Por Aluysio Abreu Barbosa, Cláudio Nogueira e Matheus Berriel
A semana em que o Folha no Ar trouxe só entrevistadas mulheres ao programa matinal do Folha FM 98,3, se encerrou na sexta (06) com quatro delas. Mais acostumadas a fazer perguntas do que a dar respostas, as jornalistas Dora Paula Paes, Flávia Ribeiro, Júlia Maria Assis e Suzy Monteiro, em ordem alfabética, foram da política da planície goitacá em disputa pelos Garotinhos e os Bacellar, refletida numa Câmara Municipal só de homens, ao Planalto Central ainda mais polarizado entres as pré-candidaturas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL). No meio, passaram ainda pela eleição ao Palácio Guanabara, que teve tantos dos seus últimos ocupantes presos e hoje as pesquisas projetam em outra polarização, entre o deputado federal Marcelo Freixo (PSB) e o governador Cláudio Castro (PL). A presidente e governador, analisaram também algumas opções da chamada terceira via, incluindo a única presidenciável mulher até aqui, a senadora Simone Tebet (MDB). Entre tantas disputas eleitorais que se desenham encarniçadas, Dora, Flávia, Júlia e Suzy confessaram o temor comum pelo destino da democracia no Brasil. Como a fé que as quatro depositam nessa forma feminina de governo.
Folha da Manhã – Qual sua visão da crise na Câmara de Campos composta só de homens na disputa de poder entre os grupos políticos dos Garotinho e dos Bacellar?
Dora Paula Paes – Observar a Câmara de Campos, hoje, não é uma coisa muito fácil. Não tem mulheres. Então, a coisa não tem sensibilidade nenhuma. Pelo contrário, é uma vergonha pura assistir a uma sessão. Tenho um filho de 13 anos, ele não vota, mas acompanha o meu trabalho, porque está em casa e eu estou em casa ouvindo a sessão. Esses dias, assistindo a uma sessão comigo, ele falou assim: “Mãe, essa Câmara parece com a novela ‘Poliana’”. É uma novela de criança, de dona de casa, que tem 900 capítulos. E ele frisou uma coisa que me chamou a atenção: “Ela (a Câmara) tem muita enrolação, como a novela”. E ele está certo. Tem muita enrolação, tem muita briga. O Executivo é um poder, o Legislativo é outro, e o Judiciário é outro. Desde a eleição de 2004, a política de Campos perdeu a vergonha de ir para a Justiça. E, quando você perde a vergonha de ir para a Justiça, é muito sério. Tudo vira uma batalha de oposição e situação. E é uma vergonha assistir a isso, seja presencialmente, seja pela internet. Para mim, o Legislativo perdeu a vergonha. Eu acho que a Justiça também fez o papel dela nessa situação, porque querer caçar 13 (vereadores) é uma situação complicada.
Flávia Ribeiro – Não é uma situação de a gente se orgulhar. Dora falando, eu fico me lembrando: já acompanhei confusão na Câmara; sai prefeito, tira prefeito eleito, prefeito assume na Câmara. Parece que não é uma coisa séria. E aí eu fico olhando a política como um todo no Estado do Rio. O que nós estamos fazendo, enquanto sociedade, que a gente não consegue eleger ninguém que tenha decência para terminar um mandato no Executivo? No Legislativo, até que a gente encontra algumas pessoas, mas o nosso histórico moral é muito ruim. Se você é eleito para representar o povo, você tem que ter decência em representar. Você não pode legislar só para o seu grupo, governar só para o seu grupo. E é isso que eu tenho visto. Sinceramente, fico olhando de longe, e campista se espalha para o mundo inteiro. Em todo lugar que eu vou tem um campista aqui em Niterói. Mas, quando não tem campista, se fala: “Você é de Campos? E a política?”, e já dá aquele risinho. Eu falo: “Olha, sou campista com todo orgulho do mundo, mas não sou dessa laia de quem está representando mal a cidade”. Sinceramente, acho vergonhoso. Parece que é uma brincadeira.
Júlia Maria Assis – O Legislativo é um espaço de representatividade, o embate é normal. A calmaria absoluta no Legislativo nunca é um bom sinal. Só que esse caso específico da Câmara de Campos, infelizmente, é a eleição de 2022. Desde fevereiro, não se tem as sessões, e a população precisa que o Legislativo atue para votar seus projetos de lei, para fiscalizar o Executivo, para debater as coisas da cidade. E há um embate por poder, por Mesa Diretora. O Legislativo com essa hegemonia de apoio ou oposição nunca é um bom sinal. A situação é lamentável porque não tem as sessões. Óbvio que não podia ser de outro jeito, esse afastamento dos vereadores era uma coisa realmente bastante complicada. Judicializou, a Justiça está fazendo o papel dela. Mas isso faz com que o cidadão passe a detestar e a desprezar a política cada vez mais. A negação da política já nos fez muito mal. Falta mulher na Câmara, sim, mas sobretudo falta comprometimento com o cidadão. Ninguém está trancando pauta lá para defender interesse de projeto, defender interesse do cidadão; está para uma disputa de poder, para uma eleição que acontece este ano. É lamentável.
Suzy Monteiro – Dora lembrou a eleição de 2004, e eu digo que é a eleição que nunca acabou. Desde 2004, já vinha essa questão de recorrer à Justiça, que é um direito. Isso vem se prolongando, de uma certa forma, desde então. Neste caso, também não é diferente. Acho que o presidente da Câmara (Fábio Ribeiro, PSD) errou ao antecipar uma eleição que podia ser feita depois. Ele sabia que não tinha ampla vantagem. Ele apostou e perdeu. Tem essa questão de Nildo (Cardoso, União), mas, com certeza, se a vitória tivesse sido da atual Mesa Diretora, isso não teria nem sido levantado por eles. Isso é fato. Os vereadores da oposição estão unidos. E isso está se fortalecendo. De vez em quando eu entro, leio a Folha e vejo alguma coisa que está acontecendo. De vez em quando, para matar a saudade, ouço até sessão da Câmara. Minha filha fica falando: “Mãe, você é doida, fica ouvindo isso”. Eu vi ontem que teve mais um vereador (Dandinho Rio Preto, PSD) que disse que está na base do prefeito, mas que vai apoiar o Rodrigo (Bacellar, PL, na reeleição a deputado estadual), enfim. Não se pode servir a dois senhores. Mas, acho que procurar a Justiça foi importante, era necessário.
Folha – Como projeta a eleição ao Governo do Estado, que as pesquisas apontam polarizada entre o deputado federal Marcelo Freixo e o governador Cláudio Castro? Ex-prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PDT) ou algum outro nome da terceira via tem chances?
Dora – Sobre a eleição para governador, eu vejo o Freixo com pautas fortes, pautas sociais muito fortes. Tem um discurso muito bom. O mesmo eu considero sobre o Rodrigo Neves (PDT). Já entrevistei os dois. O Rodrigo Neves tem a seu favor a questão de ter feito um ótimo governo em Niterói, bem avaliado. E, em relação ao Cláudio Castro, eu o conheço desde criança, brincando na vila onde eu morava com os meus irmãos. Foi uma surpresa encontrá-lo na política. Percebo o lado positivo do governo dele, com uma menor experiência em relação aos outros dois. Mas ele estava nas tragédias; estava naquele caso da BR 356 aqui em São João da Barra, quando rompeu o dique, veio e, diferente de outros, fez um gabinete ali, no meio daquela água. A ex-prefeita Carla Machado (hoje, PT) foi lá, passou o problema, com medo de Barcelos ser toda invadida, e ele chamou todos os secretários e falou: “Vamos fazer. O que cada um tem que fazer?”. Foi uma grata surpresa, porque o vice é sempre escondido. O que a gente espera dessa eleição é que tenhamos um governador e um vice que a gente não precise assistir na TV sendo levados num camburão, sendo transferidos de um presídio para outro.
Flávia – Eu já falei da vergonha que é a gente ter esse histórico de governadores. O Rodrigo Neves tem, sim, uma avaliação boa aqui em Niterói. O governo dele foi bom, ele se comportou super-bem na pandemia, ele seguiu a ciência, ele fez tudo o que a UFF disse que era para fazer. Não conheço nem o Freixo nem o Cláudio Castro como as meninas conhecem, mas tem uma tia do Freixo aqui no meu prédio. Mas, o que eu acho que a gente tem que prestar atenção é na internet. A eleição, embora polarizada, vai ser cada vez mais na internet como um campo de busca por muito voto, de virada de muita coisa. E a gente tem que ficar muito ligado também nas fake news. A gente já viu conterrâneo (o ex-governador Anthony Garotinho, hoje União) sendo preso, gritando na ambulância. Mas a gente precisa pensar também que eles não perdem a regalia. Eles vão presos, mas vão continuar comendo banquete de comidinha árabe, ar-condicionado, revestimento para não esquentar muito na cela. É o nosso papel de cidadão, enquanto comunicador, combater a mentira. Ser honesto e fazer as coisas direito não é uma vantagem, é uma obrigação. Não está fazendo nenhum favor.
Júlia – Se a gente estava falando aqui sobre o problema que a gente tem da crise de confiança do eleitor no voto que ele, as últimas eleições do Estado do Rio de Janeiro simbolizam isso melhor do que qualquer outro cenário no país inteiro, porque a gente tem um histórico de problemas sérios envolvendo vários ex-governadores. A pesquisa da Datafolha de abril dá um empate técnico, com vantagem para o Freixo. São dois candidatos que têm um desafio especial para o interior. O Cláudio Castro era desconhecido até pouco tempo. Mas, com a máquina, sendo governador, tem aproveitado essas condições para fazer as incursões no interior e se fazer conhecer. O Freixo é mais capital, mas com uma estrutura de esquerda, com a vantagem do Lula no cenário nacional. Tudo indica um segundo turno entre essas duas forças. Mas se a gente volta e vê a eleição do (Wilson) Witzel (em 2018), a gente não pode prever nada. Rodrigo Neves é um bom quadro, tem o Felipe (Santa Cruz, PSD) também despontando. É uma eleição que tende ao segundo turno, e aí vão ocorrer as alianças, que são válidas. Historicamente, precisa se resgatar a confiança do eleitor.
Suzy – Como Júlia falou, o cenário se está se desenhando para Freixo e Cláudio Castro. Acho que a falta de uma terceira via é muito ruim, tanto a nível estadual quanto nacional. Não que a gente não tenha (pré-)candidatos bons, mas, por uma série de razões, não estão decolando. Amo o Freixo de paixão, o conheço pessoalmente desde que ele era assessor do Chico Alencar (Psol) e vinha para Campos sábado de manhã, eu pau da vida para ir para porta de presídio para ele fazer vistoria. O pessoal que é mais de direita fala que ele defendia bandido e não sei o quê. As pessoas não entendem que isso é importante também. As prisões são necessárias, as leis são necessárias; precisa prender e precisa punir; mas, precisa também dar uma chance a quem pode ser recuperado. Quem é a população carcerária hoje? É negro, é pobre, são meninos jovens na maioria, que, quando não morrem aqui fora, vão presos e ficam numa escola do crime. E aí, fazendo justiça a Cláudio Castro, ele tem feito um trabalho que eu identifico como muito bom. O Segurança Presente tem dado um resultado excelente. Tem outras coisas, essa articulação com prefeitos, de qualquer ramificação que seja.
Folha – E a eleição presidencial, ainda mais polarizada entre o ex-presidente Lula e o presidente Jair Bolsonaro? Ciro Gomes (PDT) tem chance? E Simone Tebet (MDB), única mulher entre os presidenciáveis? Preocupam os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral?
Dora – Que hoje a política nacional está polarizada entre Lula e Bolsonaro, é inegável. Em relação ao Bolsonaro, eu acho que os militares vão precisar tomar cuidado se pensarem em mexer no resultado de uma eleição. As Forças Armadas já têm muito a responder pelo passado. Então, ter mais essa mancha não seria bom para uma instituição tão forte e que nos representa. Em relação à terceira via, foi citada a Simone Tebet. Mas, o próprio MDB já está começando a minar a (pré-)candidatura dela. Recentemente, fizeram um jantar para o Lula, porque o MDB quer estar onde o poder está. Acho que a eleição vai continuar polarizada entre Lula e Bolsonaro. A gente só espera que, indo para um segundo turno, o Brasil esteja forte, que o eleitor esteja ciente e que não seja tão danoso fazer uma escolha. Vamos votar. Que as instituições mantenham o seu papel firme. A população está carente. Não saímos ainda de uma pandemia, a economia está em frangalhos. A situação não está boa para ninguém. Hoje, a renda do brasileiro não dá para nada. A situação está cada vez mais miserável. A gente não precisa ir muito longe: Campos tem uma parcela grande na miséria. A Folha já mostrou isso.
Flávia – Acho que é um ano perigoso até. Sinceramente, eu tenho medo dessa polarização, desses lados tão duros assim: ou você é uma coisa ou você é outra. Tem coisa que é muito perigosa. Tem coisa que não é o bom senso, que é uma retomada, um caminho que parece que é para o vale das trevas. É a Caverna do Dragão. Parece que você está lá dentro e não vai sair nunca de lá; que o Mestre dos Magos nunca vai te apresentar a porta para sair. Mas, eu acredito também na democracia. Tenho fé. Fico pensando que somos tantas mulheres, que somos 53% de eleitoras, estamos comemorando 90 anos que podemos votar. Eu conheço muitas senhoras e senhores de 90 anos. Quando essas mulheres nasceram, elas não tinham direito ao voto. O que eu vejo é um carrinho de compras cada vez menor. Cada vez a gente deixa mais dinheiro no supermercado e traz menos comida. Isso a gente, que está numa parcela da população, digamos, privilegiada. E quem é menos ainda? E, mulheres, prestem atenção: o voto de vocês é o que vai decidir. Nós estamos sofrendo toda essa leva de violência porque a violência está validada. É direito agora bater? Estamos caminhando para trás.
Júlia – Bolsonaro subiu um pouco com a desistência do Moro. Começa a se desenhar talvez a possibilidade de segundo turno. É polarizada, mas não quer dizer que a gente deva fazer essa equivalência de dois extremos. Estão subindo o tom, colocando em dúvida a validade da eleição. Em qualquer processo democrático decente, termina a eleição, a vitória é anunciada, quem perde a eleição agradece os votos, deseja boa sorte ao vencedor e vai para o campo democrático fazer oposição. É assim que funciona. Quando você questiona, quando você começa a colocar dúvida no resultado da eleição porque está vendo a pesquisa desfavorável, você infla uma parte do eleitorado, que não é tão expressiva, mas é barulhenta e passional, para fazer um estrago. Você tem uma estrutura organizada de disparo de fake news. E, por outro lado, um esforço permanente de desacreditar as instituições, de enfraquecer o Supremo Tribunal Federal, enfraquecer o Poder Legislativo, criminalizar a oposição e a imprensa. A Simone Tebet tem um espaço, vai ser importante no debate. O Ciro tem o espaço dele, é importante no debate. Mas não é um processo eleitoral normal. É pior do que em 2018.
Suzy – Se a gente chegar ao final do segundo turno, havendo segundo turno, ainda vivendo numa democracia, com as instituições de pé e todo mundo por aqui, a gente já vai estar numa grande vantagem. Dizendo isso, acho que a pré-campanha de Lula precisa entender o que está acontecendo no Brasil. Não entendeu quatro anos atrás. Lula governou este país, está aí desde a década de 1970, 1980. Lembro de mim, pequenininha, assistindo televisão e vendo Lula discursando no meio dos metalúrgicos. O que me despertou para a política foi isso. Mas, (precisa) parar de brincar. É alguém segurar o Lula, porque ele tem entrado numas coisas que não têm nada a ver. Vai falar de aborto, ele sabe que não vai passar. Ficou 16 anos no poder. Botou o aborto na pauta? Então, vai falar isso para quê? Não sou de direita, não sou conservadora, mas quando Lula falou de aborto, eu falei: Para quê? Arrumou briga de Big Brother. É absolutamente sem noção. O Brasil ainda é um país conservador, que ainda pensa de uma determinada forma. É errada? Talvez sim, talvez não. Mas, existem coisas muito mais importantes que precisam ser faladas: desemprego, violência contra a mulher.