Ainda aguardamos o debate dos grandes temas nacionais
Por Jefferson Manhães de Azevedo
Em um cenário de regressão de indicadores sociais e econômicos de até 30 anos, trazendo o Brasil ao mapa da fome, de acordo com a ONU, e levando a Insegurança Alimentar das famílias brasileiras aos idos de 92, com mais de 33,1 milhões de brasileiros sem ter o que comer e quase 60% da população convivendo com a insegurança alimentar em algum grau, de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, aliado a um conjunto de movimentos que tentam, insistentemente, desacreditar o sistema de votação eletrônica que vem se consolidando no Brasil desde 1996, com admiração e reconhecimento internacional, além de constantes ataques aos pilares democráticos da nação, e forte reação da sociedade civil organizada, o Brasil inicia o sufrágio popular para a escolha dos seus representantes em âmbito estadual e nacional.
Com cronograma de desembolso a partir do início do mês de agosto, os R$ 41,2 bilhões autorizados pelo Parlamento brasileiro para robustecer existentes e novas ações sociais do Governo Federal, ao longo dos últimos cinco meses do ano e a menos de 90 dias das eleições, foram vistos por muitos com potencial para uma reversão no cenário eleitoral, especialmente entre as duas candidaturas que lideram as pesquisas eleitorais em todo o corrente ano, respectivamente a do ex-presidente Lula e do atual presidente Jair Bolsonaro. Já a partir do mês de julho, não só impactada pelas notícias da proximidade dos novos auxílios, mas também pela redução dos valores dos combustíveis, somados a um movimento expressivo de adesão dos evangélicos, a candidatura do atual presidente da República passou a apresentar, até a semana passada, um consistente aumento de intenções de votos. Apesar de difícil mensuração e prognóstico do impacto destas medidas e ações já na primeira quinzena do mês de julho, não eram raras ou incomuns, especialmente de lideranças de partidos aliados, previsões de certa inversão nas intenções de votos entre os dois primeiros colocados nas pesquisas já em agosto. Até a semana passada, mesmo não evidenciando tal inversão, as pesquisas continuavam apontando um crescimento eleitoral da candidatura do atual presidente e uma tendência de a eleição não mais ocorrer em apenas um turno.
Entretanto, as pesquisas divulgadas esta semana (BTG/FSB, Ipec, CNT/MDA, Genial/Quaest e Datafolha) permitiram um grande número de análises, no sentido de que os dividendos eleitorais resultantes do recentíssimo alargamento do orçamento social federal começam a se estabilizar e não se mostraram, até agora, suficientes para uma inversão do cenário eleitoral de outubro. A novidade, porém, se detém no fortalecimento de candidaturas fora do espectro da polarização dos dois primeiros e distanciados colocados nas pesquisas. Chamadas de “terceira via”, especialmente as candidaturas de Ciro Gomes e Simone Tebet, agora com mais espaço e exposição, devido à campanha eleitoral, mostram-se em processo de leve expansão, apontando, se mantida a tendência positiva, um cenário eleitoral que vai sendo desenhado em dois turnos, porém sem alteração da posição dos atuais primeiros colocados que, devido à fidelidade da intenção de voto de seus eleitores, disputarão o cada vez mais provável segundo turno. Não surgindo fatos novos, as pesquisas também começam a apontar uma vantagem na captação dos votos pela candidatura que hoje desponta em primeiro e estável posição, a do ex-presidente Lula. Acresce a isso, de acordo com a última Genial/Quaest, que os eleitores dos candidatos Ciro Gomes e Simone Tebet preferem o candidato Lula ao candidato Jair Bolsonaro, em um eventual segundo turno. Sendo assim, a probabilidade e o cenário denotam, de acordo com a leitura das pesquisas desta semana, porém é um prognóstico conjuntural, uma consolidação de reprodução do resultado eleitoral no segundo turno similar ao do primeiro turno. Se este cenário se confirma, o atual ocupante da cadeira presidencial será o primeiro presidente a não ser reeleito desde que este instituto passou a ser permitido em nosso país.
Apesar de não tão longeva, é importante destacar que ainda estamos no início da campanha eleitoral, onde os demais candidatos, que não o candidato que exerce a presidência da República, terão, a partir de agora, espaços para apresentar seus programas de governo e pautar temas que compreendem relevantes ao debate nacional, espaço, até então, majoritariamente ocupado pelo segundo colocado nas pesquisas eleitorais. No entanto, do meu ponto de vista, o primeiro debate mostrou que assuntos que se mostram de grande relevância não foram tocados, como o racismo estrutural que transversa nosso tecido social e coloca grande parte de nossa população em situação de grande desvantagem e, não raras vezes, à margem. Outros temas que mobilizam a agenda internacional foram negligenciados ou tangenciados, como a questão do desenvolvimento sustentável, a necessária transição energética e a economia verde que, diante dos tristes e sucessivos recordes de queimadas e desmatamento na Amazônia, coloca o país em situação de isolamento internacional e compromete as exportações nacionais, especialmente grande parte de nossas exportações agrícolas, bem como nosso protagonismo na América Latina. Outro tema pouco explorado foi o de milhões de trabalhadores que vivem na informalidade ou estão em postos de trabalho formalmente frágeis e que precisam ser qualificados e formados, a partir de um esforço nacional de Educação Profissional e Tecnológica, bem como precisam ser alcançados por robustas políticas de proteção social. Somaria a estes, o “desfinanciamento” nacional da educação, ciência e tecnologia que comprometem a superação da grave crise econômica que se estende nos últimos anos, comprometendo a formação de novas e competentes gerações de trabalhadores, bem como adensaria e agregaria valor às cadeias produtivas nacionais frente a uma economia que cada vez mais exige conhecimento e inteligência no setor produtivo.
Por último, apenas como uma inquietação analítica, arrisco a dizer que mesmo com probabilidade muito diminuída, o fantasma do golpe pode ser reencarnado e voltar a assombrar a sociedade brasileira, ressuscitando, ora um pouco esvanecido, o medo de uma iminente derrocada democrática. Desta feita, o voto útil pode abreviar o pleito eleitoral em um único ato. Vamos aguardar as celebrações do Bicentenário da Independência e suas reverberações.
Publicado hoje na Folha da Manhã.