Democracia sob teste
Por Arthur Soffiati
A democracia não um regime político criado nas estrelas e descoberto pela humanidade. Ela é fruto de um longo processo de construção situado na Europa ocidental. O Estado Moderno, também chamado de Absolutista, permitiu que seus súditos contassem com algumas instâncias a que podiam recorrer para assegurar seus direitos.
No final do século XVII, aparecem as primeiras propostas de limitação do poder absoluto do rei por meio de documentos. Consolida-se o constitucionalismo combinado com monarquia e república. Combina-se monarquia e república com limitação do Poder Executivo. Desenvolvem-se monarquias constitucionais e parlamentaristas e repúblicas presidencialistas e parlamentaristas. A democracia pode permear todos esses sistemas políticos. Ela não se resume a uma constituição e ao direito de voto, seja ainda bastante confundida com essas duas prerrogativas.
Democracia é mais. Pode não ser sinônimo de direito a uma sociedade igualitária, mas pressupõe direitos sociais. O estágio mais completo de democracia combina liberdade, direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. O Brasil ainda está longe disso. A democracia é um regime frágil. Que se observe o governo de Bolsonaro, aproveitando o direito de voto para chegar ao governo e ameaçar o próprio direito que o elegeu. Que se veja a ascensão do neofascismo na Itália.
As eleições de 2022 não podem ser limitadas a uma disputa entre candidatos. Ela é mais que isso. É a escolha entre um governo que ameaça um golpe de Estado permanentemente, que funciona abaixo da linha democrática o tempo todo, e um governo que assegure minimamente a democracia. Não se trata agora de escolher o melhor projeto, mas de expelir um corpo estranho. No entanto, esse corpo estranho criou alicerces e ergue seu edifício sobre eles. Esse corpo estranho se fortalece com a eleição de deputados estaduais e federais, senadores e governadores. No Rio de Janeiro, Cláudio Castro se elegeu, mesmo sendo um desconhecido até a cassação de Witzel.
A decisão entre democracia representativa e ameaça permanente de autoritarismo e golpismo fica adiada por mais um mês. As pesquisas parecem ter minimizado a força do bolsonarismo e de ter maximizado a força de Lula. As pesquisas erraram. Teremos de aguardar o desfecho final roendo as unhas. Mas o Brasil acorda com um nove perfil: a nova face do brasileiro é bastante conservadora.
Publicado hoje na Folha da Manhã