De onde veio o tri de Lula e o que ele terá pela frente?

 

 

Como no dia anterior com o Flamengo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também é tri. Não é mais ex-presidente. Desde a noite de ontem, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) oficializou sua vitória, é o presidente eleito do Brasil. Após já ter ocupado o cargo duas vezes entre 2003 a 2010, seu terceiro mandato a partir de 2023 foi conquistado pela margem mais apertada desde a redemocratização do país: 50,9% dos votos válidos, contra 49,1% do ainda presidente Jair Bolsonaro (PL). Coincidência ou não, foi pouco mais de 1 ponto. Como único foi o gol rubro-negro de Gabigol no sábado, na final da Libertadores da América.

LULA, GETÚLIO E FHC — Com seu terceiro mandato presidencial, Lula se iguala a Getúlio Vargas, superado, no entanto, pela via sempre democrática das conquistas do petista. Que ontem superou também seu rival histórico, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), eleito duas vezes presidente nos anos 1990. Após apoiar o vencedor no 2º turno de 2022, em defesa da democracia constantemente ameaçada nos últimos quatro anos, FHC ontem saudou a eleição do velho adversário e novo presidente: “Parabéns, Lula, pela vitória. Venceu a Democracia, venceu o Brasil!”. Do outro lado, na História do Brasil, Bolsonaro foi o primeiro presidente que não conseguiu se reeleger.

DE 2018 A 2022 — Em seu discurso de vitória ontem em um hotel de São Paulo, Lula disse: “Tentaram me enterrar vivo e estou aqui para governar esse país”. Referiu-se ao fato que o difere de qualquer outro presidente do Brasil: sua prisão em 7 de abril de 2018, após ser condenado por corrupção pelo então juiz federal Sergio Moro. Ele era pré-candidato e teria o registro da sua candidatura presidencial indeferido pelo TSE em 1º de setembro daquele ano eleitoral. Mas, mesmo encarcerado na sede da Polícia Federal em Curitiba, liderava a pesquisa Datafolha de 21 de agosto, com 39% de intenções de voto, contra apenas 19% de Bolsonaro. Só com Lula tirado da disputa e substituído por Fernando Haddad (PT), o capitão conseguiu se eleger presidente em 2018, para fazer de Moro seu ministro da Justiça.

A CONTA — Após quase quatro anos de governo Bolsonaro, o desafio de Lula a partir de 2023 não será pequeno. Além de ter que reunificar um país dividido como nunca nas urnas, terá que governar com um Congresso de maioria conservadora eleito em 2 de outubro. Após ser comprado por Bolsonaro com o Orçamento Secreto que consumiu 16,5 bilhões do dinheiro público em 2021, R$ 16,9 bilhões em 2022 e já tem reservados R$ 19 bilhões ao próximo ano. Somados, são R$ 52,4 bilhões, bem mais que os R$ 18,1 bilhões da soma dos escândalos de corrupção petistas do Mensalão e do Petrolão. Candidata a presidente no primeiro turno e aliada fundamental de Lula no segundo turno, a senadora Simone Tebet (MDB/MS) já disse: “O Orçamento Secreto é o maior escândalo de corrupção do planeta Terra”.

O VENCEDOR — Se tantos bilhões para compra de apoio parlamentar assustam, a tentativa fracassada de Bolsonaro se reeleger custou muito mais. Aprovado em 2021 pelo Congresso comprado pelo Orçamento Secreto, a PEC dos Precatórios deu o beiço em dívidas da União transitadas em julgado e estourou o teto orçamentário em R$ 65 bilhões. Foi para Bolsonaro tentar comprar o voto do eleitor pobre com o Auxílio Brasil de R$ 400,00. Aprovado em 2022 pelo Congresso comprado pelo Orçamento Secreto, a PEC Kamikaze estourou o teto orçamentário em mais R$ 41,2 bilhões. Para Bolsonaro tentar mais uma vez comprar o voto do eleitor pobre, com o Auxílio Brasil de R$ 600,00. E o pobre pegou o Auxílio Brasil com uma mão e com outra votou em Lula. Não foi ele, mas o pobre que o elegeu, o vencedor da eleição.

NOVA REPÚBLICA x REPÚBLICA VELHA — Mas a conta de Bolsonaro na tentativa fracassada de comprar com dinheiro público o voto do pobre que votou majoritariamente em Lula, virá. Ex-presidente do Banco Central nos dois governos anteriores do petista, Henrique Meirelles estima que os estouros de teto provocaram um rombo de R$ 400 bilhões para 2023. É o legado de um governo que a maioria do empresariado brasileiro ainda assim apoiou. Alguns chegando a tramar golpes institucionais em grupos de WhatsApp, caso o PT vencesse. Outros praticando assédio eleitoral contra seus empregados. Como não se via no Brasil desde o coronelismo da República Velha, da proclamação da República em 1889 à Revolução de 1930 que fez de Getúlio Vargas presidente. E que a Nova República de Lula e FHC, mesmo já envelhecida, ontem derrotou.

UM BRASIL? — Lula também proclamou ontem em seu discurso de vitória: “não existem dois Brasis”. Deveria ser, mas não é o que se viu ontem na urna. Onde, mesmo após os 50 tiros de fuzil e três granadas do bolsonarista Roberto Jefferson contra agentes da Polícia Federal que foram prendê-lo no município fluminense de Comendador Levy Gasparian, mesmo depois da deputada bolsonarista Carla Zambelli perseguir de pistola na mão um homem negro pelas ruas de São Paulo, Bolsonaro cresceu 7 milhões de votos do primeiro ao segundo turno. Entre os dois, Lula só cresceu 3 milhões. Mas, como saiu de 2 de outubro com 6 milhões de votos de vantagem, venceu em 30 de outubro por apenas 2 milhões. Para conseguir governar, a conta só poderá ser de soma. Tem que ampliar a frente ampla que lhe deu a vitória, sem reeditar o “nós contra eles” que o PT implantou na política do país. E Bolsonaro elevou à 10ª potência.

PRF OU MILÍCIA? — No desespero, ontem Bolsonaro ainda tentou impedir que o eleitor pobre que não conseguiu comprar fosse votar. Para tanto, usou a Polícia Rodoviária Federal (PRF) como milícia política. Que promoveu bloqueios nas estradas da região Nordeste, tradicional bastião do PT, para impedir que o povo pobre fosse votar. O que só não foi consumado pelas milhares de denúncias que passaram a pipocar nas mesmas redes sociais, que em 2018 deram a vitória a Bolsonaro. E forçaram o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, outro protagonista deste histórico ano de 2022, a desarmar com habilidade o circo.

MINAS E CAMPOS — No finalzinho da apuração do TSE, Lula ainda teve tempo para ultrapassar Bolsonaro em Minas Gerais, por 50,2% a 49,8% dos votos válidos. E, pelo menos nisso, não superou Getúlio Vargas, último presidente eleito por voto popular, em 1950, a perder em Minas e levar o Brasil. E Campos dos Goytacazes? Definido como “espelho do Brasil”, em frase atribuída a Getúlio, o município deu a Bolsonaro 63,14% dos seus votos válidos no segundo turno, contra 36,86% de Lula. Governada novamente pelos Garotinho, a cidade conservadora parece não ter conservado sua capacidade de refletir o país. Depois dos dois mortos e um ferido a tiros na avenida Pelinca, durante a comemoração do sábado pelo tri do Flamengo na Libertadores, o espelho goitacá foi da derrota.

 

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