No final da manhã de ontem (8) do Japão, ainda noite brasileira de quinta (7), o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, de 67 anos, foi assassinado a tiros. Que foram disparados covardemente pelas costas, enquanto discursava em ato de campanha eleitoral na cidade de Nara, no oeste do seu país.
Político liberal, conservador, nacionalista e populista, Abe foi o mais longevo chefe de governo do Japão, que comandou por 9 anos e quatro mandatos. Foi também o mais jovem a ser primeiro-ministro, aos 52 anos, em 2006. Ficou até 2007, para voltar em 2012 e se eleger ao cargo mais duas vezes, até sair em 2020, por motivos de saúde. Mas ainda controlava o Partido Liberal Democrata (LDP), que se mantém no poder com Fumio Kishida, sucessor de Abe.
Como o indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista inglês Don Phillips, assassinados no Vale do Javari, no oeste do estado do Amazonas, no último dia 5 de junho, Abe foi morto em 8 de julho a tiros de espingarda. As que mataram o brasileiro e o inglês, de caça. A que matou o japonês, de fabricação caseira. Na Amazônia, após a execução, houve esquartejamento dos corpos humanos, como sashimi. Com todas as suas muitas diferenças, Japão e Brasil têm mais semelhanças na violência política dos seus recentes fatos trágicos.
Na noite de quarta (6), no Centro da cidade de São Paulo, um tiro foi disparado contra a janela do 4º andar do prédio do jornal Folha de S.Paulo. Por sorte, ninguém se feriu. Alvo de um tiro real, o conceituado veículo de mídia é um dos principais alvos virtuais nas redes sociais bolsonaristas. O caso está sendo investigado pelo 77º Distrito Policial da capital paulista.
Na tarde de quinta, em Brasília, o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara da Justiça Federal da capital do Brasil, teve seu carro atingido por fezes de animais, ovos e terra. Ele já havia sofrido dezenas de ameaças virtuais, desde que havia determinado, no último dia 22, a prisão do pastor evangélico e ex-ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro (PL), Milton Ribeiro. Assim como dos também pastores Arilton Moura e Gilmar Santos, suspeitos de cobrar propina para liberação de verbas públicas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Em depoimento à Polícia Federal (PF), Milton Ribeiro já confirmou que seus dois colegas pastores, mesmo sem nenhum cargo público, tiveram atuação a ele recomendada pelo próprio presidente Bolsonaro. Se a ligação direta parece clara, mesmo com o para-brisa encoberto por fezes, o juiz Renato Borelli conseguiu controlar o carro. E, por sorte, ninguém se feriu. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia sido acionado para apurar as ameaças, concretizadas na quinta, e recomendado providências à proteção do magistrado.
Na noite também de quinta, na Cinelândia, na cidade do Rio de Janeiro, pouco antes de Shinzo Abe ser assassinado no Japão, o ato público do ex-presidente e pré-candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi atingido por uma garrafa plástica contendo explosivo e um líquido mal cheiroso identificado como fezes. Após arremessá-la, André Stefano Dimitriu Alves de Brito, de 55 anos, tentou fugir. Mas foi preso em flagrante por policiais militares do 5º BPM.
Atirada por cima do tapume que cercava o ato de Lula na Cinelândia, a garrafa PET de 2 litros explodiu ao tocar o chão. Gerou confusão. Mas, novamente só por sorte, ninguém se feriu. O autor do atentado foi autuado na 5ª DP pelo crime de explosão. E será encaminhado à audiência de custódia. Em caso de condenação, a pena prevista é de três a seis anos de prisão.
Ainda na movimentada quinta, a PF prendeu em flagrante Rubens Villar Coelho, peruano conhecido como Colômbia, suspeito de ser o mandante dos homicídios de Bruno e Don. Ele se apresentou na delegacia federal de Tabatinga, no Amazonas, para negar envolvimento no crime. Mas acabou preso em flagrante por uso de documentos falsos.
Colômbia seria um traficante que bancaria a pesca ilegal em terras indígenas. Para venda ao tráfico e ao garimpo ilegal em terras indígenas. Em tudo que há de marginal na bravata “a Amazônia é do Brasil, não é de vocês”, dita por Bolsonaro a um Don ainda vivo. Foi em julho de 2019, quando o jornalista inglês questionou, cara a cara, o capitão: “Como o senhor presidente entende e pretende convencer e mostrar para o mundo que realmente o governo tem uma preocupação séria com a preservação da Amazônia?”.
O Japão, como as europeias Noruega e Finlândia, está entre os únicos países do mundo que ainda permitem a caça às baleias. No que é, junto com as queimadas da Amazônia e na sua transformação talvez irreversível de floresta tropical em savana, o maior símbolo universal de agressão ambiental.
Todavia, no respeito à vida do semelhante, a morte a tiros de Shinzo Abe é uma exceção entre os japoneses. Entre os quais nem policiais podem andar armados fora do serviço. O que, além das 12 horas no fuso horário, é uma das tantas diferenças entre o Brasil e o Japão. Mesmo que ambos hoje vivam sob governos de direita.
Governado por primeiros-ministros eleitos desde 1885, o Japão mantém como chefe de estado o imperador. No primeiro da nossa série de golpes militares, o Brasil depôs seu imperador e vive numa República desde 1889. Para, 133 anos depois, termos hoje um governante e filhos se comportando, sem traço de nobreza, como se tivéssemos família real. Tudo em nome do “deus” dos falsos profetas mal travestidos em crentes. Como no direito divino dos monarcas absolutistas. Melhor definido pelo rei francês Luís XIV: “o Estado sou eu”.
Em aparente inveja do Japão, agora temos também a PEC Kamikaze. Tentativa escancarada de compra de votos do governo Bolsonaro, é uma alteração na Constituição agilizada na Câmara Federal numa inédita sessão de… 1 minuto. Foi também na quinta, após passar no Senado com uma oposição tão acovardada quanto a esquerda tupiniquim capitaneada pelo PT. Na armadilha que o capitão armou e Lula caiu. Com o país junto.
A partir de 1944, quando a II Guerra (1939/1945) já estava irremediavelmente perdida, os kamikazes eram jovens pilotos dispostos a dar a vida pelo imperador do Japão. Suicidas como o Brasil que bateu em junho a inflação de 11,89% nos últimos 12 meses, puxada pelos alimentos. E a pretexto de ajudar os pobres que têm fome, mas só até 31 de dezembro de 2022, vai agora estourar o teto do Orçamento em mais R$ 41,2 bilhões, na fome desesperada pelos votos de outubro. A conta virá com a certeza de quem mergulha um avião de cara contra um encouraçado. Independe de quem governar a partir de 2023.
Enquanto a Constituição é estuprada no Congresso que a pariu, resta o receio pela violência política física dos tiros, bomba e… fezes. Que já está no meio de nós. Na hora exata de Brasília.
Publicado hoje na Folha da Manhã.