Sei que prometi dar uma pausa no blog durante minhas férias. Mas volto excepcionalmente pela poesia parida no sofrimento do povo ucraniano, invadido pela poderosa Rússia do autocrata Vladimir Putin desde 24 de fevereiro último. Como escrevi em artigo publicado dois dias depois (26) e intitulado “Invasão da Rússia à Ucrânia — O mundo nunca mais será o mesmo”, os fatos geopolíticos do final dos anos 1980 até a invasão da Ucrânia neste início de 2022 revelam uma história sem santos.
Isso devidamente posto, vi no dia de hoje, em vários sites nacionais e internacionais, uma foto impactante em seus muitos significados. Na janela de um apartamento de Kiev, capital da Ucrânia, os civis que lá residem improvisaram barricadas nas janelas, temendo o bombardeamento russo, usando livros. Deles, os autores russos, soviéticos e ucranianos que pude ler durante a vida gritaram alto. Para que sejam ouvidos, sobretudo pelos novos especialistas em Rússia que nunca os leram, achei por bem ecoá-los em versos.
barricada em kiev
(ou aos especialistas em rússia)
pequenos burgueses do teatro encarnado de gorki
os especialistas em rússia que não leram dostoiévski
morrerão sem sabê-la irmã karamasov da ucrânia
sob as pedras de caim no holodomor e chernobyl
guerra e paz de tolstói para correr com napoleão
tchuikov a sangrar hitler de stalingrado a berlim
nestes tempos de vladimir, não maiakóvski, o putin
a nuvem de calças é a fumaça dos mísseis sobre civis
sem braguilha, cessar-fogo ou corredor humanitário
contra humanidade ursa de quem ignora soljenítsin
resistem atrás de livros os que nos deram lispector
agudos e necessários como um estilete pros dentes
atafona, 06/03/22