“Sem que se faça um presente, não pode haver um futuro”, advertia em verso o poeta João Cabral de Melo Neto. Hoje, a decisão sobre o futuro do Brasil é pessoal e intransferível, entre você e a urna. Mas as tendências do presente na definição do futuro são coletivas. E foram reveladas pelas últimas pesquisas eleitorais de ontem, nas quais ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega hoje à urna com 50% contra os 36% do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas intenções de votos válidos (sem contar os brancos e nulos) na Datafolha, com 51% a 37% na Ipec (antigo Ibope), com 48% a 40% na MDA, e com 49% a 35% na Ipespe.
NO 1º OU 2º TURNO? — Na margem de erro de 2 pontos a mais ou menos dos três primeiros institutos, ou de 3 pontos do quarto, a grande dúvida hoje é: Lula pode ou não alcançar o mínimo de 50% + 1 dos votos já em turno único? Ou disputará o 2º turno, marcado para 30 de outubro, contra Bolsonaro? Nenhuma das pesquisas da véspera deu resposta definitiva na véspera da urna. Só sua apuração, fruto da decisão soberana dos 156,4 milhões de brasileiros aptos hoje a votar, como você, poderá dizer.
UMA DÚVIDA, DUAS CERTEZAS — Na dúvida sobre o prolongamento desta eleição presidencial para além da apuração das urnas de hoje, as pesquisas presidenciais só permitem duas certezas. A primeira é a liderança isolada de Lula na corrida, que se manteve durante todo este ano eleitoral em todas as pesquisas. A despeito dos bolsonaristas que as questionam, exatamente como os lulopetistas questionaram todas as que em 2018 projetaram a eleição de Bolsonaro a presidente. A segunda certeza sobre 2022? Haja ou não 2º turno, será por muito pouco.
TENDÊNCIAS — Para tentar responder à principal questão desta eleição presidencial, fundamental saber as tendências dos principais candidatos. Após bater boca com o “padre” Kelmon (PTB) no debate presidencial da Globo na madrugada de sexta (30), Lula apresentou estabilidade na Datafolha (manteve 50% das intenções de votos válidos), na MDA (em 48%) e na Ipespe (em 49%); e viés de queda, dentro da margem de erro, na Ipec (caiu de 52% a 51%). Por sua vez, após evitar o confronto direto com Lula no debate da Globo, Bolsonaro apresentou crescimento fora da margem de erro na Ipec (de 34% a 37% dos votos válidos), viés de alta dentro da margem de erro na MDA (de 39% a 40%), e estabilidade na Datafolha (em 36%) e na Ipespe (em 35%).
HISTÓRICO DO 2º TURNO — Fruto da Constituição de 1988, o 2º turno passou a valer a partir da eleição presidencial do Brasil de 1989. E, de lá para cá, só Fernando Henrique Cardoso (PSDB) se elegeu presidente em turno único, em 1994 e 1998. Mas foi com a eleição ainda em cédulas de papel, quando a facilidade para anular o voto era muito maior. O que reduzia a quantidade de votos válidos necessários para se vencer no 1º turno. Em 2006, com a eleição já integralmente em urna eletrônica, o PT achava que reelegeria Lula presidente no 1º turno. Que tiveram que disputar o 2º turno contra Geraldo Alckmin, hoje no PSB e vice na chapa do petista. Na dúvida aberta pelas pesquisas do presente, o histórico eleitoral brasileiro indica a existência do 2º turno.
VANTAGEM NO 1º TURNO E HISTÓRICO — Se a maior esperança real bolsonarista hoje é chegar ao 2º turno com Lula, várias fontes dentro da campanha do capitão admitem que, se a vantagem do petista sobre ele sair das urnas do 1º turno como algo em torno dos 10 pontos, a toalha será jogada. Sobretudo pelo sempre pragmático Centrão, que já iniciou esta semana a debandada. Enquanto isso, Lula chega hoje à urna do 1º turno com 14 pontos de vantagem sobre Bolsonaro na Datafolha (50% a 36%), na Ipec (51% a 37%) e na Ipespe (49% a 35%); e 8 pontos na MDA (48% a 40%). Mas, novamente no histórico eleitoral brasileiro, nunca um candidato a que passou atrás ao 2º turno conseguiu virar a desvantagem para se eleger presidente.
2º TURNO E REJEIÇÃO — Na projeção ao 2º turno programado para 28 dias depois de hoje, Lula bateria Bolsonaro por 59% a 41% (18 pontos) na Ipespe, por 54% a 38% (16 pontos) na Datafolha, por 52% a 37% (15 pontos) na Ipec, por 50% a 41% (9 pontos) na MDA. Índice negativo e considerado fundamental à definição do 2º turno, a rejeição chega hoje sendo liderada por Bolsonaro, como foi em todo este ano eleitoral em todas as pesquisas. Os brasileiros que não votariam nele de jeito nenhum são 56% contra 43% de Lula (13 pontos a menos) na Ipespe, 52% a 40% (12 pontos a menos) na Datafolha, 59% a 48% (11 pontos a menos) na MDA, e 46% a 38% (8 pontos a menos) na Ipec.
CIRO, TEBET E “VOTO ÚTIL” — Sem chance real de alcançar os dois líderes da corrida presidencial, há outra questão da eleição ainda aberta dentro da margem de erro das pesquisas: quem será o terceiro colocado, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) ou a senadora Simone Tebet (MDB)? Nos votos válidos para hoje, Tebet passou Ciro por 6% a 5% na Datafolha, empatou em 5% na Ipec e na MDA, e está numericamente atrás apenas na Ipespe, 7% a 8% do pedetista. Em geral, a oscilação para baixo de Ciro e para cima de Tebet se equivalem. E não sugeriam até ontem a migração do “voto útil” em que a campanha de Lula apostava para definir a eleição ainda no 1º turno.
ABSTENÇÃO E TRANSPORTE PÚBLICO — Outra questão que pode definir a eleição em turno único, ou não, é a abstenção. Sobretudo na população mais pobre, com renda familiar mensal até 2 salários mínimos, onde Lula sempre teve sua maior vantagem eleitoral. E que precisa mais do transporte público para chegar hoje ao local de votação. Ontem, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Benedito Gonçalves classificou de “absurdo” e negou um pedido da campanha de Bolsonaro para limitar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou que municípios mantenham a oferta de transporte público nas eleições. O índice de abstenção em 2018 foi de 20%. Se for mais em 2022, favorecerá a Bolsonaro. Se for menos, a Lula, quem tem convocado a população a votar.
ANÁLISE DO ESPECIALISTA — “As pesquisas de intenção de voto não buscam adivinhar o resultado eleitoral, apenas a intenção manifestada pela preferência dos eleitores. Apesar disso, a favor dos institutos, pesa o histórico do confronto com as urnas, em especial do Datafolha, que acertou o resultado das eleições de 1998, 2002, 2006 e 2010, 2014 e 2018. Além das entrevistas presenciais, olhando nos olhos do eleitor, os institutos costumam trabalhar com as pesquisas por telefone, que captam melhor o ‘voto envergonhado’ do eleitor. Por isso, é importante destacar que todas as metodologias são confiáveis e que cada medição tem vantagens e desvantagens. Todas trabalham com margens de erro, que variam a depender da amostra, que funciona como uma colher de sopa. Para conhecer o voto dos eleitores não há a necessidade de entrevistar todos os habilitados a votar, assim como não há necessidade de tomar a sopa inteira para conhecer seu gosto, seu cheiro e sua temperatura”, analisou William Passos, geógrafo com especialização doutoral em Estatística do Setor Público, da População e do Território na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE.