Debate da Band — Quem fez Bolsonaro suar foram Tebet e Ciro

 

Cientista social Luiz Felipe D’Avila (Novo), ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), senadora Simone Tebet (MDB), presidente Jair Bolsonaro (PL), senadora Soraya Thronicke (União) e ex-ministro Ciro Gomes (PDT) no debate presidencial da Band na noite de ontem

 

 

Os debates presidenciais passaram a ser referência na escolha do voto do eleitor desde 23 de setembro de 1960, quando se deu o primeiro transmitido ao vivo pela TV, entre um então jovem senador democrata, John Kennedy, e o então vice-presidente republicano dos EUA, Richard Nixon. Kennedy fez Nixon, literalmente, suar. E venceu uma eleição dura para levar a Casa Branca. Passados 62 anos, os debates não têm a mesma importância na definição do voto do eleitor, sobretudo numa eleição já tão polarizada entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), e que se consumará no Brasil em 2 de outubro, daqui a apenas 34 dias. Se tivesse, o debate promovido pela Band na noite de ontem (28), a senadora Simone Tebet (MDB) estaria mais perto de ser a segunda mulher a ocupar o Palácio do Planalto. Mas é só olhar todas as pesquisas, nas quais ela figura em 4º lugar, para perceber o quanto isso está distante da realidade. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT), em 3º lugar na corrida, também foi outro destaque positivo.

No confronto direto entre os dois líderes de todas as pesquisas, Bolsonaro se saiu melhor do que Lula. Não por ter chamado o ex-presidente duas vezes de “ex-presidiário”. Mas por ter feito do tema corrupção o de principal interesse dos mais de 1,5 milhão de telespectadores ao vivo, nos dois primeiros blocos do debate da Band, divididos em três. Após trazer de volta ao centro do picadeiro o assunto que lhe deu a vitória sobre o PT em 2018, sobre temas mais urgentes ao presente como a inflação e a fome, o capitão seria o vencedor real da noite, pela vitória parcial no embate particular com Lula. Mas, ao contrário da sua sabatina do Jornal Nacional (JN) na segunda-feira passada (22), Bolsonaro não conseguiu deixar de ser Bolsonaro no debate de ontem da Band. E, diante do eleitorado majoritariamente feminino do Brasil, se revelou nos seus ataques machistas de botequim contra a jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura, que dirigiu pergunta a ele e a Ciro no segundo bloco, sobre a pandemia da Covid-19.

LULA x BOLSONARO —  Antes de se perder, sobretudo em relação à definição no voto dos indecisos, Bolsonaro foi bafejado pela sorte. E soube aproveitá-la. Por ordem definida em sorteio, coube a ele abrir logo no primeiro bloco o confronto direto entre os candidatos. E, após dar números e fazer comparações sobre o Petrolão nos governos do PT, indagou a Lula: “O senhor quer voltar ao poder para quê? Para continuar fazendo a mesma coisa na Petrobras?”. Veterano de disputas e debates presidenciais, desde 1989, o petista pareceu ontem apático. Não repetiu o que fez no JN da quinta (25), quando foi indagado sobre o milionário Mensalão e rebateu de cara com o bilionário Orçamento Secreto de Bolsonaro e do Centrão. Na Band, Lula ontem só se defendeu, listando as medidas que os governo do PT adotaram para facilitar a investigação e a transparência.

A campanha petista quis justificar após o debate, dizendo que seu candidato não quis se mostrar agressivo para buscar o eleitor médio. Mas o Lula de outrora não teria a menor dúvida de contra-atacar, além do Orçamento Secreto, com os escândalos no Ministério da Educação e de rachadinha e evolução patrimonial dos filhos de Bolsonaro.

CIRO X BOLSONARO I — No primeiro bloco, coube a Ciro confrontar diretamente Bolsonaro. Perguntou a ele sobre declaração recente de que o Brasil não teria gente passando fome. O presidente respondeu com a redução no preço dos combustíveis, que o fez virar o voto da classe média sobre Lula nas pesquisas; e com a elevação do Auxílio Brasil, de R$ 400,00 a R$ 600,00, com o qual já começa a ganhar intenções de voto com o eleitor pobre, no qual Lula tem sua maior vantagem. Ciro contra-atacou com os números reais da miséria no Brasil, dados pela Rede Penssan: 33,1 milhões de brasileiros passando fome e 125 milhões de brasileiros que não conseguem completar as três refeições diárias. O pedetista disse querer “encerrar essa disputa de quem é mais Papai Noel em véspera de eleição”. E propôs a criação do programa de Renda Mínima na Previdência, pensado pelo petista Eduardo Suplicy e esnobado pelo PT.

TEBET LEMBRA COVID — De maneira indireta, Tebet também se destacou no primeiro bloco no enfrentamento a Bolsonaro. “A pandemia poderia ter sido muito melhor gerida se nós tivéssemos um presidente da República sensível à dor alheia. Lamentavelmente, no momento em que o Brasil mais precisou do presidente da República, ele virou as costas para a dor das famílias enlutadas brasileiras. E negou vacina no braço do povo brasileiro. Eu sei porque estava na CPI (da Covid no Senado), eu estudei os documentos: atraso de 45 dias na compra de vacina. Quantas famílias perderam prematuramente seus filhos, quantas mães perderam filhos, quantos filhos perderam pais? E eu não vi o presidente da República pegar a moto dele e entrar num hospital para dar um abraço a uma mãe que perdeu um filho. Eu vi mais do que isso, vi um escândalo na corrupção na compra de vacina, como se a vida pudesse custar 1 dólar”, disse Tebet, em resposta à pergunta sobre Saúde Pública da senadora Soraya Thronicke, presidenciável do União Brasil.

CIRO x BOLSONARO II — No segundo bloco, com uma pergunta para cada dois presidenciáveis, após a refrega inicial entre Bolsonaro e Lula sobre o Auxílio Brasil, veio a pergunta de Vera Magalhães sobre a demora na compra de vacina contra a Covid, já roçada no bloco anterior por Tebet. E na consequência da atitude do Governo Federal na queda de cobertura vacinal contra outras doenças. Ciro foi o primeiro a responder. E o fez após questionar com números a afirmação anterior de Bolsonaro de que “a economia está bombando”. Sobre a questão da vacinação, falou também da premiação que recebeu da ONU, quando era governador do Ceará, pelo combate à mortalidade infantil com os 100% de cobertura no estado.

BOLSONARO SENDO BOLSONARO — Quando foi responder à jornalista, Bolsonaro foi Bolsonaro: “Vera, eu não poderia esperar outra coisa de você. Eu acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim (…) Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”. Ciro e Tebet intervieram em defesa da jornalista, ao que Bolsonaro respondeu novamente como Bolsonaro: “Não pedi a tua opinião”. Aos seus eleitores, a opinião de passar pano em tudo é previamente conhecida. A dos que ainda não são, mas precisará para vencer a eleição, sobretudo das mulheres, a dúvida ficou ainda maior.

LULA x CIRO — Na pergunta seguinte, feita pela jornalista Patrícia Campos Melo, da Folha de São Paulo, sobre a possibilidade de apoio do PDT a Lula, num eventual 2º turno contra Bolsonaro, feita ao petista e ao pedetista, foi melhor resumida em análise anterior do debate da Band, feito por Christiano Abreu Barbosa, diretor do Grupo Folha e blogueiro do Folha1: “(Lula) Acenou paz para Ciro, que respondeu com chumbo”. O ex-presidente respondeu primeiro, dizendo que Ciro “tem o coração mais mole do que a língua”. E foi chamado de “encantador de serpentes” pelo cearense. Que, no entanto, lembrou que dos 10 milhões de desempregados hoje no Brasil de Bolsonaro, 12 milhões foram legados pelos governos do PT.

Lula respondeu em tom mais duro, não aceitando a responsabilidade política por Bolsonaro. E alfinetou Ciro, dizendo que não foi para Paris no 2º turno de 2018, lembrando que estava preso para não vencer aquela eleição. Mas mentiu ao dizer que foi absolvido da sua condenação por corrupção pela Lava Jato. Que, na verdade, só foi anulada no Supremo Tribunal Federal (STF) por questão de foro e da parcialidade do julgamento de Sergio Moro, sem julgamento até hoje do mérito das acusações, perto da prescrição.

TEBET DESAFIA BOLSONARO — Na pergunta seguinte, a jornalista Thays Oyama, do UOL, destinou a sua sobre a questão dos direitos da mulher às candidatas Tebet e Soraya. A primeira, inicialmente frisou que a defesa da mulher não é uma pauta que possa ser capturada pela esquerda ou pela direita. E que as mulheres no Brasil recebem em média 20% a menos que os homens nos mesmos cargos, diferença que chega a até 50% se a mulher for negra. E aproveitou para criticar o PT, creditando ao partido, como Ciro, a instalação do “nós contra eles” no pensamento político brasileiro. Soraya se solidarizou com a jornalista Vera Magalhães, atacada por Bolsolnaro. E Tebet voltou para enfrentá-lo frontalmente. Após dar números da violência contra a mulher no país, ela disse que isso tem que se combater com exemplo:

— Exemplo que o presidente não dá quando desrespeita as mulheres, quando fala das jornalistas, quando agride, ataca e conta mentiras, como acabou de fazer. Eu quero dizer que eu não tenho medo, que fake news e robôs do seu governo não me amedrontam. Então, quero quero dizer para o presidente da República — disse ao se virar, com o dedo em riste, para encarar Bolsonaro, ao seu lado esquerdo —, nem é para o candidato, que fabrica fake news e que fala inverdades: Eu não tenho medo de você e dos seus ministros! — desafiou Tebet em rede nacional.

SORAYA E BOLSONARO DE TCHUTCHUCA — A pergunta seguinte foi sobre liberdade religiosa no estado laico. Feita pela jornalista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, foi destinada ao cientista político Luiz Felipe d’Avila, presidenciável do Novo, e a Soraya Thronicke. Quando esta também enquadrou o presidente em rede nacional por sua postura machista. “Quando eu vejo o que aconteceu agora com a Vera (Magalhães), eu fico extremamente chateada. Quando homens são tchutchuca com outros homens (Bolsonaro foi chamado recentemente por um youtuber de “tchutchuca do Centrão”), mas vem para cima da gente (mulheres) sendo tigrão, eu fico extremamente incomodada. Nós dizíamos lá atrás que o PT nos separava para conseguir manipular. E este governo está fazendo a mesma coisa. Temos que não permitir que as pessoas fiquem na política usando o nome de Deus em vão. É vergonhoso!”.

TEBET X BOLSONARO — Se a sorte sorriu a Bolsonaro no primeiro bloco, quando soube aproveitá-la ao dirigir a Lula a sua primeira pergunta pelo critério do sorteio, não foi diferente com Tebet na abertura do terceiro bloco. Ela enumerou várias atitudes do capitão contrárias a mulher, para indagá-lo: “Candidato Bolsonaro, por que tanta raiva das mulheres?”. O presidente se preocupou em falar em tom de voz baixo e polido. Citou políticas de seu governo para a mulher, cumprimentou a primeira-dama Michelle Bolsonaro, falou de médicas bolsonaristas que teriam sido maltratadas na CPI da Covid, pregou o “chega de vitimismo” e o “não fica aqui fazendo joguinho de mi-mi-mi”, garantiu ter “certeza de que grande parte das mulheres do Brasil me amam” e engatou no discurso contra as drogas e pela família.

CIRO X BOLSONARO III — Talvez assustado com a reação das candidatas ao seu ataque contra Vera Magalhães, Bolsonaro perguntou quem faltava, quando chegou a sua vez de indagar outro candidato. Informado pela bancada que faltavam Tebet, Soraya e Ciro, escolheu o único homem para propor: “Vamos bater um papo aqui sobre mulher, Ciro”. E perguntou a opinião do pedetista sobre os programas do seu governo destinadas a mulher. Ouviu que a atitude do presidente contra a jornalista e seu crédito pelo nascimento da única filha mulher a uma “fraquejada”, jogavam por terra qualquer política pela mulher. Bolsonaro disse que já se desculpou pela “fraquejada” e lembrou a declaração de Ciro, na eleição presidencial de 2002, de que “a missão mais importante da sua esposa era dormir contigo”. O cearense admitiu o erro, disse que já se desculpou várias vezes e partiu para cima do capitão:

— Eu estou falando da sua falta de escrúpulo. Você corrompeu todas as suas ex-esposas, todas elas estão envolvidas em escândalos. Você corrompeu os seus filhos. Essa é a questão. E tendo prometido que iria combater a corrupção do PT e do Lula. Essa é a grande contradição que você tem que explicar. Eu não queria trazer esse tipo de argumento aqui, a não ser pela sua falta de caráter de trazer um assunto pessoal de 20 anos atrás de alguém que, criado em cultura machista, reproduziu cultura machista. Mas eu aprendi isso. Você é que não aprende nada, nunca. Porque você é uma pessoa que não tem coração. Simular sufocamento enquanto o povo estava morrendo por falta de oxigênio em Manaus, dizer que não é coveiro com milhares de famílias brasileiras enlutadas. O Brasil tem 3% da população do mundo e é responsável por 11% das mortes (por Covid) no mundo.

LULA x TEBET — Depois, Lula perguntou a Tebet sobre a corrupção que ela investigou no governo Bolsonaro, na CPI da Covid. A senadora confirmou que houve, na tentativa de compra superfaturada da duvidosa vacina Covaxin, mas complementou ao petista: “Este governo (o de Bolsonaro) tem esquema de corrupção, como teve o seu”. Após enumerar alguns deles, ela terminou lembrando o que já tinha dito em entrevista a Globo News de 26 de julho: “E agora talvez o maior escândalo do Brasil de corrupção, o tempo dirá, o Orçamento Secreto. A consequência do Mensalão e do Petrolão vai ser a do Orçamento Secreto”.

“EX-PRESIDIÁRIO” I — Logo depois, Bolsonaro ganhou um direito de resposta. Que aproveitou para chamar Lula de “ex-presidiário” pela primeira vez: “Bem, é do Lula: ‘Ainda bem que a natureza criou esse monstro do Coronavírus’. Que moral tu tem para falar de mim, hein, ô, ex-presidiário?”.

“EX-PRESIDIÁRIO” II — Nas considerações finais, Ciro e Tebet voltaram a se destacar, parecendo sinceros em seus apelos emocionais por uma chance ao eleitor. A presidenciável do MDB frisou: “O Brasil é muito maior que Lula e Bolsonaro”. Entre os dois, Bolsonaro repetiu seu refrão “Deus, pátria, família e liberdade”, chamou Lula de ex-presidiário pela segunda vez e disse que o vice dele, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSB), “homem religioso, resolveu cantar a Internacional Socialista”.

LULA PERDEU O TEMPO — Lula já havia falado antes. Quando aproveitou suas considerações finais para também se solidarizar com a jornalista Vera Magalhães, lembrar da importância de Alckmin na sua chapa em 2022 e classificar de “golpe” o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016. Mas também ganhou um direito de resposta. Que usou para falar da “irresponsabilidade de um presidente da República que me chamou duas vezes de ex-presidiário. A razão pela qual eu fui preso, foi para ele se eleger presidente da República. Eu, nesse processo todo, estou muito mais limpo do que ele ou qualquer parente dele”. Contra-atacou muito tarde na questão da corrupção, disse mais uma vez que foi julgado inocente — o que não é verdade — e ia ameaçando Bolsonaro de cortar “num decreto só todos os seus sigilos”. Mas faltou tempo para concluir a frase.

Como Kennedy com Nixon nos EUA de 1960, quem fez Bolsonaro suar nesse primeiro debate presidencial do Brasil de 2022 foram Tebet e Ciro.

 

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