Questionamentos e respostas entre pesquisa e voto na urna

 

Todas as pesquisas eleitorais sérias, de institutos testados no contraste das urnas, projetaram a possibilidade de vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda no 1º tuno do último domingo (2). Que, como ele teve 48,43% dos votos válidos, não se cumpriu por apenas 1,47%. Mas as pesquisas também subdimensionaram, acima da margem de erro, a votação do presidente Jair Bolsonaro (PL). Que teve 43,20% dos votos válidos, enquanto a Datafolha de sábado (1º) lhe deu só 36% de intenções de voto (7,2 pontos a menos); e a Ipec (antigo Ibope) do mesmo dia, 37% (6,2 pontos a menos).

Desde segunda (3), os diretores dos principais institutos de pesquisa explicaram que a diferença entre as intenções de voto e os votos de Bolsonaro teria se dado pelo “voto útil” que ele teria herdado, nas 24h anteriores ao pleito, da desidratação do ex-ministro Ciro Gomes (PDT). Que, na reta final do 1º turno, foi alvo de uma agressiva campanha do PT — maior tiro pela culatra, até aqui, desta eleição presidencial. Mas a explicação basta? Aos bolsonaristas, que passaram o ano todo questionando a liderança de Lula nas pesquisas e confirmada nas urnas, provavelmente não.

Mas e quem baseia seus questionamentos e respostas pela lógica, não pela mera torcida eleitoral? Neste sentido, o blog ecoa duas análises. A primeira, do industrial Geraldo Hayen Coutinho, proprietário da Usina Paraíso, presidente do Sindicato da Indústria Sucroenergética do Estado do Rio de Janeiro (Siserj) e ex-presidente do PSDB em Campos. A segunda, do geógrafo William Passos, com especialização doutoral em Estatística do Setor Público, da População e do Território na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE.

 

 

 

Geraldo Hayen Coutinho

Geraldo Coutinho — “Nunca fiz coro com aqueles que questionam a seriedade dos institutos de pesquisa. Também nunca pus em dúvida a validade científica dos métodos aplicados nas pesquisas. Contudo, não há como negar, estamos diante de uma situação até agora não explicada.

Os institutos precisam reconhecer o descolamento de resultados e as previsões publicadas e, assumindo os equívocos, mostrar a todos porque devemos voltar a enxergar as pesquisas como retrato fidedigno de um momento. Isso não aconteceu, as fotos foram mal reveladas.

Explicar os números de Bolsonaro pela migração de votos úteis não esgota a questão. Foram dezenas de projeções importantes que se afastaram muito dos resultados. E aqui não estou me apegando apenas aos números, mas também à ordem de chegada e a viradas surpreendentes, trazidas como impossíveis pelos levantamentos feitos.

Há muito a ser explorado, e explicado, sobre os pontos cegos das pesquisas e até de comportamento do eleitor. Este pleito será estudado em profundidade para se encontrar novos parâmetros a orientar pesquisas futuras. Não tivemos acesso a pesquisas de boca de urna, seria importante este fecho.

Precisaremos conhecer as primeiras pesquisas do segundo turno que, por regra, replicam o que houve no turno findo. Analisando os estratos dos eleitores talvez tenhamos algumas respostas de como se movimentou os votos entre projeção e realidade.

Por hora o que podemos observar é Lula bem à frente, portanto ainda franco favorito, entretanto passando ideia que está aplicando esforço para numa caminhada em aclive, enquanto Bolsonaro vem bem atrás, porém como se estive sendo ajudado por um declive que lhe facilita ganho de velocidade sem tanto esforço, está mais relaxado.

A única afirmação que podemos fazer, sem que possa suscitar quaisquer dúvidas, é a de que estas próximas semanas serão muito interessantes e movimentadas”.

 

William Passos

William Passos — “Os resultados das pesquisas não são prognósticos eleitorais, isto é, não antecipam os resultados das urnas, mas são ‘fotografias’ do momento das entrevistas aos eleitores. É por isso que os institutos enfatizam que seus resultados refletem o ‘se a eleição fosse hoje’. Importante ressaltar que, no Brasil, pesquisas eleitorais são pesquisas de opinião, isto é, apontam a preferências por candidatos, ou seja, a atitude dos eleitores.

Prognósticos, por outro lado, são antecipações sobre a probabilidade de cada candidato vencer a eleição, com base no seu provável desempenho nas urnas, ou seja, são o comportamento dos eleitores. Embora relacionados, atitudes são diferentes de comportamentos.

Modelos de prognósticos, além de não se basearem na pesquisa de um único instituto, recorrem a agregadores com as médias das pesquisas eleitorais de vários institutos, a provável precisão de cada resultado, o histórico do desempenho de cada empresa de pesquisa nas eleições anteriores e até mesmo variáveis do ambiente econômico e político que impactam na decisão do voto, como desemprego, inflação, avaliação do governo e expectativa de melhora de vida nos anos seguintes, atribuindo diferentes pesos, isto é, diferentes percentuais para cada resultado utilizado nos algoritmos que simularão os resultados finais destes modelos.

Assim, os resultados das pesquisas eleitorais precisam ser olhados ‘por dentro’, valorizando muito mais as curvas de tendência e as possibilidades matemáticas de alteração do resultado fotografado por cada instituto dos que os percentuais numéricos que costumam ser destacados. Até porque, como são feitos por amostragem, estas pesquisas, como sabido por quem as acompanha, têm margens de erro.

Como a preferência dos eleitores é dinâmica, ela pode ser alterada entre o dia da resposta ao entrevistador e o momento do depósito do voto na urna. Por isso, à medida que as eleições vão se aproximando, o olhar por dentro das pesquisas deve ser alterado. Até o início da semana da votação, a pesquisa estimulada, aquela em que os nomes de todos os candidatos são apresentados ao eleitor entrevistado, deve ser a mais valorizada, enquanto na semana da votação, a pesquisa espontânea, aquela em que o eleitor responde na ponta da língua, é o melhor indicador de aproximação da realidade. Isso combinada com o total dos eleitores que declararem que ainda poderão mudar o voto, dado que oferece a possibilidade matemática de alteração dos resultados apresentados por cada pesquisa.

Na Ipec, por exemplo, realizada de 29 de setembro a 01 de outubro de 2022, 33% dos eleitores entrevistados manifestaram intenção de voto no presidente Jair Bolsonaro na pesquisa espontânea, enquanto 15% declararam que a decisão do voto no momento da entrevista não era definitiva e poderia mudar até o momento do depósito nas urnas. Isso significa que, matematicamente, Bolsonaro poderia ir até 48%. Considerando a margem de erro máxima de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, num cenário extremo, o presidente poderia alcançar até 50% dos votos.

Importante destacar que o bolsonarismo tem um padrão particular de comportamento eleitoral, que vai ficando mais claro à medida que o tempo vai passando. Continuamente, este segmento mobiliza uma campanha cibernética dirigida a um público-alvo bem definido, que ganha um impulso bastante agressivo na reta final das eleições com o objetivo de ‘virar’ o voto dos eleitores, especialmente aqueles ainda em dúvida ou que poderiam votar em branco, anular o voto ou mesmo não comparecer ao pleito. É este movimento que ajuda a explicar a “virada” favorável a Bolsonaro que os institutos de pesquisa não conseguiram dimensionar, apesar de já terem identificado, na reta final, um crescimento da curva de intenção favorável ao presidente”.

 

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