General vê uso eleitoreiro do 7 de setembro pelo capitão

 

Por Aluysio Abreu Barbosa, Cláudio Nogueira e Matheus Berriel

 

O que a gente pode dizer é que esse 7 de setembro, esse bicentenário, infelizmente, vai passar para a História como um episódio triste da trajetória da vida nacional, porque ele foi usado para fins eleitoreiros”. Foi o que disse na manhã de ontem, em entrevista ao Folha no Ar, o general da reserva da reserva do Exército Francisco de Brito Filho, que chegou a integrar o governo Jair Bolsonaro (PL) em seu início, como integrou, ainda na ativa e em função militar, o governo Lula (PT). Ele lamentou o descaso com o presidente de Portugal, Rebelo de Souza, no palanque de Brasília para comemoração do bicentenário da Independência do Brasil. E, no “comício eleitoral” do Rio de Janeiro, constatou “a situação muito difícil” do comando das Forças Armadas. “Cujo silêncio está sendo interpretado por muitos como conivência”, alertou. “Nenhuma força armada, de qualquer país, tem o direito de deixar a sua sociedade apreensiva; de deixar que o governante utilize de mensagens veladas, usando a imagem da Força para fins eleitoreiros”, comentou o general. Que chamou a atenção dos civis à necessidade de se impor limites legais para que candidatos militares voltem à sua Força, em caso de insucesso nas urnas, “como se nada tivesse acontecido”.

 

General da reserva do Exército Francisco de Brito Filho, ex-comandante do contingente brasileiro no Haiti, ex-comandante da Força de Pacificação no Complexo da Maré-RJ, ex-instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro (Eceme) e ex-comandante e ex-chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Nordeste

 

Seis mil militares no governo Bolsonaro – A questão dos 6 mil cargos militares, que dá uma impressão, um impacto muito forte nessa percepção de militarização do governo, nós temos que também dar um desconto. Por quê? Eu, como militar da ativa, já participei do governo Lula, integrando o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Mas, ocupando um cargo de natureza militar, dentro dos gabinetes de segurança institucional. Existem outros cargos também de natureza militar, que estão computados dentro desses 6 mil. Isso aí, logo no início do governo (Bolsonaro), foi um assunto muito questionado também, e o próprio TCU se manifestou no sentido de verificar se haveriam também um possível desvio de finalidade. Foram identificados alguns. Mas, bem menos de 6 mil. De qualquer forma, que sejam 200, já é uma coisa altamente indesejável, porque esses 200 militares, que vestem farda, deviam estar ocupando cargos de natureza militar, de preferência na estrutura militar de Defesa, e não cargos civis. De qualquer maneira, o TCU identificou isso, mas não conseguiu identificar nenhuma ilegalidade. Foi aí que derivou, inclusive, uma iniciativa louvável da deputada (federal) Perpétua Almeida (PCdoB/AC), no sentido de propor uma PEC que iria restringir essa participação dos militares fora desses limites legais constitucionais. Então, infelizmente, ela levou quase um ano para colher as assinaturas necessárias, e aí essa PEC, depois de feita essa coleta, já está encaminhada ao presidente da Câmara, mas não foi ainda colocada na pauta. Percebam que é uma coisa sensível. Houve a manifestação do poder político, do poder civil, sobre essa anomalia, mas ainda não apresentou nenhum resultado.

Militares ministros ganhando acima do teto constitucional – É preciso verificar com alto nível de detalhamento a verdadeira ocorrência desse valor acima de teto. Eu falo isso até por conta dessa minha experiência que tive no início do governo (Bolsonaro), junto ao Inep, que é uma autarquia vinculada ao Ministério da Educação, mais conhecida pela elaboração do Enem, mas é um instituto sensacional, que oferece outros produtos de importância muito relevante tanto para a educação quanto para a sociedade como um todo. Eu vivi essa experiência, a questão do teto. Eu tinha os meus vencimentos de militar da reserva e, ao receber os vencimentos referentes ao cargo de confiança, eu já havia ali uma preocupação muito grande da Casa Civil no sentido de que, uma vez atingido o teto, teria que ser reduzido o excedente do meu do meu contracheque. No meu caso, isso não chegou a se verificar. No cargo que eu assumi, os vencimentos referentes àquele cargo não extrapolavam esse teto. Mas eu vi colegas que viam os seus vencimentos referentes ao cargo de confiança serem reduzidos, justamente para não furar o teto. Então, eu vejo que pode ter ocorrido por alguma falha na administração, mas há uma postura de respeito a essa regra do teto no que se refere aos vencimentos dos militares que acabaram ocupando cargos de confiança no governo Bolsonaro.

Atos do 7 de setembro – O que a gente pode dizer é que esse 7 de setembro, esse bicentenário, infelizmente, vai passar para a História como um episódio triste da trajetória da vida nacional, porque ele foi usado para fins eleitoreiros. Agora, para poder fazer uma análise um pouco mais profunda, o nosso chefe de governo esteve presente em duas cidades: a capital federal, onde não poderia deixar de comparecer, e no Rio de Janeiro, que até trouxe uma consequência realmente muito triste e indesejável para a população do Rio de Janeiro, que ficou privada do desfile tradicional cívico-militar, não só dos militares, mas das escolas, que se realizava anualmente na avenida Presidente Vargas. Mas, dentro desse cenário negativo, há ainda que se destacar que houve alguns exemplos positivos. Vamos pegar primeiro o evento de Brasília: a ausência do chefe do Poder Judiciário e dos dois líderes do Poder Legislativo no palanque foi uma mensagem muito importante, que fortalece o nosso estado democrático de direito. Um outro aspecto muito negativo, em Brasília, foi a maneira como foi recebido e tratado o presidente de Portugal (Rebelo de Souza), que deixou o seu país, atravessou o oceano para prestigiar a antiga colônia, e foi tratado com total desprezo, descaso, desrespeito no palanque oficial pelo nosso presidente, que preferiu fiar ombreado por outras pessoas, outros atores, deixando de lado ali o único chefe de Estado.

No Rio de Janeiro – Vamos passar aqui para o Rio de Janeiro, onde o chefe de governo realizou um comício eleitoral. A participação das Forças Armadas nesses dois eventos, em Brasília, foi protocolar. No Rio de Janeiro é que eu entendo que o comando do Exército e das Forças Armadas foram colocados numa situação muito crítica, muito difícil, porque, de qualquer maneira, eles se subordinam ao chefe do Executivo, que é o comandante supremo das Forças Armadas, e não poderia deixar de participar de alguma maneira do evento, mesmo sabendo que o local escolhido e as condições que foram colocadas tinham um viés eleitoreiro explícito. Só havia duas posturas a adotar: ou se recusar a participar, de uma maneira taxativa, ou participar com a maior discrição possível. É lógico que, numa recusa taxativa de participar, iria se instalar uma crise num momento em que nós estamos precisando de estabilidade, às vésperas de uma eleição que promete ser bastante acalorada.

Uso das Forças Armadas – É lógico que existem militares da reserva que aderiram ao governo e se identificam como tal. O que precisa ser preservado é justamente essa politização das Forças Armadas, de que o militar fardado, que detém o monopólio do uso da força, está ali ombreando com projetos político-partidários do chefe de governo. E, por mais discreta que tenha sido essa participação, essa mensagem de alguma forma chegou à sociedade. E aqui eu não vou fazer uma crítica, mas vou fazer um comentário: nenhuma força armada, de qualquer país, tem o direito de deixar a sua sociedade apreensiva; de deixar que o governante utilize de mensagens veladas, usando a imagem da Força para fins eleitoreiros. E aí é que vem o meu comentário: eu acho que a estratégia do silêncio adotada pelas Forças Armadas está passando uma mensagem de coesão, está passando uma mensagem de disciplina, mas, de qualquer maneira, esse silêncio está sendo interpretado por muitos como conivência. Isso é muito ruim para as Forças Armadas. E aí é que eu digo que já está mais do que na hora de que essa estratégia de silêncio seja flexibilizada, para que a gente possa trazer tranquilidade para a sociedade. Nenhuma força armada tem o direito de deixar a sociedade apreensiva, a sociedade à qual ela serve. Ela tem obrigação de vir a público e desfazer qualquer mal-entendido. Ela tem que vir declarar oficialmente e desfazer mensagens veladas, desfazer essa falsa impressão de politização das Forças Armadas, que, infelizmente, é explorada pelo governante com fins políticos, partidários e eleitoreiros. Porque da mesma forma que ele faz junto ao eleitorado evangélico, ele está usando o mesmo artifício com as Forças Armadas.

Candidaturas de militares – O que nós temos que verificar é que as ideias defendidas pelo atual governo, autoritárias ou de extrema direita, elas, dentro do jogo democrático, conquistaram muitos corações e mentes. Ou seja, nós temos um segmento da sociedade, que não é desprezível, que realmente concorda com aquelas ideias mais autoritárias que estão sendo apresentadas por esse governo. E os militares da reserva também, como qualquer cidadão, podem mostrar adesão, simpatia a essas ideias mais radicais. A única maneira de tirar esses atores de cena é pelo voto. Não tem outro instrumento que, dentro do jogo democrático, tenha mais poder do que isso. Tem outro detalhe ainda, que é uma anomalia e que a mídia não costuma focalizar: o militar da ativa, no momento, com o arcabouço legal existente agora, ele pode se candidatar estando na ativa. Ele é afastado das Forças no momento em que apresenta o seu registro para as eleições. Então, é uma coisa praticamente simultânea. Ele se filia a um partido e lança a sua candidatura, e aí vem o que eu acho uma anomalia: se ele perde a eleição, ele retorna à Força. Isso não pode acontecer, porque, da mesma forma como o general Pazuello perdeu a sua neutralidade, esse militar que concorre a um cargo político, se filia a um partido, não pode simplesmente retornar a curso como se nada tivesse acontecido. Então, eu vejo que ainda há algum aperfeiçoamento a se introduzir nesse arcabouço legal, no sentido impedir a politização das Forças Armadas.

Forças Armadas no pleito – Faço parte de uma instituição que foi a minha vida. Saí de Fortaleza com 15 anos e deixei a farda com 55. São 40 anos de serviço. É uma instituição que tem bons líderes; que tem uma história que, se não foi apenas de sucesso, há um comprometimento das lideranças no sentido de reconhecer isso e de aprender com isso. E é isso que eu espero e tenho a convicção de que a sociedade pode esperar uma postura constitucional durante as eleições, respeitosa aos resultados das eleições, e que, após virada essa página, nós consigamos continuar trilhando esse caminho de aproximação com todos os segmentos da sociedade, porque essa é a razão de ser das Forças Armadas do país.

 

Página 3 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Confira abaixo, em vídeo, a íntegra da entrevista do general Francisco de Brito Filho ao Folha no Ar da manhã de ontem:

 

 

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Este post tem 2 comentários

  1. César Peixoto

    Ele esqueceu de dizer que a mídia e alguns artistas estão apoiando Lula descaradamente,,isso sim que é vergonha para o povo brasileiro dia 2 é 22.

  2. Cesar Peixoto

    Porque ele não falou que o nosso presidente vem sendo massacrado pela mídia, e os ministros do STF desde que assumiu a Presidência da República. E que lugar de corrupto e na cadeia.

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