Se alguém realmente tinha dúvida que a bancada do Jornal Nacional (JN), formada pelos jornalistas William Bonner e Renata Vasconcellos, seria tão assertiva na sua sabatina com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na noite de hoje, quanto foi na segunda (22) com o presidente Jair Bolsonaro (PL), terá que fazer a mesma autocrítica que costuma cobrar a quem governou o país por 13 anos. Sem refresco, a entrevista de 40 minutos com o petista foi dividida em oito temas: 1) corrupção, 2) Procuradoria Geral da República (PGR), 3) economia, 4) governo Dilma Rousseff (PT), 5) Centrão, 6) Geraldo Alckmin (PSB), 7) radicalismo da militância petista e 8) política internacional e apoio a ditaduras “companheiras” na América Latina. Ao final, como foi com Bolsonaro, duas certezas: quem já votava em Lula, continuará votando; quem já votava no capitão, também.
Lula começou visivelmente nervoso. Indagado de cara por Bonner sobre a corrupção sistêmica e comprovada nos governos do PT, o ex-presidente deu conhecidas e gastas respostas prontas: “a corrupção só aparece quando se permite que ela seja investigada”, “a Lava Jato causou prejuízos e desemprego no Brasil”, “tem que investigar os corruptos, mas não quebrar as empresas”.
Perguntado depois por Renata sobre uma questão fundamental às investigações, sobre o fato de não revelar se vai respeitar ou não a lista tríplice do Ministério Público Federal (MPF) para escolher o sucessor de Augusto Aras, escolhido por Bolsonaro fora da lista, Lula deu uma resposta tão tucana quanto o vice “socialista” da sua chapa: “tem que deixar as pessoas com uma pulguinha atrás da orelha”. Aliás, foi falando sem dizer sobre a PGR, que o ex-presidente citou pela primeira vez Geraldo Alckmin. E o faria novamente diversas vezes.
Quando Bonner voltou para falar de economia, Lula se saiu tão bem quanto, supreendentemente, se saiu Bolsonaro na segunda. Lembrou dos feitos do seu governo na área, tão comprovados quanto a corrupção, e citou um tripé. Não o macroeconômico meta de inflação/superávit fiscal/câmbio flutuante que copiou do “neoliberal” Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas outro: “credibilidade, previsibilidade e estabilidade”. E, junto ao seu bordão mais famoso, emendou um novo para acenar ao mercado: “Nunca antes na história desse país houve uma chapa, como a Lula/Alckmin, para gerar credibilidade externa e interna”.
Se lembrou dos feitos econômicos dos seus dois governos, Lula também foi confrontado pelos desacertos na área cometidos por Dilma. Da qual admitiu erros. Mas disse que, após a própria Dilma supostamente tê-los reconhecido, buscando mudanças na economia, teria sido impedida por Eduardo (a quem citou duas vezes, sem lembrar do sobrenome Cunha) na Câmara e por Aécio Neves (PSDB) no Senado. Quando Bonner perguntou por que os erros de Dilma não se repetiriam no eventual novo governo Lula, este deu sua entrada mais de sola: “Quando outro assumir o lugar de Bonner no JN, você vai descobrir que ‘rei morto é rei posto’”.
Quando foi cobrado a falar do Centrão, que apoiou o seu governo, o do FHC, o de Dilma, apoia o de Bolsonaro e apoiará qualquer outro, Lula deu sua melhor resposta após Renata lembrar do Mensalão como fórmula de negociação do PT com o Congresso. O ex-presidente lembrou do Orçamento Secreto, que classificou corretamente como “uma excrecência”. Disse nada com coisa nenhuma ao lembrar que “o Centrão não é um partido político”. Mas foi contundente ao lembrar que o Orçamento Secreto “não é moeda de troca, é usurpação de poder. Bolsonaro não governa nada, é refém do Congresso. Quem faz o orçamento é o (Artur) Lira (PP/AL)”.
Questionado por Bonner sobre a não aceitação de Alckmin por parte da militância do PT, manifesta em diversos episódios de vaias ao seu vice, Lula buscou prestigiá-lo para acenar novamente ao eleitor de centro que definirá a eleição presidencial: “O Alckmin já foi aceito de corpo e alma. A experiência dele como governador de São Paulo e vice do (falecido ex-governador paulista Mário) Covas (PSDB) vai me ajudar a governar”. Disposto a encarnar em sua chapa a reação da Nova República contra o bolsonarismo, disse uma frase que deixou saudosos os democratas de meia e terceira idade: “O Brasil era feliz com o PT x PSDB”. Não chamou os tucanos de “nazistas”, como fez na campanha de reeleição de Dilma, no Recife, em 2014.
Quando Bonner insistiu na questão da radicalidade de parte da militância petista, à qual o próprio Lula já definiu melhor como “aloprados” e que de fato criou no país o clima de “nós contra eles” espelhado no bolsonarismo, o ex-presidente apelou a metáforas com o futebol. Tão ao seu gosto como as de Bolsonaro com o casamento. O petista disse que “militância de partido é igual a torcida organizada, que não é a torcida do time”. Buscou se eximir da sua responsabilidade como líder de ambas. E, na única vez durante a sabatina, lembrou da “picanha e da cervejinha” que o povo voltaria a consumir se ele voltar ao poder.
Foi quando Renata perguntou do motivo de grande parte do agronegócio hoje apoiar Bolsonaro, que Lula cometeu sua maior gafe. Disse que era porque seu governo e o de Dilma foram rigorosos “na política em defesa da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica”. Só após ser lembrado por Renata que sua resposta transformava todo o agronegócio brasileiro em criminoso ambiental, que o petista separou o joio do trigo. E pediu que a jornalista entrevistasse as lideranças do setor para falar de como este se teria se dado bem durante os seus governos.
Na última pergunta, Bonner ainda teve tempo de perguntar sobre política internacional e do apoio pessoal do ex-presidente às ditaduras de esquerda na América Latina. Como de fato são os governos de Cuba, Venezuela e Nicarágua. Ganhando a luta por pontos, Lula se esquivou do último golpe com uma finta retórica: “Cada país que cuide do seu nariz”. Em sua declaração final de um minuto, prometeu ao futuro a maior virtude do seu passado como presidente: “colocar o pobre no orçamento do país, na universidade”. E acenou a quem, até agosto, inclina ao seu lado a eleição de outubro: “vamos negociar as dívidas de 70% das famílias brasileiras, a maioria mulheres”.