Orlando Thomé Cordeiro — A política dos Gabriel Monteiro

 

Vereador carioca cassado Gabriel Monteiro

 

 

Orlando Thomé Cordeiro, consultor em estratégia

Que falta faz um Gabeira

Por Orlando Thomé Cordeiro

 

O Rio de Janeiro e o Brasil acompanharam com atenção a sessão da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro que aprovou a cassação do vereador Gabriel Monteiro. Foi um resultado acachapante: dos 50 vereadores presentes, 48 votaram a favor essa decisão. Isso só foi possível graças às denúncias feitas e às provas obtidas. Os áudios e vídeos gravados por esse criminoso são revoltantes.

Quem é essa criatura? Como conseguiu se eleger? Bem, assim como muitos fizeram nas eleições de 2018 e 2020, ele surfou na onda do denuncismo e da antipolítica. Tudo começou durante sua conturbada passagem pela Polícia Militar. Enquanto lá esteve, criou uma imagem de um paladino que lutava contra os diversos comandos da corporação. Gravava vídeos denunciando chefias, apresentando-se como perseguido e injustiçado. Depois de várias punições, acabou expulso, mas recorreu à Justiça e obteve a reintegração e 14 dias depois se licenciou para poder concorrer no pleito de 2020.

Em sua campanha e, posteriormente no mandato, manteve o padrão de comportamento, explorando algo que estava latente em parcelas significativas da sociedade: o ressentimento.  Como a tampa de uma panela de pressão que explode, começamos a ver pessoas nas redes sociais, nos ambientes de trabalho, nas reuniões familiares, atacarem ferozmente conquistas civilizatórias obtidas com muita luta.

Para elas, é inadmissível ver as mulheres livres para decidir seus destinos, a comunidade LGBT sair às ruas em suas paradas, os negros e pardos lutando por protagonismo. Sonham e lutam pela volta dos tempos em que menino vestia azul e menina rosa, a família tinha a composição tradicional, a mulher devia obediência ao marido, o homossexualismo era considerado doença a ser extirpada e os negros sabiam que seu lugar era na cozinha ou na senzala.

Adicionalmente, valorizam quem adota um comportamento tosco, grosseiro, em que a agressividade e a falta de urbanidade são características marcantes. O resultado foi a eleição do atual presidente, de governadores e de parlamentares que professam tais crenças e valores, alguns por convicção e outros por puro oportunismo. São defensores de bandeiras e posturas que as sociedades ocidentais aboliram desde o Iluminismo.

Voltando à sessão de ontem, a mídia denunciou que o governador havia entrado em campo, pessoalmente, para tentar salvar o estuprador, seu aliado e companheiro de partido. Segundo notícias, ele ligou diretamente para diversos vereadores propondo que se ausentassem na hora da votação de modo a impedir o quórum necessário. Para quem faz questão de se apresentar publicamente como um cristão convicto e dedicado tal atitude é simplesmente vergonhosa.

Felizmente, o resultado da votação de ontem foi obtido em grande medida devido à pressão da opinião pública e da mídia, além das manifestações nas redes sociais, levando os parlamentares a tomarem a decisão correta, muitos deles, provavelmente, movidos pela vergonha de vir a público defender um estuprador.

Só que o processo não foi concluído ontem. O criminoso, agora cassado, está tentando manter a sua candidatura a deputado federal pelo PL, partido do presidente e do governador. Aliás, o interesse em sua candidatura é de tal ordem que o partido, mesmo após todas as provas apresentadas desde o início do processo, optou por mantê-lo na lista de candidaturas para as próximas eleições. É obrigação do Ministério Público Eleitoral requerer a cassação do registro de candidatura e da Justiça Eleitoral acatar. Provas não faltam, mas sabemos que no Brasil quem tem força política e dinheiro pra contratar bons advogados consegue encontrar brechas processuais para manter diversos criminosos livres, leves e soltos. Nesse caso já se sabe que pretendem usar como argumentação o fato do requerimento da candidatura ter sido feito antes da cassação ser consumada.

Se tal vergonha vier a se consumar, ainda nos resta uma arma que é exercer, de maneira consciente, nosso direito de voto nas próximas eleições. É imprescindível elegermos futuros parlamentares que, independentemente de filiação partidária, tenham uma história pregressa de comportamento ético e responsável, não adotem as conhecidas modalidades de compra de voto e, last but not least, o compromisso inarredável com a defesa do Estado Democrático de Direito.

Precisamos de gente séria e competente, que não troque seus princípios e valores por qualquer negociata ou por orçamentos secretos. Precisamos de quem tenha capacidade de articular com seus pares e com a sociedade a busca de soluções eficazes para os problemas que afligem a população do Rio de Janeiro e do Brasil. Infelizmente, salvo honrosas exceções, a atual representação parlamentar do nosso estado no Congresso Nacional é de muito baixa qualidade. E na Alerj a situação não é diferente.

Estamos a 43 dias das eleições e nós, cidadãos e cidadãs fluminenses, temos nas mãos a possibilidade de escolher candidaturas das quais possamos nos orgulhar. Será a oportunidade de impedir a continuidade, a volta ou a entrada de quem esteja envolvido em casos de corrupção e desvio de dinheiro público.

Nessa hora um nome me vem à mente, de forma recorrente, como símbolo do que precisamos: Gabeira. Que falta ele faz. Minha esperança é elegermos muitas e muitos novos parlamentares desse quilate.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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