William Passos — Lula e Bolsonaro são a cara do interior do Brasil

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

William Passos, geógrafo com especialização doutoral em Estatística do Setor Público, da População e do Território na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE

O voto útil da não abstenção

Por William Passos

 

“Nós precisamos que você esqueça essa história de feriado”, disse Bia Kicis, aliada de Bolsonaro, num vídeo publicado nas redes sociais. Integrantes da campanha bolsorarista temem um grande aumento das abstenções de eleitores que decidam viajar no final de semana do segundo turno. O ponto facultativo do Dia do Servidor Público (28 ou 31 de outubro, a depender do caso) e o feriado de 2 de novembro (Finados) viraram preocupação para a campanha bolsonarista diante das pesquisas que apontam que a maioria do eleitorado do atual presidente concentra-se na população com maior poder aquisitivo.

“O índice de abstenção no primeiro turno das Eleições 2022 foi de cerca de 20% […]. Tamanha abstenção faz com que tanto a Justiça Eleitoral e seus players sejam obrigados a tomar todas as medidas necessárias de forma a garantir maior participação do eleitorado no processo eleitoral do segundo turno”, afirma o pedido da campanha de Lula protocolado no TSE para que, no dia 30 de outubro, o transporte público seja mantido em ritmo normal e gratuito em todo o país.

Pesquisas eleitorais não antecipam os resultados das urnas, mas “fotografam” o momento das entrevistas aos eleitores. Apesar disso, alguns institutos, como o AtlasIntel, prometem a menor diferença possível das urnas. Na pesquisa divulgada na última quinta-feira (13), o AtlasIntel estimou 52,4% dos votos válidos para Lula, uma diferença de apenas 4,8% para Bolsonaro, que alcançou 47,6%.

No mesmo dia, a Genial/Quaest divulgou novo levantamento com o ex-presidente alcançando 53% dos votos válidos entre os “likely voters” (eleitores prováveis, em tradução livre), contra 47% do atual presidente.

O novo modelo identifica “os brasileiros com maior probabilidade de votar nas eleições presidenciais” e tem como objetivo “minimizar os efeitos que a abstenção não aleatória entre os subgrupos do eleitorado tem causado na capacidade dos institutos estimarem votos nas urnas”. Na prática, os números dos “likely voters” constituem uma resposta a subestimação do resultado projetado para Bolsonaro nas urnas do primeiro turno.

Segundo este modelo, com margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, Bolsonaro vencerá no Sul (59% a 41% na pesquisa da última quinta-feira) e no Centro-Oeste (57% a 43%) e está empatado tecnicamente com Lula no Sudeste (com vantagem numérica de 52% a 48%) e no Norte (com desvantagem numérica de 48% a 52%). No Nordeste, Lula sacramenta sua soberania por 71% a 29% nas intenções daqueles que, provavelmente, comparecerão às urnas no próximo dia 30.

Para além do dualismo estrutural, desigual e combinado, de um Brasil mais “atrasado” com voto mais progressista e um Brasil mais “moderno” com voto mais conservador, o grande detalhe deste segundo turno é que, tradicionalmente, as abstenções no segundo pleito são um pouco maiores. Nas eleições presidenciais de 2014, 21,10% do eleitorado habilitado deixou de comparecer. Em 2018, este percentual subiu para 21,30%. A título de comparação, 20,95% dos eleitores faltaram no primeiro turno deste ano.

Nos estados sem segundo turno para governador, o não comparecimento tende a ser maior. Neste ano, 15 estados já definiram seus governadores no dia 02 de outubro, entre eles, dois dos três maiores colégios eleitorais do país: Minas Gerais e Rio de Janeiro. Lula venceu nas urnas mineiras e Bolsonaro, da capital ao interior fluminense. Neste caso, as abstenções tendem a favorecer quem liderou no primeiro turno.

Com a redução da diferença de Bolsonaro na reta final do primeiro turno, apurada pelas urnas, e a tendência de aproximação da rejeição dos dois candidatos apontada pelos institutos, com oscilação para baixo do atual presidente e oscilação para cima do ex-ocupante do Palácio do Planalto, o campo de batalha do segundo turno passa a ser a alienação eleitoral, isto é, os eleitores, até o momento, decididos a não comparecerem ou a anularam ou branquearem o voto.

É por isso que a campanha bolsonarista precisa que seus eleitores “esqueçam essa história de feriado” e que a campanha lulista necessita que o transporte público seja mantido para garantir o deslocamento de seus eleitores. Numa eleição tão apertada, apesar de, possivelmente, menos estreita que a diferença de apenas 3,5 milhões de votos que reelegeram Dilma Rousseff contra Aécio Neves em 2014, a vitória será dos detalhes, com, novamente, muito provavelmente, Minas Gerais espelhando a geografia do voto do Brasil. Somente o gaúcho Getúlio Vargas, nas eleições de 1950, sagrou-se presidente sem ter vencido na terra natal de Dilma e Aécio.

Agora a disputa é entre um presidente “carioca” nascido no interior paulista e um ex-presidente “paulista” cujo berço é o interior pernambucano. Dois candidatos que são o retrato do interior do Brasil.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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