Solar dos Airizes
A Prefeitura de Campos terá que reformar o Solar dos Airizes. Como o Blog do Edmundo Siqueira, hospedado no Folha1, acompanha de perto, não é mais só uma demanda de preservação do patrimônio histórico. É uma decisão da 2ª Vara Federal de Campos transitada em julgado, em ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), que o governo Wladimir Garotinho (sem partido) será obrigado a cumprir. Erguido em meados do século 19, o Solar dos Airizes foi a primeira construção da cidade a ser tombada pelo Iphan, em 1940. E se tornou famoso com a novela “Escrava Isaura”, de 1976 e baseada no romance homônimo do mineiro Bernardo Guimarães.
Dos livros à retina de Campos
Da ficção que ganhou o mundo com o sucesso de uma telenovela, o Solar dos Airizes foi o lar de dois dos maiores escritores de Campos. Que se dedicaram a contar as origens reais da terra e do homem que formam a planície goitacá: Alberto Lamego (1870/1951), autor de “A Terra Goytaca”; e seu filho, Alberto Ribeiro Lamego (1896/1985), autor de “O Homem e o Brejo”, “O Homem e a Restinga”, “O Homem e a Serra” e o “Homem e a Guanabara”. Mesmo a quem não leu nenhuma dessas obras, o Solar dos Airizes é personagem vivo na retina dos mais de 511 mil campistas que percorreram, pelo menos uma vez, a BR-356 no trecho Campos/Atafona.
R$ 100 milhões no Cepop
A reforma do Solar dos Airizes e sua transformação no Museu do Açúcar constavam do projeto de governo quando Rosinha Garotinho (hoje, União) foi eleita a primeira vez prefeita de Campos, em 2008. E mesmo que tivesse dinheiro dos royalties de sobra, até a queda do preço do barril de petróleo no final de 2014, em seu sexto ano consecutivo de governo, ela nunca cumpriu a promessa de campanha. Preferiu gastar mais de R$ 100 milhões para erguer o Cepop, símbolo maior do desperdício de bilhões em rendas petrolíferas. Ironicamente às margens da avenida Alberto Lamego, o Cepop fica a apenas 2,9 km do Solar dos Airizes.
Agora, como fazer?
Em outra ironia, a batata quente agora sobrou para Wladimir, filho de Rosinha. A decisão judicial fala até em crime de improbidade se o Solar dos Airizes não for recuperado pelo atual prefeito. Pela importância histórica e arquitetônica do prédio, que visivelmente corre risco de desabamento em várias partes, assim como por sua condição de referência afetiva dos campistas, a sua reforma ganhou entusiastas. Presidente da CDL-Campos, além de arquiteto, o empresário Edvar Junior levantou essa bandeira. Assim como o vereador de oposição Raphael Thuin (PTB). Mas a pergunta que ninguém até agora sabe responder é: como fazer?
Iphan e Sabra
A alternativa mais racional foi apontada no Blog do Edmundo. A ele, o Iphan informou que “o pedido de reforma simplificada do Solar dos Airizes e intervenção emergencial” foi feito pela Sociedade Artística Brasileira (Sabra), associação civil e captadora de recursos e sem fins lucrativos, com sede em Minas Gerais. Presidente da Sabra, Márcio Miranda confirmou ao blogueiro do Folha1: “Temos a aprovação pelo Iphan de nosso projeto para a intervenção emergencial no Solar dos Airizes. As equipes só podem ser escolhidas após contratação dos serviços. Não temos previsão para início das obras. Isso está a cargo do poder público”.
R$ 73 milhões de royalties
A Sabra já está envolvida na reforma do Solar do Colégio, erguido pelos jesuítas no século 17 e onde hoje funciona o Arquivo Público de Campos. Que já tem R$ 20 milhões alocados, em parceria da Alerj, da Uenf e do poder público municipal. Já em relação ao Solar dos Airizes, com a pergunta de como fazer parcialmente respondida pelos contatos já estabelecidos entre Sabra, Iphan e Prefeitura, resta ainda a indagação: com que dinheiro? Depois que Campos recebeu R$ 73,4 milhões no último dia 20, maior repasse mensal de royalties da sua história em valores correntes, não é preciso ter lido os Lamego pai e filho para responder.
Terra de Marlboro (I)
Ao ex-presidente Getúlio Vargas é atribuída a frase: “Campos é o espelho do Brasil”. Nos seus piores aspectos, os últimos dias parecem confirmar. Enquanto o mundo indaga o paradeiro do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira, servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai), e do jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian, desaparecidos desde domingo (5) na Amazônia, ontem (7) um flanelinha foi morto com um golpe de faca no pescoço, à luz do dia, em plena Praça São Salvador. Na vida urbana da cidade ou no que resta de área selvagem no país, Campos e Brasil lembram um filme violento de western.
Terra de Marlboro (II)
O indigenista brasileiro era ameaçado por seu trabalho, em nome do Governo Federal, de proteção aos índios. Cujas reservas na Amazônia, na prática, foram liberadas pela administração Jair Bolsonaro (PL) à ação criminosa de garimpeiros, madeireiros e pescadores. O Vale do Javari, onde o servidor brasileiro da Funai e o jornalista inglês desapareceram, concentra o maior número de povos isolados do mundo. São indígenas que não querem contato com o homem branco. Sobretudo nos últimos três anos anos e meio, quando a realidade do Brasil passou a refletir um filme do Velho Oeste dos EUA.
Publicado hoje na Folha da Manhã.