George Gomes Coutinho — A paz e seus descontentes

 

“Guernica”, óleo sobre tela de 1937 sobre a Guerra Civil Espanhola (1936/1939), de Pablo Picasso

 

Geroge Gomes Coutinho, cientista político, sociólogo e professor da UFF-Campos

A paz e seus descontentes

Por George Gomes Coutinho

 

Não se deve esperar de um humanista qualquer apoio à guerra enquanto resposta para crises ou disputas. Já disse Georg Lukács (1885-1971) em contexto bélico: “quanto melhor, pior”. Ou seja, batalhas vitoriosas, de qualquer dos lados, não se dão sem morticínio. Falo evidentemente do contexto ucraniano em andamento. Mas, o mesmo se aplica a todos os outros conflitos armados em paralelo no mundo, de guerras civis a violações de um Estado-Nacional por outro. Chocante mesmo é que estes tantos conflitos simultâneos fora da Europa prossigam sendo quase que ignorados e não contem com a mesma comoção. Não é mera conjectura afirmar neste contexto que, para parcela relevante da população mundial, determinadas vidas valem mais do que outras. Lastimável e moralmente repugnante.

Retomando, penso que a primeira providência, diante de conflito armado, é lutar desesperadamente para restaurar a solução pela palavra e salvar vidas civis e militares. Portanto, defendo que nossos melhores esforços devem estar no apoio irrestrito ao encaminhamento de um desfecho negociado pela diplomacia profissional ou qualquer outra. Para agora, para já! Não creio que seja defensável moralmente ou politicamente qualquer outro encaminhamento. A questão é que o que julgo ser a única posição humanista possível parece não seduzir parte da opinião pública em Europa, EUA e até mesmo em nosso quintal.

Daqui por diante irei problematizar uma das respostas cognitivas ao conflito, um ponto de partida do entendimento humano facilmente sequestrado por interesses ideológicos ou econômicos. Falo da simplificação quase pré-reflexiva produtora de maniqueísmo. O problema é que terem parado preguiçosamente no ponto de partida cognitivo torna a defesa da paz na opinião pública uma causa difícil. Mas, antes eu gostaria de convidar o(a) leitor(a) a um exercício de imaginação.

Imagine uma praça onde há muitos e diferentes jogos sendo jogados ao mesmo tempo. Há a mesinha do pessoal do jogo de damas. Há outra com os concentrados num dominó. Mais adiante há o pessoal do carteado. Seria estúpido avaliar a performance dos jogadores de damas utilizando as regras de buraco. Ou incorporar os traquejos e jogadas ensaiadas do enxadrista ao participar de uma partida de gamão.

Nesta nossa praça lúdica imaginada vamos acrescentar um elemento fantástico: imagine que os resultados das mesas, dos jogos independentes, tenham potencial de produzir mudanças de impacto na praça, nos jogadores e na dinâmica dos próprios jogos. Mudanças não esperadas inclusive. Sem falar das consequências não desejadas.

De alguma maneira, e guardadas as devidas proporções, o mesmo procede no contexto da guerra no leste da Europa. Há níveis regionais, nacionais e transnacionais de interação entre os agentes. Há entes que são grupelhos atuantes e barulhentos. Também encontramos atores de grande porte, a indústria armamentista e instituições multilaterais robustas. Temos elementos geopolíticos, econômicos e ideológicos que incrementam em complexidade as interações e os processos de tomada de decisão.

É um secos e molhados sangrento do sistema internacional. Tem de tudo. Só não há factualmente anjos e demônios nitidamente identificáveis por quaisquer critérios que queiramos utilizar

Resumidamente o contexto implica o crime de invasão de um país soberano por outro, erros grosseiros de caráter geopolítico da Comunidade Europeia, a proximidade com as eleições de meio de mandato (mid term elections) nos EUA, a imprudência de uma Otan de existência indefensável, etc, etc, etc.. As variáveis são tantas, tão variadas e com tantos níveis de densidade, que é simplesmente incompreensível o alinhamento automático a qualquer dos lados. Quem dizer, incompreensível a todos que não tenham ganhos assegurados e interesses contemplados diretamente com a derrota ou destruição de um ou mais dos envolvidos no conflito.

O risco da excessiva simplificação, que não considera a complexidade de uma realidade organizada em diferentes níveis de interação, redunda nas aberrações que estamos vendo na grande mídia e nas redes sociais. Ocorre o esdrúxulo, vide os cancelamentos do estrogonofe ou de Dostoievski. Mas, temos muito mais. O consumo acrítico das informações disseminadas por agentes com interesses claros no tabuleiro da guerra, a narrativa desumanizante e o adesismo quase que por imitação, produzem o ambiente da opinião pública refratária a discussões e pressões em prol da paz.

A tragédia do momento é infinitamente mais manejável pela ação humana do que a pandemia e precisaria da colaboração dos tomadores de decisão direta ou indiretamente envolvidos. Estes, por seu turno, são sensíveis aos outros Estados-Nacionais, organismos multilaterais e, claro, aos diferentes níveis possíveis de atuação da sociedade civil em escala regional, nacional e transnacional. Neste cenário, uma opinião pública que clama pela paz é uma grande arma de dissuasão em cenário de guerra. Mas, a paz sempre teve seus descontentes, tal como agora.

Infelizmente o que a humanidade tem conseguido produzir de paz perpétua, como assinalou em triste ironia o maior filósofo de Königsberg, é ainda a paz dos cemitérios.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Atafona perde Monica Paes, de musa a defensora dos animais

 

Grandes amigos e referências que Atafona perdeu recentemente, Monica Paes e Ronaldo Cravo, no saudoso bar deste, o “Não Me Viu” (Foto: Facebook)

 

De férias em Atafona, deixei de acompanhar o noticiário local. Ontem, após uma tarde de peixe e cerveja na ilha da Convivência, dormi cedo. Só no início da manhã de hoje, ao acordar, fui ver no WhatsApp o aviso do meu filho, o jornalista Ícaro Barbosa, da morte ontem (24) de Monica Paes. Que confirmei na sequência com o jornalista atafonense Arnaldo Neto. Aos 58 anos, ela foi encontrada em sua casa já sem vida, vítima provavelmente de um infarto. Seu corpo foi velado na capela em frente ao cemitério São João Batista, em São João da Barra, onde foi enterrado na manhã de hoje. Monica deixa a mãe, dois filhos e três netos.

Adolescente nos anos 1980, já conhecia Monica de fama, como uma das mulheres mais belas da região. Foi musa nos desfiles de carnaval sanjoanense na escola de samba O Chinês e da Turma do Brim, descoberta aos desfiles e passarelas pelo saudoso colunista José Carlos Pereira Campos, o Caquinho, à época no extinto jornal A Notícia, antes de migrar à Folha da Manhã. Monica sempre falava com um orgulho danado desses tempos em que era figurinha carimbada da redação de A Notícia, comandada pelo saudoso jornalista Dr. Hervé Salgado — mestre, entre outros, do meu pai, o jornalista Aluysio Cardoso Barbosa.

Meu contato pessoal com Monica não se deu em redações, mas por conta de outra paixão comum, no início dos anos 1990. Foi quando passei num concurso público para a Uenf, saí da casa dos meus pais e passei a residir em uma Atafona pré-Porto do Açu, de aluguéis mais baratos que Campos, pelo menos fora do verão. Desde que me entendo por gente, desejava ter um cão, mas minha mãe, Diva Abreu, tem cinofobia, o medo irracional de cachorros. Como precisava de um para tomar conta da casa enquanto estava na Uenf, comprei ainda filhote um rottweiler, raça destinada à guarda. Que batizei de Rommel e com quem, seguramente, construí a relação de maior cumplicidade que tive ou terei com qualquer outro ser vivo.

Quando não estava na Uenf, passeava com Rommel por Atafona. Atraída pela beleza e imponência física do cão, assim como pela relação baseada apenas no olhar que eu mantinha com ele, Monica, também apaixonada por cachorros, se aproximou de mim no convívio atafonense. Muito simpática, articulada e boa gente, embora intransigente na defesa dos direitos dos animais, construímos ao longo desses últimos 30 anos uma relação de amizade. Nestas três décadas, que eu me lembre, nunca marcamos de nos encontrar. Mas perdi as contas de quantas vezes esbarramos num boteco ou na Festa da Penha, do profano ao sagrado, sempre comungando um papo e umas cervejas.

Lendo hoje postagem de Arnaldo sobre a morte de Monica, onde ele também transcreveu o testemunho dos tempos dela em A Notícia pela jornalista Silvinha Salgado, filha de Dr. Hervé, me veio uma analogia que nunca tinha antes me ocorrido. Marcada na juventude por sua beleza física e na idade madura pelo ativismo na defesa dos animais, não é incorreto afirmar que Monica Paes foi a nossa Brigitte Bardot, estrela do cinema francês nos anos 1950 e 1960. Com uma diferença básica, enquanto Bardot se notabilizaria como a musa de Búzios, que descobriu para o mundo em 1964, Monica foi a musa de Atafona. Praia a praia, ganhou de longe na comparação com a francesa. E quem discordar, por favor, não passe de Grussaí.

Disse acima que, nos últimos 30 anos, Monica e eu sempre nos encontramos em Atafona, sem nunca marcar. O que, percebo também só agora, não é integralmente verdade. Na última sexta (18), ela me mandou por WhatsApp o anúncio de um luau à beira-mar, no final à esquerda da rua dupla da antiga Caixa d’Água, no Erosão Bar, de outra amiga comum, a Inês Vidipó. Que foi minha professora de educação física no meu último ano de curso primário na Escola Santo Antônio, em 1982.

Quarenta anos depois, a última sexta teve noite de lua cheia, que eu já havia combinado com meu afilhado, Aquiles, passando o final de semana comigo em Atafona, de ver nascer na praia. Cumprimos o acordado e depois fomos caminhando pela noite, à beira do mar prateado, até o luau. Ironicamente, na única vez em que marcamos antes, encontrei Monica pela última vez.

Sempre sorridente e falante, tivemos nossa comunhão derradeira de papo e cerveja. Ela me contou com orgulho de um vira-latas preto abandonado que tinha encaminhado à adoção pela Inês, que passeava feliz pelo bar. Como tinha que acordar bem cedo na manhã seguinte, para agir uma caranguejada na minha casa no sábado, me demorei pouco, apesar do clima agradabilíssimo do luau.

E me despedi de Monica diante das ruínas da antiga Caixa d’Água e do Atlântico, à margem direita da foz do Paraíba do Sul, sob a lua cheia.

 

Em prosa e verso, morte de Papete fecha mais um verão

 

No domingo (20), último dia do verão, soube por meio de uma amiga comum que Dorinha Vianna, referência em Campos como bailarina, havia perdido seu pai, o comerciário aposentado Ivan Ribeiro Vianna. Ele morreu no sábado aos 87 anos, na UTI do Pronto Cardio, vítima de um câncer de próstata, contra o qual lutava há dois anos. Foi sepultado às 13h30 do domingo, no Campo da Paz. Viúvo desde 2010, deixa filha e neto únicos.

Tentei ligar a Dorinha ainda no domingo. Sem sucesso, enviei um áudio para prestar solidariedade. A de quem perdeu seu próprio pai há quase 10 anos e sabe de antemão que nada dito pode preencher o buraco enxadado no peito. Ela me respondeu com outro áudio na segunda, emocionado e emocionante, falando de como o pai sempre a incentivou em sua vida e carreira.

Como o final de semana na minha casa, na Atafona de lua cheia, foi movimentado para receber minha própria família, fui ouvir o áudio de Dorinha só no cair da tarde de segunda. Já com a casa vazia, saí de carro para observar a chuva que caía forte na praia. Uma a um, percorri os mirantes ao final das ruas transversais ao oceano interrompidas em barrancos pela erosão marinha.

Ouvi Dorinha falando do pai, enquanto observava as ondas revoltas da maré alta açoitando os barrancos. Diante do mar tingido de verde pelo vento sudoeste, de chuva, brigando contra o castanho do rio Paraíba e do vento nordeste, do sol vencido, mas ainda em luta contra a virada do tempo. Que era anunciada há mais de uma semana em Atafona pela presença das fragatas, chamadas pelos pescadores de tesoura, por conta dos seus rabos bifurcados.

De frente ao Atlântico, sob chuva torrencial, olhei por cima do meu ombro à direita e vi que também chovia pesado em Campos. Virei a cabeça no sentido oposto e percebi que as nuvens negras, em interseção momentânea entre céu e terra, iam até a serra do Imbé, fazendo fundos com Gargaú, do outro lado do Paraíba. Parte da Serra do Mar, soube depois que o efeito seria novamente pior ao sul, em Petrópolis, onde mais cinco vidas foram perdidas.

Em solidariedade à dor de uma amiga de tantos verões, inclusive o que tinha virado memória, e em respeito ao ciclo inexorável da natureza, agravado pela ação humana, vieram versos. Mas não sem antes deitar a prosa de Dorinha sobre seu pai, que chamava sempre pelo apelido carinhoso de “Papete”:

 

“Meu pai era comerciário. Trabalhou na sapataria A Social, onde era gerente. Começou a trabalhar na loja aos 16 anos. Entendia tudo de sapatos e chapéus! A loja era da nossa família. Saiu de lá aposentado. Sou filha única e Mariano, neto único. Era um m boêmio, mas nunca chegou atrasado no trabalho. E tinha orgulho disso! Ele abria a loja. Gostava de samba e carnaval. Ele e os amigos saíam no “Bloco Ninguém É de Ninguém”, que abria o carnaval de Campos na sexta-feira percorrendo o Boulevard e seguindo pela rua 7 de setembro. Muita história, muita história. Era de uma turma que gostava de viver a vida com intensidade”.

(Dorinha Vianna)

 

Ivan Ribeiro Vianna, o Papete, e Dorinha Vianna (Foto: Facebook)

 

 

pranto a papete

(a dorinha)

 

há oito dias de céu azul e sol a pino antes da chuva

fragatas anunciavam a virada do tempo em porvir

de atafona ao imbé, fundos de gargaú, e pela serra

sacrificou mais cinco vidas humanas em petrópolis

 

pensava nessas existências cortadas, menos íntimas

que as fragatas e suas birutas bifurcadas no rabo

sob a chuva, dentro do carro, outro verão é memória

ao açoite da maré alta em lua prenhe de outono

 

ouvia no iphone áudio da filha em pranto a papete

na peleja entre verde e castanho das ondas revoltas

segunda-feira na rua encerrada em barranco remete

ucrânia e eleições brasileiras à espera na curva

 

atafona, 22/03/22

 

Igor Franco — A Ucrânia, a Rússia e o Ocidente

 

(Arte: Andy Marlette)

 

Igor Franco, especialista em finanças e professor da Fafic

A Ucrânia, a Rússia e o Ocidente

Por Igor Franco

 

Em 24 de fevereiro, sob o pretexto de “desnazificar a Ucrânia”, Vladimir Putin lançava as tropas russas contra o território do país vizinho. Vinte dias depois, a OMS reporta 43 ataques a hospitais. Dez civis na fila do pão em Chernihiv, uma cidade já tomada pelos russos, também foram “desnazificados”, alvejados por soldados russos à queima-roupa. Cidades inteiras, como Mariupol, vêm sendo “desnazificadas” pelas tropas russas que bombardeiam a esmo áreas residenciais, fatos amplamente documentados pela imprensa independente e livre que cobre a guerra em território ucraniano. Nesse momento, mais de cem crianças ucranianas foram assassinadas pelo exército russo.

O ataque a alvos civis não é um efeito colateral da guerra. A prática é característica marcante nas ações do exército russo e foi exercitada com maestria em intervenções militares anteriores na Síria e na Chechênia. Na Ucrânia, porém, a covardia russa ganha contornos ainda mais dramáticos: acossados por uma campanha militar até agora desastrosa em termos dos objetivos traçados, Putin e suas tropas tentam esticar a corda em busca de abalar a moral civil ucraniana, forçando a rendição do governo Zelensky, que seria pressionado a poupar vidas da sua população.

O diagnóstico mais factível dá conta da arrogância de Putin ao decidir pela guerra: embebido pelo sucesso da rápida tomada da Criméia em 2014 e por relatos de seus generais — que jamais ousariam contestar um líder acostumado a varrer opositores —, o presidente russo acreditou que poderia encerrar a questão em poucos dias. No plano original, exército russo rapidamente esmagaria qualquer reação militar de um exército fraco, pouco treinado e pouco numeroso, impondo temor às tropas remanescentes. Como consequência, o inexperiente governo ucraniano capitularia diante de uma pressão popular simpática aos invasores.

Na prática, as tropas russas foram surpreendidas por forças ucranianas muito mais treinadas desde que perderam o território da Criméia, mais bem equipadas com armas da Otan e um sentimento de defesa da pátria que sobrepõe em muito a moral dos soldados russos enviados ao campo de batalha sem uma boa justificativa de seus comandantes. Como consequência, as baixas de tropas militares, segundo relatórios de inteligência dos EUA, estão na casa dos milhares, além de centenas de equipamentos destruídos, como tanques, helicópteros e aviões militares.

Diante do atoleiro em que afundou suas tropas e na impossibilidade de apresentar aos seus cidadãos efeitos concretos da guerra — chamada pela propaganda russa de “operação militar especial” —, Putin dobra a aposta no autoritarismo e nas ameaças crescentes. Cada vez mais parecido com uma ditadura, o regime russo aprovou leis duras contra veículos de imprensa e civis que noticiem a guerra por qualquer outra ótica que não seja a narrativa oficial do Kremlin. Forjados na escola de desinformação soviética, que levou à perfeição a disseminação de mentiras como verdades oficiais, os burocratas russos responsáveis pela propaganda do governo já elencaram a Otan, supostas armas biológicas e nucleares e nazistas como culpados pelo conflito.

Hoje, é dado como certo que grande parte da população russa não tem ideia do que ocorre além das suas fronteiras, já que a parca liberdade de expressão e independência jornalística que resistia ao autoritarismo russo foram liquidadas desde o início da guerra. Em pronunciamento recente, o presidente russo ameaçou realizar expurgos de dissidentes e colaboradores que se aproveitassem das benesses de viver numa democracia livre, enquanto mantém seus negócios na Rússia.

Outro erro crasso do autocrata russo, aparentemente, se deu fora da estratégia de guerra. Amparado na experiência histórica do pouco engajamento ocidental após as ações militares na Geórgia em 2008 e a anexação da Criméia, Putin desenhou o cenário com um fraco e impopular Biden nos EUA e o recém-empossado Scholz na Alemanha incapazes de liderar uma ação mais enérgica contra a Rússia.

A aposta de Putin na fraqueza do Ocidente tinha sua razão de ser. A conhecida ordem liberal passa por uma grande contestação além das suas fronteiras. A emergência de potências autoritárias, notadamente a China, mas da qual faz parte a própria Rússia empoderada pelo farto fluxo de recursos financeiros de uma Europa carente de gás e petróleo, faz sombra à hegemonia americana – bastião das democracias liberais. O possível surgimento de uma alternativa ao modelo que foi disseminado entre os países desde o fim da 2ª Guerra e, posteriormente, após a Queda do Muro de Berlim, é entendido pelo Ocidente como uma ameaça à estabilidade mundial. No lugar do trinômio “democracia, liberdade civil e economia de mercado”, China e Rússia propõem autoritarismo e uma espécie de simbiose entre os interesses políticos e econômicos, mas que encontra amplo espaço de crescimento entre uma população numerosa, bem escolarizada e ávida por mais conforto – ainda que isso signifique menos liberdades civis.

Para dentro de suas fronteiras, temas como xenofobia, desigualdade e identitarismo assombram os líderes políticos e abalam as estruturas tradicionais da democracia, que parecem incapazes de responder às angústias e insatisfações de cidadãos já acostumados à liberdade e à bonança material como parte da paisagem. Nesse cenário, líderes populistas e anti-estabilishment encontram terreno fértil para prosperar. Sob a justificativa de retomarem os valores tradicionais desse sistema, apenas contribuem para torná-lo ainda mais frágil e fragmentado. Para Putin, provavelmente a invasão do Capitólio no ano passado era um sinal forte de quão fraco o Ocidente estava.

A resposta das nações, entretanto, foi a maior da história em muitos aspectos, desde o fim da Guerra Fria. Rapidamente, as mais graves sanções econômicas já impostas foram aplicadas à Rússia, tornando, na prática, o país um pária internacional, desconectado das principais cadeias produtivas e financeiras do mundo. Além disso, bilhões de dólares em armas foram doados à Ucrânia e vem sendo determinante para a contenção dos agressores. Porém, o aspecto mais relevante da reação ocidental foi a condenação quase unânime da agressão russa e a reafirmação de postulados básicos de respeito à soberania, democracia e direitos humanos barbaramente e injustificadamente atacados.

Diante do maior desafio da ordem estabelecida no Pós-Guerra, entre o “otimismo temerário e a ruína final”, nas palavras de Hannah Arendt, cujas reflexões sobre a ameaça do totalitarismo tornam-se novamente atuais após quase 80 anos, que o Ocidente possa reencontrar o equilíbrio nos valores que permitiram ao mundo gozar do maior período de paz e desenvolvimento jamais vistos na história humana.

A essa altura dos acontecimentos, o horror imposto pelas tropas russas à população ucraniana só encontra apoio e simpatia nos degenerados e descerebrados que subordinam todo e qualquer valor aos objetivos políticos de sua simpatia. Que importa a vida de milhares de pessoas quando está em jogo a derrocada dos valores liberais que tanto odiamos? Desses, nada se espera ou surpreende. Pessoas com o mínimo senso moral ou de compaixão já entenderam que, nessa guerra, o papel de agressor e vítima está perfeitamente definido. O lado certo e o errado poucas vezes foram tão explícitos.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Feres ganha prazo para definir se fica na Educação

 

Secretaria de Educação de Campos (Foto: Supcom)

 

Em reunião da sua equipe com o prefeito Wladimir Garotinho (PSD), há cerca de 15 dias, o secretário de Educação de Campos, professor Marcelo Feres, ganhou mais 90 dias a contar dali para definir sua continuidade na pasta. Em 15 de fevereiro, este blog anunciou que sua saída deveria se dar após a volta às aulas hoje na rede municipal.

Segundo a mesma fonte do alto escalão da Prefeitura, os problemas do secretário seriam relativos à desorganização em processos administrativos internos, inclusive algumas licitações. Mas, nos últimos 15 dias, após a reunião entre Feres e Wladimir, as coisas teriam passado a andar melhor. Foi estabelecido entre os dois um plano de metas, que o secretário se comprometeu a cumprir em 90 dias. Se não conseguir, ele mesmo pediria para sair.

Para a melhora, segundo a fonte da Prefeitura, teria contado também a exoneração de nomes na Educação indicados pelo vereador Maicon Cruz (PSC). Ele assinou um termo de compromisso pela reeleição do governista Fábio Ribeiro (PSD) a presidente da Câmara, mas votou no oposicionista Marquinho Bacellar (SD). Sem o pessoal de Maicon, Feres ganhou mais liberdade.

 

Versos gritados por uma barricada de livros em Kiev

 

Sei que prometi dar uma pausa no blog durante minhas férias. Mas volto excepcionalmente pela poesia parida no sofrimento do povo ucraniano, invadido pela poderosa Rússia do autocrata Vladimir Putin desde 24 de fevereiro último. Como escrevi em artigo publicado dois dias depois (26) e intitulado “Invasão da Rússia à Ucrânia — O mundo nunca mais será o mesmo”, os fatos geopolíticos do final dos anos 1980 até a invasão da Ucrânia neste início de 2022 revelam uma história sem santos.

Isso devidamente posto, vi no dia de hoje, em vários sites nacionais e internacionais, uma foto impactante em seus muitos significados. Na janela de um apartamento de Kiev, capital da Ucrânia, os civis que lá residem improvisaram barricadas nas janelas, temendo o bombardeamento russo, usando livros. Deles, os autores russos, soviéticos e ucranianos que pude ler durante a vida gritaram alto. Para que sejam ouvidos, sobretudo pelos novos especialistas em Rússia que nunca os leram, achei por bem ecoá-los em versos.

 

Barricada improvisada com livros, para se proteger do bombardeamento russo, em um apartamento civil de Kiev (Foto: Reprodução/Instagram/Lev Schevchenko)

 

barricada em kiev

(ou aos especialistas em rússia)

 

pequenos burgueses do teatro encarnado de gorki

os especialistas em rússia que não leram dostoiévski

morrerão sem sabê-la irmã karamasov da ucrânia

sob as pedras de caim no holodomor e chernobyl

guerra e paz de tolstói para correr com napoleão

tchuikov a sangrar hitler de stalingrado a berlim

 

nestes tempos de vladimir, não maiakóvski, o putin

a nuvem de calças é a fumaça dos mísseis sobre civis

sem braguilha, cessar-fogo ou corredor humanitário

contra humanidade ursa de quem ignora soljenítsin

resistem atrás de livros os que nos deram lispector

agudos e necessários como um estilete pros dentes

 

atafona, 06/03/22

 

Após entrevista hoje com Doria, pausa até o início de abril

 

 

A partir de hoje (04) o blog fará uma pausa. Assim, minha participação na boa entrevista do Folha no Ar de hoje, com o governador de São Paulo e presidenciável do PSDB, João Doria, foi minha última obrigação profissional até o regresso, daqui a 30 dias. Período no qual torcerei pelo fim da pandemia da Covid-19 e da invasão da Rússia na vizinha e ainda soberana Ucrânia.

Como há outros entrevistados de peso nacional e estadual em agendamento, pode até ser que, ainda neste mês de março, eu faça alguma participação especial numa manhã da Folha FM 98,3. O que, se vier a ocorrer, será previamente anunciado aqui. No mais, é isso, caro leitor. No início de abril, se Deus quiser, a gente se vê. Abraço fraterno e inté!

 

Guerra da Ucrânia e consequências no Folha no Ar desta 5ª

 

(Arte: Joseli Mathias)

 

Após o carnaval e a quarta-feira de cinzas, o Folha no Ar retorna a partir das 7h desta quinta (03), na Folha FM 98,3, com o tema do momento, a Guerra da Ucrânia, sob análise do historiador Arthur Soffiati e do economista Alcimar Ribeiro, professores, respectivamente, da UFF-Niterói e da Uenf. Eles falarão do conflito deflagrado na madrugada da última quinta (24), com a invasão da Rússia de Vladimir Putin ao país vizinho e independente da Ucrânia.

Alcimar e Arthur também analisarão as sanções econômicas do Ocidente à Rússia também no Brasil e no mundo. Por fim, os dois falarão sobre a possível influência do conflito entre os dois maiores países da Europa nas urnas brasileiras de outubro.

Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta quinta pode fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.