Eleição a governador e, no carro de compra, a presidente

 

Por Matheus Berriel, Aluysio Abreu Barbosa e Cláudio Nogueira

 

O novo presidente do Brasil tende a ser decidido pelo carrinho de supermercado. Foi o que indicou nessa terça-feira (2) o jornalista e analista político Luiz Carlos Azedo, dos jornais “Correio Braziliense” e “Estado de Minas”, em entrevista ao Folha no Ar, da Folha FM 98,3. Além de destacar a influência do fator econômico no voto da população brasileira, ele também indicou a alta taxa de rejeição, especialmente a Jair Bolsonaro (PL), como um fator importante para o resultado das urnas, citando um favoritismo de Lula, mas em cenário aberto graças à existência de brasileiros que têm no voto sua única participação nas decisões do Brasil. Azedo também vê como polarizada, mas não cristalizada, a corrida ao governo do Rio de Janeiro, tendo na possibilidade de apoio do PT à candidatura de Rodrigo Neves (PDT) uma chance de alteração no quadro. Na visão dele, ao anunciar apoio a Cláudio Castro (PL) após a retirada da sua candidatura ao cargo, o ex-governador Anthony Garotinho (União) buscou a “saída mais pragmática” para sobreviver politicamente. Porém, o fato de ter saído do caminho não significa que ele irá carregar Castro “nas costas”. No que se refere ao Senado, Azedo enxerga como provável a vitória de Romário (PL).

 

Luiz Carlos Azedo (Foto: Divulgação)

 

 

Possível apoio do PT a Neves – A eleição no Rio de Janeiro tem uma peculiaridade: você tem dois processos políticos eleitorais em curso simultaneamente e com característica completamente diferente. As eleições na capital e na Baixada, principalmente, têm característica de guerra de movimento. Você tem um contingente eleitoral muito grande que se desloca rapidamente na reta final. Já a eleição nos demais municípios do estado, tem as características tradicionais da política fluminense, que é uma política refinada desde o Império, de muita articulação. Então, a dificuldade do Marcelo Freixo (PSD) na eleição contra o Cláudio Castro (PL) é sair do Rio (capital). O voto da esquerda no Rio de Janeiro vai do Grajaú ao Leblon, que é onde também está o voto conservador mais ideológico. Quem sair dali e conseguir ir para o subúrbio, e agora para a Barra da Tijuca, ganha a eleição. Mas, a esquerda tem, tradicionalmente, dificuldade de sair desse universo. Então, esse movimento que o PT está fazendo de aproximar o Rodrigo Neves e o André Ceciliano (PT), que é um político com mais características do político do antigo estado do Rio, do que do petista da Zona Sul do Rio, ela tem muito mais possibilidades de ganhar eleição no interior, do que o Freixo ganhar a eleição na capital e disputar o voto no interior. É aí que o Cláudio Castro leva uma vantagem, porque ele tem a máquina do estado trabalhando, está com dinheiro em caixa por causa da venda da Cedae, oferecendo recursos aos prefeitos no interior. Agora, ele tem um problema: está fazendo aliança com o que existe de mais queimado na política do antigo estado do Rio. São personalidades políticas desgastadas por envolvimento em denúncias de corrupção, e ele está se alinhando a esse povo. A possibilidade de apoio do PT a Rodrigo Neves é uma tendência que está posta. Se acontecer, muda todo o cenário, porque a candidatura do Rodrigo Neves ganha um aliado poderosíssimo, e a do Freixo vai se enfraquecer. Não sei como isso vai evoluir, mas a possibilidade de essa aliança se consolidar é real. Ela se consolidando, muda o cenário. Quer dizer que vai mudar a eleição? Não sei. Mas, em termos de ação política das forças que disputam o poder, muda o jogo.

Romário favorito ao Senado – O Alessandro Molon (PSB) tem dificuldade de entrar no interior do estado. Já o André Ceciliano tem mais facilidade de entrar na capital por causa da estrutura do PT na capital. A candidatura do Romário é muito forte, porque o Romário é um cara popular, tem uma personalidade que faz com que ele se identifique muito com o povão, fora o fato de que foi um craque, campeão do mundo. Sempre foi um jogador polêmico, corajoso. Mas, ele não é um político de expressão como um cara que articula, que tem grandes projetos. O Molon, embora não seja senador, tem uma atuação parlamentar muito mais expressiva do que o Romário. Então, ele tem um reconhecimento da sociedade. Agora, não sei se ele sai da capital. Já o André Ceciliano é um cara que é da política do estado, articulador. Acho que a única coisa que pode tirar a eleição do Romário é a desconstrução da imagem dele como um bom representante do povo.

Eleição ao governo do Rio polarizada, mas não cristalizada – Isso ocorre primeiro porque o Cláudio Castro não foi eleito governador; ele assumiu o governo. Então, ele não tem uma memória na população de uma campanha eleitoral em que a figura dele foi confrontada por outros candidatos. Na minha avaliação, a projeção eleitoral dele deriva do peso da máquina da administração do estado na política e no dia a dia das pessoas. Mas, esse peso também vai se relativizando, porque, se você pegar as grandes corporações do estado, o posicionamento delas é diferente. Talvez o pessoal da área de segurança pública o apoie, mas, por exemplo, professores não vão apoiar; o pessoal da área da saúde. Então, esse peso acaba, de uma certa forma, sendo neutralizado no processo eleitoral. Você não tem nenhum outro candidato que já tenha sido governador. O que tinha era o Garotinho (União) e ele desistiu. Os 10% (de intenção de voto) do Garotinho vão se transferir automaticamente para ele? Não acredito, porque o empenho do candidato a governador não é o mesmo quando ele deixa de ser candidato e passa a apoiar alguém. Então, é uma eleição que a gente ainda pode considerar aberta.

Garotinho de crítico a apoiador de Castro – O Garotinho correria sério risco de ser impugnado, por causa dos problemas dele com a Justiça. Por outro lado, é uma figura política importante do Rio de Janeiro, foi governador, mas cuja liderança eu acho que ficou muito contingenciada à política do Norte do estado, principalmente Campos. Ele perdeu muita influência no estado, embora tenha um potencial eleitoral expressivo, porque se você entra numa disputa com 10%, você tem expressão. Mas, acho que, na armação da política, ele estava com muita dificuldade, porque tinha que buscar uma possibilidade de ele sobreviver na política. Ele buscou a saída mais pragmática que poderia fazer. Até porque, não sei se os outros quereriam tirar essa foto com ele. Não acredito que o Freixo e o Rodrigo Neves fariam essa foto (com Garotinho).

Lula favorito à presidência – Em 2018, o candidato favorito era o Lula. A prisão do Lula abriu espaço para Bolsonaro, e ele surpreendeu no processo eleitoral. Foi o ápice da insatisfação popular em relação aos partidos e aos políticos tradicionais. Aquele era um momento que passou, porque houve um processo de acomodação, haja vista a aliança do Bolsonaro com o Centrão, que é o eixo da sua candidatura à reeleição. Uma coisa que tem que se levar em conta é que todo presidente candidato à reeleição se reelegeu, mesmo a Dilma depois de 2013, Lula depois do Mensalão. Então, a lógica nessa eleição seria o Bolsonaro ser o candidato favorito, e não o Lula. Agora, o Lula é o candidato favorito primeiro porque ele tem um legado de serviços prestados à população de baixa renda. Ele deixou o governo com o país crescendo, com regime de pleno emprego. Então, existe essa memória. E se nós levarmos em conta que o Lula em 2018 era o favorito, é uma coisa que explica um pouco o que está acontecendo. Agora, não explica tudo. O fenômeno Bolsonaro tem uma componente antropológica: capturou a ideia de que a família unicelular patriarcal tem que ser preservada a qualquer custo; e é um sentimento muito forte na população de baixa renda, especialmente entre os evangélicos. Isso dá ele um lastro eleitoral na população e é quase imune às críticas que ele recebe por causa das coisas que fala, por causa das alianças esdrúxulas. E do outro lado, o Lula tem um partido enraizado nos movimentos sociais. O Lula esteve preso, e o PT em momento algum o abandonou. E o PT, na oposição, se voltou para entidades da sociedade civil, passou a atuar de novo nos movimentos sociais, a fazer alianças. O Lula virou uma espécie de mono opção à esquerda. Você não tem outro candidato a presidente de esquerda (entre os principais nas pesquisas), a não ser o Ciro Gomes (PDT). Essa coisa explica um pouco a polarização. Agora, o que pode mudar esse cenário é a rejeição, principalmente do Bolsonaro.

Candidaturas de terceira via têm sua função – Acho que as candidaturas que estão disputando o espaço do que seria uma terceira via têm uma funcionalidade nesse processo eleitoral, que é de fazer com que a distância entre o Bolsonaro e o Lula se mantenha grande. Isso pode ser muito importante na virada do primeiro para o segundo turno, porque desfaz a narrativa da fraude eleitoral, que tende a se fortalecer muito se o Bolsonaro virar encostado no Lula. Ao mesmo tempo em que isso pode levar uma eleição para o segundo turno, leva obrigando tanto o Lula como o próprio Bolsonaro a tentar ampliar as suas alianças ao centro, principalmente esse centro liberal, democrático, o que vai ser bom para a democracia. Mas não sei se é o que vai acontecer. Eu acho que o Lula pode ganhar a eleição no primeiro turno com essa diferença que ele tem em relação ao Bolsonaro, que o Datafolha (do final de julho) mostrou, e essas forças vão contribuir para que essa diferença se mantenha. Do ponto de vista eleitoral, o PT fazer campanha por voto útil é mais que legítimo. Mas, numa análise política do que está acontecendo, é bobagem achar que essas candidaturas não têm um papel a cumprir na eleição.

O peso do carrinho do supermercado – O Bolsonaro conseguiu a proeza, naquela reunião com os embaixadores, de perder o apoio do establishment brasileiro empresarial, do mundo jurídico. Depois que começar o horário eleitoral, se ficar evidente pela rejeição do Bolsonaro, que é muito alta, que ele não tem a menor chance de ganhar do Lula, a candidatura dele pode se inviabilizar junto a esses setores, e eles buscarem uma alternativa. É nisso que o Ciro Gomes aposta, é nisso que a Simone Tebet (MDB) aposta: no Bolsonaro se inviabilizar como alternativa de poder por causa da rejeição dele, e ao mesmo tempo numa alta rejeição do Lula, que pode crescer na campanha, porque eles vão se atacar mutuamente. Isso pode mudar o cenário. É a tendência principal? Não. A tendência principal é de voto muito consolidado, uma margem muito estreita, uma diferença muito pequena entre os resultados das pesquisas espontâneas e as pesquisas induzidas. Acho que isso vai ser decidido no carrinho do supermercado. O que o povo faz é o seguinte: como está o carrinho do supermercado? No governo Lula, ele vinha cheio ou vinha vazio? No governo Bolsonaro, ele vem cheio ou vem vazio?

Rejeição – Acho que a polarização neutraliza a rejeição do ponto de vista da possibilidade de um terceiro nome, porque você tem uma rejeição muito alta do Bolsonaro, e aí o sujeito vai votar no Lula porque não quer o Bolsonaro de jeito nenhum e não tem outra opção; e vice-versa. Essa lógica está se mantendo, e tanto o Lula como o Bolsonaro se apropriaram disso. No jogo eleitoral, eles retroalimentam isso. Agora, o que pode acontecer é no horário eleitoral surgir uma alternativa a isso. Pode haver um deslocamento. Eu acho mais fácil esse deslocamento ocorrer em relação ao Bolsonaro, apesar do peso da máquina do Governo Federal, porque existe uma simetria entre o sistema de aliança do Bolsonaro e a sua base eleitoral. A base parlamentar do Bolsonaro no Congresso está muito vulnerável eleitoralmente, porque ela está se deslocando para o Lula. Se observar o cenário, o Lula vai ampliando as alianças dele, e o Bolsonaro vai se isolando. Agora, como eu disse, a tendência é a disputa ser entre os dois. Pode mudar. Prefiro deixar essas coisas acontecerem.

Possíveis apoios a Lula em eventual segundo turno – Geralmente, o que acontece nas eleições é que o deslocamento do eleitor aos candidatos no segundo turno se dá quase que espontaneamente. Os candidatos a presidente têm influência? Têm. Isso acontece quando você tem um político com a base fidelizada. E o Ciro tem um eleitor que é fiel a ele já há várias eleições. Mas, a dificuldade do Ciro é política, porque, como ele tem um programa nacional desenvolvimentista, e é o único que tem um programa, ele sofre uma rejeição muito grande dos setores liberais, dos setores de centro. E a esquerda está congestionada para ele, porque foi o espaço ocupado pelo Lula. Então, ele fica espremido ali. E tem a Simone, que fala bem, é preparada, tem traquejo político e tal. A gente vai ter que esperar chegar o horário eleitoral, acompanhar a primeira semana. É um momento de muita gente indecisa. Você tem razões objetivas para que a polarização exista; uma delas é o fato dos serviços prestados pelo Lula, quando foi presidente da República, e pelo Bolsonaro, no seu primeiro mandato. O confronto de realizações entre eles vai ser medido muito em função do carrinho de supermercado. É uma eleição polarizada, você tem uma tendência principal, que está evidente. Mas, ela tem linhas de força no processo que podem alterar esse resultado. Uma delas é a rejeição muito alta dos dois candidatos, que tende a aumentar mais na medida em que eles se atacaram reciprocamente. E já começou.

Ensaio de golpe no 7 de setembro – A mobilização que está sendo feita pela extrema direita tem um caráter golpista. Se ele forçar a barra nisso aí, o voto útil vai vir com toda força, na minha avaliação, para tirar ele; e esse voto vai favorecer a quem estiver na frente. Bolsonaro está usando a autoridade dele, de comandante em chefe das Forças Armadas, para constranger os generais, os militares. Essa é uma coisa que as pessoas às vezes não levam em conta: o militar é disciplinado. Quem está no vértice da hierarquia militar é o Bolsonaro. Quando ele fala um negócio desse, pode tanto estar querendo realmente fazer o tal desfile militar em Brasília e na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro como ele pode estar querendo testar a cadeia de comando para ver quem são os generais que vão se opor a ele nisso. É difícil saber o que passa pela cabeça dele. Agora, é uma coisa absurda ele transformar as Forças Armadas em instrumento de campanha eleitoral. O que a oposição tem que fazer? Recorrer ao tribunal e tomar a decisão proibindo. E aí, o Exército vai ter que escolher entre uma ordem ilegal ou cumprir a Constituição.

 

Página 2 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Confira abaixo, em dois blocos, os vídeos com a íntegra da entrevista do jornalista Luiz Carlos Azedo ao Folha no Ar de terça:

 

 

 

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