Lula bate boca e direito de resposta vence o debate da Globo
Após sua postura passiva no debate presidencial da Band, quando não contra-atacou às acusações de corrupção feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) devolveu na mesma moeda seu principal antagonista no esperado debate da Globo, encerrado esta madrugada. Mas acabou perdendo a linha com um desqualificado escudeiro do capitão, o Kelman (PTB) autoproclamado padre da Igreja Sirian Ortodoxia de Antioquia no Brasil. Esta já tinha informado em nota oficial que o suposto sacerdote “nunca foi seminarista ou membro do clero da Igreja em nenhum dos três graus da ordem, quer no Brasil ou em outro país”. Definido como “padre de festa junina” pela senadora Soraya Thronicke (União), o fato é que o presidenciável do PTB de Roberto Jefferson conseguiu tirar Lula do sério em bate-boca no terceiro bloco do debate, nivelando este por baixo. Entre os candidatos, a melhor voltou a ser a senadora Simone Tebet (MDB). Mas o grande vencedor foi o direito de resposta. Foram 10 durante o evento.
CIRO x LULA — Líder em todas as pesquisas, com possibilidade em algumas de fechar o pleito já no 1º turno de 2 de outubro, daqui a apenas dois dias, Lula foi o alvo preferencial do debate da Globo. Com tema livre, coube a ele abrir o evento, escolhendo Lula para falar sobre as contradições econômicas dos 13 anos do PT do poder. O ex-presidente respondeu lembrando os feitos do seu governo na área. O ex-ministro de Lula lembrou que os desacertos criaram Bolsonaro. Ao que o ex-presidente respondeu que o governo que antecedeu o atual não foi de Dilma, mas o de “um golpista”. Referiu-se claramente ao ex-presidente Michel Temer, o que não deve ajudar à aliança do PT com o MDB em caso de 2º turno.
BOLSONARO, KELMAN E DIREITOS DE RESPOSTA — Por sorteio, coube a Kelman escolher logo depois, abrindo sua tabela com Bolsonaro. Que, na sua última resposta, chamou Lula de “chefe de uma grande quadrilha”, criando ainda uma nova fake news: que o petista “defendia que se roubassem celulares para se tomar uma cervejinha”. Com seu primeiro direito de resposta concedido na Globo para abrir a caixa de ferramentas fechada no debate da Band. E citou a “quadrilha das rachadinhas da família dele, a quadrilha do ministério da Educação com barras de ouro, a quadrilha da compra de vacina”. Bolsonaro também ganhou direito de resposta, chamou Lula de “ex-presidiário”, disse que “a CPI da Covid não provou nada” e bradou: “tenha vergonha na cara, Lula”. Este, em novo direito de resposta, apostou: “É por isso que o povo em 2 de outubro vai te mandar para casa”. E ameaçou: “Vou fazer um decreto para acabar com os seus sigilos de 100 anos”.
TEBET AO CAPITÃO: “COVARDE” — Na vez de Bolsonaro escolher seu interlocutor, teva chutada a escada que pretendeu fazer com Tebet. A quem perguntou sobre as menções da sua vice, a senadora Mara Gabrilli (PSDB), teria feito sobre um suposto envolvimento de Lula no assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel (PT), morto a tiros por assaltantes que o sequestraram para roubar, em 2002. A candidata do MDB respondeu que Bolsonaro deveria perguntar isso a Lula, que estava ali. E que preferia falar do problema da fome no Brasil, que seu presidente fala que não existe. Bolsonaro insistiu e Tebet também: “Deveria perguntar a Lula, que está aqui, mas não o faz porque é covarde. Assim como atrasou 45 dias para comprar a vacina (contra a Covid)”.
MAIS DIREITOS DE RESPOSTA — Lula ganhou um novo direito de resposta, disse que Celso Daniel era seu amigo, lembrou que o TSE suspendeu as ilações sobre a morte do ex-prefeito das páginas bolsonaristas e advertiu Bolsonaro: “Você tem uma filha de 10 anos que está assistindo”. Em novo direito de resposta, o capitão voltou a chamar Lula de “ex-presidiário”, o desafiou a dizer qual sigilo de 100 anos tinha decretado sobre sua família, disse que atuou para comprar a vacina contra a Covid e que seu adversário “foi condenado em três instâncias (do Judiciário), mas se livrou por um amiguinho seu no Supremo (o ministro Edson Fachin, nomeado pela presidente Dilma)”.
SORAYA x KELMAN I — Após Soraya Thronicke escolher Kelman para perguntar se ele, como suposto padre, tinha dado a extrema-unção para alguma das mais de 686 mil vítimas fatais da Covid no Brasil, ou se não tinha medo de ir para o inferno por conta do descaso com elas e suas famílias, coube a Lula outro direito de resposta. Que usou para dizer o que tinha feito no governo para combater a corrupção, antes de falar das denúncias que pesam sobre a família de Bolsonaro na compra de imóveis com dinheiro vivo, mas acabou perdendo o tempo para completar o raciocínio.
TEBET x BOLSONARO II — No segundo bloco, onde os candidatos poderiam escolher o adversário para perguntar, mas a partir de um tema sorteador pelo mediador William Bonner, Tebet escolheu Bolsonaro para falar sobre mudança climática. E perguntou sobre o que seria diferente em um novo governo seu, com o atual marcado pelo maior desmatamento em 15 anos no país. No lugar de responder, o presidente provocou a interlocutora. Disse que Tereza Cristina (PP), sua ex-ministra da Agricultura, teria tirado a vaga de senadora de Tebet no Mato Grosso do Sul. A presidenciável do MDB respondeu dizendo que Bolsonaro “mente tanto que acredita na própria mentira”.
“PADRE DE FESTA JUNINA” — Quando o tema sorteado foi o combate ao racismo, Soraya pediu que Kelman comentasse o fato de Bolsonaro ter tido na presidência da Fundação Zumbi um negro, Sérgio Camargo, contra a luta antirracismo. Após Kelman ter relatado sua experiência atendendo a refugiados da Venezuela, a senadora o ironizou: “agora perdeu o emprego de cabo eleitoral”. E depois chamou o suposto clérigo de “padre de festa junina”. Depois, quando ganhou o sétimo direito de resposta do debate, Kelman disse que nele não estava sendo respeitado “o valor de um sacerdote”.
BOLSONARO FOGE DE LULA — No terceiro bloco, aberto por Bolsonaro, quando poderia escolher qualquer adversário para perguntar o que quisesse, ele preferiu fugir de Lula para falar da recuperação econômica do país numa dobradinha com o cientista político Felipe D’Avila (Novo). Que endossou o presidente: “Seria um desastre se a esquerda voltasse a governar o Brasil”.
KELMAN x LULA II — A tarefa de confrontar Lula no bloco sobre corrupção foi terceirizada a Kelman, que leu uma pergunta acusando o ex-presidente de ser o “chefe do esquema” dos escândalos de corrupção dos governos petistas. Interrompido seguidas vezes em sua resposta, Lula demonstrou pouca inteligência emocional ao cair no bate-boca com o suposto sacerdote. Bonner teve que intervir. Com seu direito à fala restituído, Lula disse: “Sou cristão, casado na Igreja. Não estou vendo um padre, estou vendo um impostor”. Ao anunciar a negativa a um pedido de direito de resposta de Bolsonaro, Bonner o lembrou que ser nome sequer tinha sido citado.
CIRO x BOLSONARO — Coube a Ciro perguntar a Bolsonaro, que falou sobre a queda do PIB no governo Dilma e a corrupção generalizada nos governos do PT, que continuava com Bolsonaro, nos escândalos da sua família. O capitão disse que o PIB caiu em seu governo, foi lembrado pelo pedetista que este tinha se referido ao período Dilma, mas insistiu em ato talvez involuntário de sincericídio: “mas caiu no meu também”. Ciro respondeu lembrando de casos de vendas subfaturadas do atual governo no setor petrolífero e do Orçamento Secreto. Bolsonaro creditou as vendas ao Conselho da Petrobras e disse que “o Orçamento Secreto é do Parlamento”.
TEBET, SORAYA E BOLSONARO — Após ter citado criticamente no debate entre Tebet e Soraya sobre educação, quando a presidenciável do União lembrou que “tem gente que se lambuza com leite condensado enquanto nossas crianças (na merenda das escolas públicas) comem bolacha com suco em pó”, Bolsonaro ganhou mais um direito de resposta. Quando voltou a creditar a responsabilidade pelo Orçamento Secreto ao Parlamento.
BOLSONARO BATE, SORAYA SENTE — Na abertura do quarto bloco, novamente com tema sorteado por Bonner, Soraya escolheu Bolsonaro quando tinha que perguntar sobre segurança pública. E forçou o tema ao perguntar ao presidente se, caso perdesse a eleição, ele tentaria dar um golpe de estado. O capitão partiu para cima da ex-aliada, dizendo que ela só se elegeu senadora com o apoio dele, e só teria passado à opositora após ter uma lista de cargos no Governo Federal não atendida. A senadora, visivelmente, sentiu o golpe.
CABO ELEITORAL NO MS E SP — No direito de resposta, o 9º do evento, Soraya disse ao presidente: “Não sou candidata laranja. Me respeite! Não respondeu se vai ou não tentar dar um golpe (se perder a eleição). Saí do governo porque ele abandonou as bandeiras que o elegeram: a liberal na economia e o combate à corrupção”. Como consequência gerou o 10º direito de resposta do debate da Globo, em que o presidente pediu que o eleitor de Mato Grosso do Sul, estado de Soraya, votassem no deputado estadual Capitão Contar (PTRB) a governador, disputa em que está em 5º lugar nas pesquisas. Depois, com o tema política cultural, Bolsonaro trocou figurinha com Kelman. E voltou a fazer papel de cabo eleitoral regional no debate presidencial, ao pedir voto a Mário Frias (PL), seu ex-secretário de Cultura e candidato a deputado federal em São Paulo.
CABO ELEITORAL II — Com o tema privatização, Ciro escolheu Soraya para indagar sobre a Petrobras. Antes de responder, a senadora voltou a se referir à sua refrega com o capitão. Disse que indicou três cargos ao Governo Federal, foi atendida em dois, mas estes teriam preferido sair “porque não quiseram fazer rachadinha”. Refeita, voltou à forma de melhor frasista desta campanha presidencial, ao criticar Paulo Guedes, ministro da Economia de Bolsonaro: “Falou-se muito do Posto Ipiranga, mas esse é de gasolina adulterada”. Depois, Soraya sentenciou: “O maior cabo eleitoral de Lula e do PT é Jair Bolsonaro”. Ao que Ciro completou: “Estou de pleno acordo”.
MAIS DO MESMO? — O 5º e último bloco foi dedicado às considerações finais sete dos candidatos. Nada que parecesse capaz de fazer o eleitor dar outro fim ao seu voto, daqui a apenas dois dias, do que já pretendia antes do debate da Globo.