Em prosa e verso, morte de Papete fecha mais um verão

 

No domingo (20), último dia do verão, soube por meio de uma amiga comum que Dorinha Vianna, referência em Campos como bailarina, havia perdido seu pai, o comerciário aposentado Ivan Ribeiro Vianna. Ele morreu no sábado aos 87 anos, na UTI do Pronto Cardio, vítima de um câncer de próstata, contra o qual lutava há dois anos. Foi sepultado às 13h30 do domingo, no Campo da Paz. Viúvo desde 2010, deixa filha e neto únicos.

Tentei ligar a Dorinha ainda no domingo. Sem sucesso, enviei um áudio para prestar solidariedade. A de quem perdeu seu próprio pai há quase 10 anos e sabe de antemão que nada dito pode preencher o buraco enxadado no peito. Ela me respondeu com outro áudio na segunda, emocionado e emocionante, falando de como o pai sempre a incentivou em sua vida e carreira.

Como o final de semana na minha casa, na Atafona de lua cheia, foi movimentado para receber minha própria família, fui ouvir o áudio de Dorinha só no cair da tarde de segunda. Já com a casa vazia, saí de carro para observar a chuva que caía forte na praia. Uma a um, percorri os mirantes ao final das ruas transversais ao oceano interrompidas em barrancos pela erosão marinha.

Ouvi Dorinha falando do pai, enquanto observava as ondas revoltas da maré alta açoitando os barrancos. Diante do mar tingido de verde pelo vento sudoeste, de chuva, brigando contra o castanho do rio Paraíba e do vento nordeste, do sol vencido, mas ainda em luta contra a virada do tempo. Que era anunciada há mais de uma semana em Atafona pela presença das fragatas, chamadas pelos pescadores de tesoura, por conta dos seus rabos bifurcados.

De frente ao Atlântico, sob chuva torrencial, olhei por cima do meu ombro à direita e vi que também chovia pesado em Campos. Virei a cabeça no sentido oposto e percebi que as nuvens negras, em interseção momentânea entre céu e terra, iam até a serra do Imbé, fazendo fundos com Gargaú, do outro lado do Paraíba. Parte da Serra do Mar, soube depois que o efeito seria novamente pior ao sul, em Petrópolis, onde mais cinco vidas foram perdidas.

Em solidariedade à dor de uma amiga de tantos verões, inclusive o que tinha virado memória, e em respeito ao ciclo inexorável da natureza, agravado pela ação humana, vieram versos. Mas não sem antes deitar a prosa de Dorinha sobre seu pai, que chamava sempre pelo apelido carinhoso de “Papete”:

 

“Meu pai era comerciário. Trabalhou na sapataria A Social, onde era gerente. Começou a trabalhar na loja aos 16 anos. Entendia tudo de sapatos e chapéus! A loja era da nossa família. Saiu de lá aposentado. Sou filha única e Mariano, neto único. Era um m boêmio, mas nunca chegou atrasado no trabalho. E tinha orgulho disso! Ele abria a loja. Gostava de samba e carnaval. Ele e os amigos saíam no “Bloco Ninguém É de Ninguém”, que abria o carnaval de Campos na sexta-feira percorrendo o Boulevard e seguindo pela rua 7 de setembro. Muita história, muita história. Era de uma turma que gostava de viver a vida com intensidade”.

(Dorinha Vianna)

 

Ivan Ribeiro Vianna, o Papete, e Dorinha Vianna (Foto: Facebook)

 

 

pranto a papete

(a dorinha)

 

há oito dias de céu azul e sol a pino antes da chuva

fragatas anunciavam a virada do tempo em porvir

de atafona ao imbé, fundos de gargaú, e pela serra

sacrificou mais cinco vidas humanas em petrópolis

 

pensava nessas existências cortadas, menos íntimas

que as fragatas e suas birutas bifurcadas no rabo

sob a chuva, dentro do carro, outro verão é memória

ao açoite da maré alta em lua prenhe de outono

 

ouvia no iphone áudio da filha em pranto a papete

na peleja entre verde e castanho das ondas revoltas

segunda-feira na rua encerrada em barranco remete

ucrânia e eleições brasileiras à espera na curva

 

atafona, 22/03/22

 

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Este post tem 5 comentários

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Cara Dorinha,

      Como pai, obrigado a vc. Força e fé!

      Grato pelo testemunho!

      Aluysio

      1. Dorinha Vianna

        Querido amigo,
        Estou relendo, após 2 anos, sua poesia e registro da passagem.do meu muito amado e querido pai Papete. E… impossível não me emocionar… e senti vontatde imensa de.vir aqui e te agradecer por esse registro tão sincero que empresta seu talento para telatar a minha dor. Gratidão, meu querido. Vamos seguindo essa vida com nossos corações partidos por partidas de nossos entes amados. Com a certeza que não estamos sós nessa caminhada de perdas e dores. Mas que a vida ontinua para ser vida com fé, arte e amigos para nos lembrar disso tudo! Meu abraço forte com o mais puro sentimento de apreço, solidariedade nas perdas e gratidão❤️

  1. Ana Celina Aggio Rocha de Azevedo

    Mais um belo texto vc Aluysio, faz nascer nesse espaço de letras, sentimentos e fatos.
    Gratidão por compartilhar seu talento e permitir, que o leitor “viaje” confortavelmente com vc.
    Dorinha querida, que os céus sejam a morada do seu papete, que deixou saudades e boas lembranças.
    Abs, amigos!

  2. Dorinha Vianna

    Querido amigo,
    Estou relendo, após 2 anos, sua poesia e registro da passagem.do meu muito amado e querido pai Papete. E… impossível não me emocionar… e senti vontatde imensa de.vir aqui e te agradecer por esse registro tão sincero que empresta seu talento para telatar a minha dor. Gratidão, meu querido. Vamos seguindo essa vida com nossos corações partidos por partidas de nossos entes amados. Com a certeza que não estamos sós nessa caminhada de perdas e dores. Mas que a vida ontinua para ser vida com fé, arte e amigos para nos lembrar disso tudo! Meu abraço forte com o mais puro sentimento de apreço, solidariedade nas perdas e gratidão❤️

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