Bolsonarismo é o mais baixo que o Brasil já desceu na História

 

 

 

“Vamos pedir piedade, Senhor, piedade”

 

A eleição presidencial foi a mais polarizada da História do Brasil, desde a sua redemocratização em 1985? Foi! Desde de que a instituição do segundo turno passou a vigorar, em 1989, foi também a disputa mais apertada ao Palácio do Planalto? Foi! Nos últimos 37 anos em que o país voltou a viver numa democracia, foi o pleito em que esta esteve mais ameaçada? Foi! E, a despeito de tudo isso, foi também a eleição mais monótona da República Federativa do Brasil. Em que o candidato vencedor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), liderou a corrida do início ao fim, nas urnas do segundo turno do último domingo (30). Isso após só não ter fechado a fatura ainda no primeiro turno, em 2 de outubro, por menos de 1,5 ponto.

Verdade que o país chafurda na bipolaridade política desde as eleições presidenciais de 2014. Nela, a então presidente Dilma Rousseff (PT) falou em “fazer o diabo” para se reeleger. Se de fato fez e se reelegeu, para sofrer o impeachment em 2016, após conduzir o Brasil à maior recessão econômica da sua História, o fato é que, na campanha eleitoral de 2014, as pesquisas registraram grande alternância na liderança da corrida. Dilma começou à frente, foi ultrapassada por Marina Silva, após esta assumir a candidatura do PSB com a queda de avião que matou Eduardo Campos, Dilma voltou à liderança, foi ultrapassada por Aécio Neves (PSDB) no início do segundo turno, mas recuperou a dianteira confirmada nas urnas.

Em outras palavras, na eleição presidencial de 2014, tivemos cinco momentos diferentes de liderança de um candidato nas intenções de voto, com alternância entre três deles. Em 2022, tivemos apenas um líder do início ao fim: Lula. Que em nenhum momento foi ultrapassado, como provaram as urnas do primeiro e segundo turnos. E como todas as pesquisas eleitorais sérias registravam desde janeiro deste ano. Quem nelas dizia não acreditar, o fazia com o mesmo valor redondo de afirmar que a Terra é plana. E, no fenômeno de disrupção cognitiva que subiu ao poder no Brasil com o bolsonarismo em 2019, houve até ex-diretor de instituto de pesquisas questionando-as. Foi a abdução da razão pelo disco voador da torcida, incendiado até ser consumido na reentrada da órbita do voto na urna.

A bem da verdade, Lula não só liderou todas as pesquisas durante todo o ano de 2022. Em 2018, quando era pré-candidato a presidente, ele foi preso em 7 de abril, após ser condenado por corrupção pelo então juiz federal Sergio Moro. O petista teria o registro da sua candidatura indeferido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 1º de setembro daquele ano eleitoral. Mas, mesmo encarcerado em Curitiba, liderava a pesquisa Datafolha de 21 de agosto, com 39% de intenções de voto, contra apenas 19% de Jair Bolsonaro (então, PSL). Só com Lula tirado da disputa e substituído por Fernando Haddad (PT), o capitão conseguiu se eleger presidente em 2018, para fazer de Moro seu ministro da Justiça.

Moro é um caso à parte. Ícone da operação Lava Jato, ainda juiz federal divulgou uma delação do ex-ministro petista Antonio Palocci a apenas seis dias do primeiro turno presidencial de 2018, que não tinha aceito no juízo da ação penal. Interferiu naquele pleito, abandonou a magistratura e, em 2020, também o governo que ajudou a eleger, acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal. Em 2021, tentou ser candidato a presidente e fracassou. Em 2022, tentou ser candidato a senador por São Paulo e fracassou. Eleito senador pelo seu Paraná em 2 de outubro, voltou ao colo do capitão como seu assessor no segundo turno, num misto de “mulher de malando” e Padre Kelmon.

O que Moro disputou com Bolsonaro, e ambos perderam, é só a nova face do velho falso moralismo brasileiro. Fracassou com o golpe militar que derrubou o Império para proclamar a República em 1889, fracassou com o tenentismo que redundou na Revolução de 1930 e na ditadura do Estado Novo (1937/1945), fracassou com a união entre militares e a UDN de Carlos Lacerda que levou um Getúlio Vargas eleito democraticamente ao suicídio em 1954, fracassou quando esses mesmos militares deram o golpe em 1964 para encangar os políticos e só largar o osso em 1985, com o nervo exposto dos civis na hiperinflação; fracassou com o “caçador de marajás” Fernando Collor de Mello em 1989. Que derrotou Lula no segundo turno da eleição presidencial daquele ano, sofreu impeachment em 1992 e, em 2022, apoiou Bolsonaro.

 

 

Mas, repetidos como tragédia ou farsa, em nenhum desses momentos da sua História, o Brasil desceu tão baixo quanto no bolsonarismo. Após já tê-lo feito aos olhos do mundo em setembro, quando representou o país como república amarela de bananas no funeral da rainha Elizabeth II em Londres, o que se viu no último domingo de outubro, após a apuração do TSE confirmar a vitória de Lula em 2022, projetada desde as pesquisas de 2018, parecia a encarnação do verso de um hit dos Titãs dos anos 1980: “Bichos escrotos saiam dos esgotos”. Não só pela interdição criminosa de estradas em todo o país, não só pelas “vivandeiras alvoroçadas” do marechal Castelo Branco diante de quartéis militares, incluindo Campos e região, mas pelas cenas abaixo da linha do ridículo produzidas.

 

 

Diante de quem é capaz de urrar do nada, para se pôr desajeitado em “marcha, soldado, cabeça de papel”, com a bandeira do Brasil, a camisa da CBF e tênis emblematicamente vermelhos, para depois dar o tapa nas nádegas que parece freudianamente desejar; diante de quem é capaz de se pendurar como gema de ovo escorrida sobre a frente de uma carreta em movimento; diante de quem é capaz de se reunir publicamente para cantar o hino nacional diante de um pneu; parece não haver dúvida racional. Não é o caso de intervenção militar, mas psiquiátrica.

 

 

 

 

E para quem não quiser se tratar, chorando sua dor de corno no lugar quente da cama, e insistir em tentar chifrar a realidade no lugar de voltar a ela, após o tri do Flamengo na América do Sul do sábado, seguido do tri de Lula no Brasil de domingo, com a arbitragem firme do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF), cabe a advertência que há pouco tempo cantava a apaixonada torcida do Fluminense. Sobretudo a partir de 2023, quando o país voltar a ter Procuradoria Geral da República, seja quem seja: “O Fred vai te pegar!”

Por ora, após uma eleição tão tensa em seu desenrolar quanto monótona em seu resultado, com a vitória de Lula imediatamente reconhecida pelos presidentes da Câmara e do Senado eleitos com apoio de Bolsonaro, como por todos os principais líderes do mundo, não deixa de ser hilário ver de camarote o dar de corda ao enforcado. Mas, em nome do Deus verdadeiro, não do “deus, pátria e família” ressuscitado do integralismo, cópia tupiniquim do nazifascismo nos anos 1930, no lugar dos Titãs, talvez fosse melhor lembrar de outros versos que marcaram aqueles mesmos anos 1980 de um Brasil recém-saído da ditadura.

Ao eco sempre atual de Cazuza: “Agora eu vou cantar pros miseráveis/ Que vagam pelo mundo derrotados/ Pra essas sementes mal plantadas/ Que já nascem com cara de abortadas/ Pras pessoas de alma bem pequena/ Remoendo pequenos problemas/ Querendo sempre aquilo que não têm// Pra quem vê a luz/ Mas não ilumina suas minicertezas/ Vive contando dinheiro/ E não muda quando é lua cheia/ Pra quem não sabe amar/ Fica esperando alguém que caiba no seu sonho/ Como varizes que vão aumentando/ Como insetos em volta da lâmpada// Vamos pedir piedade/ Senhor, piedade/ Pra essa gente careta e covarde/ Vamos pedir piedade/ Senhor, piedade/ Dê-lhes grandeza e um pouco de coragem”.

 

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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Este post tem 4 comentários

  1. Joe Vox

    Jornalista, me desculpe a franqueza, mas essa matéria tb ta muito mais ou menos hein… mais baixo onde?? Olha a economia, olha os números!! Eles estão ai.. vc, jornalista renomado fazendo material pra esquerda bater palmas!?!? Compare os números e faça outra matéria!!! Abs e bom final de semana!

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Joe Vox,

      Deculpe-me a franqueza, mas o texto que vc comenta é um artigo de opinião, não uma matéria de noticiário. A economia do Brasil sob Guedes/Bolsonaro conseguiu a proeza de ser tão medíocre quanto Mantega/Dilma. Como o agravante do ter recolocado o país no vergonhoso mapa da fome. Isso bem posto, basta olhar para os três vídeos postados do vexame bolsonarista após a derrota anunciada nas urnas. Se isso não é de matar qualquer brasileiro de vergonha, difícil saber o que o fará.

      Abraço e bom resto de semana!

      Aluysio

  2. Helder G C

    Só não comentou a roubalheira econômica e moral do PT e que o chefe foi solto pelo Fachin!

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