcimar – Segundo especialistas a construção da barragem tem papel preponderante no processo de enfraquecimento do rio Paraíba. Nesse caso vejo que a busca de solução para os problemas decorrentes extrapola os limites da política municipal. Porém a responsabilidade continua nas mãos dos governantes que precisam reunir habilidades e competências necessárias para sensibilizar as esferas estaduais e federais sobre os problemas de dimensões substantivas. Ao contrário, o que se observa é uma total passividade desses governantes que preferem “jogar para a galera” com visitas a Brasília visando a autopromoção, sem nenhum efeito real.

Arthur – A Prefeitura tem usado o argumento de que a praia artificial proposta por um setor da população, a exemplo do que foi feito em Marataízes, apresenta alto custo para o município. Sendo verdade, cabe trazer à tona, mais uma vez, que o geógrafo Eduardo Bulhões, da UFF, apresentou uma solução muito mais barata, que consiste em criar uma praia artificial usando apenas areia. Essa praia seria reconstituída periodicamente. A Prefeitura também não se movimentou em relação a essa proposta mais barata e viável para ela. Parece que a falta de resposta mostra o desinteresse por uma solução, qualquer que seja ela.

Cristiano – Em verdade existem estudos sobre o avanço do mar no pontal de Atafona, sendo que uma corrente aponta que a instalação da barragem do Sistema Guandu é a causa desse mal. Recentemente tivemos conhecimento de estudo que avalia o fenômeno do aquecimento global, como uma causa a mais do problema. A solução do rio Paraíba passa necessariamente por uma articulação política em nível nacional. Porém, como quem mais sofre é São João da Barra, cabe ao município provocar tal debate.

Hamilton – Primeiro pela fragilidade do próprio Estado do Rio de Janeiro à época que a cidade do Rio era a capital do país e depois se tornou o Estado da Guanabara. Depois, pelo fato de que a cidade se esvaziou econômica e politicamente, limitando seu poder de pressão. Mas nada é mais significativo do que sua própria incapacidade de auto-organização em defesa própria: mesmo parcialmente revertido o esvaziamento econômico, com a implantação do Porto do Açu, a questão da proteção de sua costa restaria marginal na política local, embora alguma reação tenha se esboçado nos últimos anos.

 

Folha – Com a perda de força de oposição do rio ao mar, desde outubro de 2019 a foz do Paraíba fechou entre Atafona e a antiga ilha da Convivência. E o mar continua avançando, com a ressaca de novembro deste ano ameaçando cerca de 20 casas da rua Beira-Mar, no que restou do antigo Pontal, além do fim da avenida Nossa Senhora da Penha. O governo Carla respondeu com paliativo de auxílio de R$ 1,2 mil para as famílias atingidas e promessa de casas populares. Isso não é enxugar gelo?

Alcimar – Sim, são ações paliativas para acalmar momentaneamente as pessoas atingidas que vão acabar ampliando o grupo dos desprotegidos posteriormente. A velha prática da política populista, cuja estratégia é fugir da solução definitiva dos problemas para criar “facilidades” imediatas que não se sustentam. Assim esses políticos vão ampliando os grupos dos desalentados, aqueles indivíduos sem as condições básicas e fundamentais de sobrevivência. Um verdadeiro exército de dependentes em total condição de subordinação aos grupos de poder. É dessa forma que essas figuras se perpetuam na política.

Arthur – O auxílio financeiro é enxugar gelo até que ele seque. Já a transferência de pessoas que perderam suas casas para lugar mais seguro com uma política habitacional responsável seria o adequado. Uma política responsável consiste em dialogar com os afetados, encontrar área segura para construção de casas e desenvolver novos bairros. Nada parecido com o programa Morar Feliz, de Campos. Mas tudo indica que nada será feito em termos de política habitacional responsável por parte da Prefeitura.

Cristiano – Não vejo como assistencialismo ou enxugar gelo. Se há pessoas desabrigadas ou desalojadas, cabe ao município de São João da Barra amparar essas famílias. Mas não com promessas e, sim, com ações emergenciais. Esse problema já vem de longa data, esse tema já deveria constar do plano de governo. Contudo, estamos tratando os sintomas e não a causa. O rio Paraíba, como corta três estados da federação é de competência privativa da União, ou seja, demanda um projeto a nível nacional.

Hamilton – É o que se tem feito para remediar a omissão de todos estes anos e a perda da oportunidade com a instalação do Porto do Açu e suas condicionantes ambientais, além da disponibilidade de materiais de contenção marítima que foram utilizados na construção dos píer e embarcadouros do próprio Porto. Enfim, uma janela excepcional, que contava com a participação do Estado e da União inclusive.

 

Folha – Além da nítida impressão de que lavou as mãos na questão do avanço do mar, o governo Carla tem sido muito criticado, até pelos sete vereadores da sua base em uma Câmara com nove cadeiras, pelos buracos espalhados em todas as ruas do município, além da péssima conservação da iluminação pública. Política popular, a prefeita tem este seu quarto mandato bastante criticado pela população. Como você analisa?

Alcimar – Vejo que esse grupo politico fez muito mal à população de São João da Barra. Usou a estratégia populista a que me referi anteriormente e foi jogando os problemas para frente. A incompetência técnica, enquanto se busca de materializar um projeto de poder, fez com que os mesmos se perpetuassem como governantes por um longo tempo. E acabaram atingindo um desgaste natural que é da natureza desse formato de governo. Neste processo, o conhecimento cientifico foi ignorado. E as ações de governo beneficiaram grupos de interesse financiadores de campanhas que acumulam riqueza em detrimento do conjunto da população.

Arthur – Quatro mandatos é tempo mais que suficiente para um prefeito mostrar a que veio. Se a Câmara Municipal e os cidadãos criticam a prefeita no seu quarto mandato, alguma coisa está errada. É de se perguntar como a prefeita tem sido reconduzida ao cargo tantas vezes. Até mesmo explicações recorrendo ao aquecimento global e à elevação do nível do mar, ela poderia usar. Mas nem a isso se dá ao trabalho. Quanto à conservação das vias e da iluminação públicas, trata-se de algo elementar que poderia ser verificado por uma pequena equipe de funcionários que percorresse a cidade periodicamente para ouvir as queixas dos munícipes e atendê-los.

Cristiano – Creio que antes de avançar na resposta, é importante uma reflexão. Se a prefeita Carla Machado logrou ser eleita para quatro mandatos, ela só alcançou tal feito através do voto do cidadão sanjoanense. De fato, o município aparenta um abandono na área de infraestrutura, porém, tal carência decorre do próprio orçamento, quando se verifica uma dotação orçamentária pífia em investimentos. Temos então a realidade de que os recursos existem. Mas há carência de vontade política ou competência.

Hamilton – A população paga o preço de seu vício por “benefícios” e falta de espírito público; neste quesito, o sanjoanense não pode simplesmente apontar o dedo para a prefeita sem assumir sua parcela de culpa, ao incentivar esse tipo de comportamento político eleitoreiro em reiteradas eleições.

 

Folha – O debate à sucessão de 2024 já começou em SJB. Nomes de oposição, como o deputado Bruno e o empresário Márcio Nogueira (PDT), segundo colocado na eleição a prefeito de 2020, são ventilados. Entre os governistas, o nome da vice-prefeita Carla Caputi (DC), apesar da inexperiência eleitoral, surge com força. Como projeta esse tabuleiro? E, se Carla conseguir emplacar sua vice e xará, ou outro aliado a prefeito, como não terminar como foi com Neco (MDB), que ela elegeu para depois romper?

Alcimar – Esse grupo político ainda exerce um forte poder sobre parte importante da população. A grande dependência financeira das famílias e de grupos acomodados, que não conseguem viver de forma independente, continua alimentando esse processo. Por mais que núcleos com independência se movimentem no sentido de mostrar o quanto esse governo é perverso para a população, somente o tempo vai indicar as reais possibilidades para o próximo pleito. Particularmente entendo que políticos de carreira não mudarão o rumo do municipio. Acredito em novas forças sem vícios e com comprometimento efetivo com as transformações.

Arthur – Trata-se agora de uma questão que cabe aos eleitores. Cada presente tem futuros prováveis. Existe um passado próximo que deve ser levado em conta. Não se pede à população que recorde de gestores do século XVIII, mas que estão no poder há muito tempo num passado recente. Já se conhece essa história. Ela pode se repetir, não na forma de comédia, mas de tragédia mesmo. A Carla xará ou outro candidato apoiado pela atual prefeita corre o risco de desgaste.

Cristiano – Constato que de fato as articulações para a eleição de 2024 já movimentam o tabuleiro político, entendendo que isso deriva da inevitável impossibilidade de Carla Machado em concorrer a um novo mandato. Todavia, vejo como muito precipitado tal movimento. Percebo que a um nome não elencado acima merece atenção. Trata-se de Elísio Rodrigues (PL), presidente do Legislativo sanjoanense. Inclusive, em manifestações públicas, ele coloca seu nome à disposição para concorrer em 2024.

Hamilton – Tudo indica que a fidelidade dos sanjoanenses a Carla pode ser renovada às vésperas das eleições, com o festival de empreguismo e benefícios de sempre. Mas pode acontecer também que isto se dê apenas de modo parcial, por exemplo, sem contemplar sua candidata à Prefeitura, caso esta não seja capaz de infundir o mesmo sentimento de cumplicidade que Carla tão bem soube construir em sua vitoriosa carreira.

 

Folha – Política e gestora experiente, Carla quase sempre se marcou como prefeita por segurar despesas nos dois primeiros anos, para acelerar o ritmo governo nos dois últimos anos. Essa pode ser a explicação para a atual má fase da sua gestão?

Alcimar – Acredito que a população está mais bem informada e a pressão dos grupos independentes tem se mostrado mais presente. Com as redes socias mais democratizadas não dá para esconder nada. Nesse aspecto, as críticas têm se espraiado mais velozmente e análises mais confiáveis têm chegado às pessoas que antes ficam somente com os agrumemos dos gestores. Até mesmo o Legislativo dependia das informações cedidas pelo Executivo, que muitas vezes se negava a passá-las. Hoje, os instrumentos de transparência facilitaram o acesso à informação e, consequentemente, o acesso às arbitrariedades praticadas pelos gestores.

Arthur – Pode, e deve ser isso. Ela não é marinheira de primeira viagem. O que cabe discutir é se esse tipo de política não é usar os eleitores. O eleitor é responsável por esse tipo de política. Vale a pena passar por dificuldades durante dois anos para viver com certo conforto durante os outros dois? Cabe continuar nessa política antiga de brincar de gangorra? Dirijo as perguntas não apenas aos eleitores, mas à prefeita e aos candidatos.

Cristiano – Creio que essa dinâmica adotada por ocupantes de cargo do executivo, investindo pouco na primeira metade do mandato, com uma aceleração na metade final, é uma prática comum na política brasileira. Talvez isso se dê em razão do senso comum que o eleitor tem memória curta. Outro ingrediente apto a explicar esse marasmo, digamos assim, deve-se ao esgotamento de uma forma de administrar a coisa pública, calcado em um modelo já ultrapassando de fazer política, fundando no clientelismo e no populismo.

Hamilton – Tem sido uma fórmula de sucesso e, não obstante o desgaste verificado, pode tranquilamente continuar sendo, com a ressalva já apontada e até mesmo com uma improvável guinada radical do eleitorado, a depender do poder de mobilização e convencimento de quem a queira substituir no próximo pleito municipal.

 

Folha – De 0 a 10, que nota daria ao primeiro ano do quarto governo Carla Machado? Por quê? E, contando os três mandatos e um ano da prefeita, mais o criticado governo Neco, que saldo você faz de São João da Barra após 17 anos do carlismo? Em sua visão, em que o município avançou, no que estagnou e no que regrediu? Por quê?

Alcimar – Temos um município gerido há quase 20 anos por um grupo político que se beneficiou do “boom” das rendas petrolíferas na primeira década e da chegada do porto do Açu com investimentos de mais de R$ 15 bilhões. Como resultado esses mesmos gestores não conseguiram eliminar gargalos como a falta de água potável para 2/3 da população, a ausência de 55% de esgotamento sanitário, a limitação de renda de 38% da população que vivem com até 1/2 salário-mínimo, desemprego, aumento da miséria, segurança precária, baixo padrão de educação e de saúde pública. Que nota esses gestores merecem? Prefiro deixar para avaliação dos leitores!

Arthur – Difícil atribuir uma nota depois de 17 anos, mas exatamente por entender que uma pessoa que exerce o quarto mandato não é mais uma inexperiente, atribuo nota 3. Na verdade, essa nota oscila de 0 a 3 porque percebo claramente que o município regrediu, apesar de um grande empreendimento convencional atuar em seu território. O mar e o rio não são os principais inimigos da população, porque são forças irracionais. O grande inimigo de São João da Barra é o próprio poder público municipal.

Cristiano – Devo ser coerente com minha avaliação crítica do primeiro ano do mandato de Carla Machado. Deste modo, a meu sentir, a nota 4 representa fielmente o desempenho de sua administração. Justifico minha nota ao constatar que recursos têm, mas faltam projetos. Assim não vislumbro um futuro melhor, até em razão da falta de investimento em infraestrutura. Minha opinião é ácida, pois não vejo avanços. O “carlismo” nas sucessivas gestões foi mais do mesmo. Creio que o “carlismo” se esgotou.

Hamilton – Daria 5, pois o avanço visto na cidade foi mais vegetativo, pelo impacto do crescimento verificado em Campos e a externalidade do Açu, do que fruto de uma estratégia posta em prática por suas lideranças políticas. Macaé inaugurou, este ano, um movimento que projeta o município para 2030, buscando reunir gestores, pesquisadores e a sociedade, para elaborar estratégias de crescimento sustentável, inclusive incorporando o momento pós-petróleo: não se vê nada parecido com isso em SJB, infelizmente.

 

Página 3 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

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Este post tem um comentário

  1. Edilberto

    Sou morador e veranistas de Grussai desde os 12 anos de idade hoje tenho 62 e, adoro Grussai mas ia anos vão se passando e pouca coisa foi feita, para quem depende de alguma forma de fanho da prefeitura de São João da Barra, não gosta de falar no assunto que a prefeitura faz pouco com o que arrecada, acho que faz pouco, não vou criticar, pois se fosse enumerar seria uma lista de reinvindicação, saneamento básico, água potável , e inúmeras coisas. Na orla que vai de Grussai até o Balneário o calçadão seria uma opção para lazer do turismo como tudo iluminado onde o veranistas teria opção para o futebol de areia, as pessoas poderiam pessear com a família pela orla e mesmo as caminhadas a noite. Mas finalizando, mesmo de tantas dificuldade adoro a praia de Grussai.

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