O Brasil que não viu antes, nem vê depois, no ano de Messi

 

Messi, Lula, Neymar e Bolsonaro (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

Com eleições no Brasil e Copa do Mundo no Qatar, este 2022 caminhando ao epílogo não foi um ano fácil. A quem trabalha na cobertura jornalística de disputas presidenciais desde a de 1989 e, de Copas do Mundo, desde 1990, a única certeza prévia é de que seria um ano pesado. O que não dava para prever, em plano local, era o rompimento do dique do rio Paraíba do Sul em Campos, levando junto parte da avenida XV de Novembro na noite da última segunda (19).

ELEIÇÕES, COPAS E ZOOLÓGICO HUMANO — Após acompanhar profissionalmente oito eleições presidenciais e oito Copas do Mundo de futebol, a torcida pessoal chegou às nonas edições de um e outro evento devidamente domada pela razão. O que sempre favorece projeções mais claras e objetivas. Como torna a observação das torcidas alheias, escancaradas pela paixão que geralmente move a política e o futebol, muito interessante. Quase que uma visita ao zoológico da própria espécie.

NUMA JAULA — Embora tenha sido a eleição a presidente mais polarizada desde a redemocratização do Brasil em 1985, a de outubro não mostrou surpresa. Não a quem buscou analisá-la objetivamente, noves fora a paixão, pelas tendências reveladas nos números das pesquisas. Que foram pateticamente questionadas até por alguns analistas experientes, mas que envelheceram mal. No Alzheimer opcional como Cloroquina para curar Covid, reduzidos a tiozinhos do WhatsApp.

NA OUTRA — Mesmo da Campos bolsonarista, a projeção da eleição presidencial não foi tão difícil. Pelo menos a quem enxerga sem os antolhos dos muares que ainda puxam carroças na cidade. E também de uma esquerda maniqueísta, da qual se esperaria a excelentíssima produção de conhecimento científico no município e na região. Mas que, da análise de pesquisas eleitorais, saca tanto quanto um aluno birrento de creche entende de química ou engenharia mecânica.

ANTES DO 1º TURNO — Entre os delírios de um extremo e outro, a preferência foi à análise séria das pesquisas BTG/FSB, Ipec, Genial/Quaest, PoderData e Datafolha. Com base nelas, não na torcida, a matéria “A 8 dias da urna, Lula e Bolsonaro nas pesquisas da semana” foi publicada em 24 de setembro, na Folha da Manhã e no blog Opiniões. Nela, duas tendências aparentemente contraditórias, mas complementares, antecipadas. E confirmadas pela urna de 2 de outubro:

— Lula manteve-se estável na casa dos 40 e poucos % de intenções de voto todo o ano de 2022. A bem da verdade, ele liderava as pesquisas presidenciais desde 2018. Mesmo depois de preso por corrupção pela operação Lava Jato, em 7 de abril daquele ano. Até ter o registro da sua candidatura indeferido em 31 de agosto, pelo mesmo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) hoje atacado pelos bolsonaristas, o ex-presidente liderava com folga maior do que hoje as pesquisas presidenciais há quatro anos. Na Datafolha de 20 a 21 de agosto de 2018, Lula tinha 39% das intenções de voto, contra 19% de Bolsonaro. Na BTG/FSB de 25 e 26 de agosto de 2018, ele tinha 35%, contra 22% do capitão — escreveu a lembrança do que tinha acontecido entre as pesquisas, a Justiça Eleitoral e as urnas da eleição presidencial anterior.

— Para liquidar a fatura no 1º turno, um candidato precisa nele atingir o mínimo de 50% + 1 dos votos válidos, excetuados brancos e nulos. Nas consultas estimuladas ao 1º turno, Lula entra na última semana antes da urna em tendência de crescimento. Se confirmar a tendência, pode repetir o que fez com ele duas vezes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), até aqui o único presidente do Brasil eleito em turno único, em 1994 e 1998, desde que o sistema de dois turnos foi adotado no país em 1989. O feito de FHC é creditado pelos especialistas ao fato da sua eleição e reeleição presidenciais terem sido conquistadas com votação ainda em papel, mais fácil para anular o voto e reduzir o universo dos válidos. E indica o quanto a tarefa de Lula é difícil — escreveu a lembrança, além das pesquisas, dos fatos da história recente do Brasil.

ANTES DO 2º TURNO — Como projetado antes e todos hoje sabem, de fato houve o segundo turno de 30 de outubro. Um dia antes dele, com base na análise isenta da pesquisa CNT/MDA, já com o feedback de que havia sido a que mais tinha acertado o resultado do primeiro turno, foi possível afirmar em 29 de outubro, na postagem do blog Opiniões intitulada “Lula cai e Bolsonaro cresce em empate técnico no 2º turno”, com link no Folha1:

—  O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem 51,1% de intenções de votos válidos, contra 48,9% do presidente Jair Bolsonaro. Ainda numericamente à frente, a tendência de Lula, no entanto, é de queda, enquanto a de Bolsonaro é de crescimento. Entre as pesquisas MDA de 16 de outubro e hoje, o ex-presidente perdeu 2,4 pontos (53,5% a 51,1%) nos últimos 13 dias, enquanto o atual cresceu os mesmos 2,4 pontos (46,5% a 48,9%). Hoje, na véspera do voto, a diferença entre os dois é quase igual: apenas 2,2 pontos, exatamente a margem de erro — foi publicado um dia antes da urna eleger Lula mais uma vez presidente por 50,9% dos votos válidos, contra 49,1% de Bolsonaro. A diferença foi de 1,8%, 0,4% abaixo do projetado.

ANTES DA COPA DO QATAR — Encerrada a eleição, a despeito do jus esperniandi (“direito de espernear”) de mais tios e tias do WhatsApp na porta dos quartéis militares, veio em novembro e dezembro a Copa do Mundo. Publicada na Folha da Manhã e no blog Opiniões em 19 de novembro, na véspera do jogo de abertura, a análise ainda era cruzada entre política e futebol. Intitulado “O que esperar do Brasil com Lula e na Copa do Qatar?”, o artigo resumia a expectativa real do hexa no futebol:

— E o Brasil na Copa do Qatar, que se inicia neste domingo? Sem a cerveja de Lula, proibida pela teocracia islâmica como a que sonham implantar aqui alguns evangélicos cristãos, o Brasil tem chances? Tem! Basta vencer uma seleção europeia em jogo eliminatório. O que não faz em Copa do Mundo desde a final em que bateu a Alemanha por 2 a 0. Foi há 20 anos.

ANTES DA CROÁCIA — Passada a fase inicial de pontos corridos, com as vitórias de 2 a 0 sobre a Sérvia, e de 1 a 0 sobre a Suíça, fechada com a derrota de 0 a 1 para Camarões, a Seleção Brasileira estreou na fase eliminatória nos 4 a 1 sobre a Coreia do Sul pelas oitavas. Para encarar nas quartas seu primeiro adversário europeu em jogo eliminatório: a Croácia de Luka Modric. Em 8 de dezembro, véspera do jogo, uma postagem no blog Opiniões antecipou desde o título o que determinaria o resultado: “Ritmo do jogo definirá o Brasil e Croácia desta sexta”:

— No Brasil e Croácia que abre nesta sexta (9), ao meio-dia de Brasília, as quartas de final da Copa do Mundo no Qatar, no estádio Cidade da Educação, a vaga para as semifinais será decidida pelo ritmo do jogo. Se for veloz, com seus dois jovens atacantes abertos pelas extremas (Raphinha pela direita e Vini Jr. pela esquerda) e sua maior intensidade de jogo, o Brasil tende a confirmar seu favoritismo. Se o ritmo for mais cadenciado, imposto pelo técnico e experiente meio de campo da Croácia (o volante Brozovic, o maestro Modric e Kovacic), a atual vice-campeã mundial aumenta suas chances de surpreender.

 

Após declassificar o Brasil na disputa de pênaltis, o veterano craque Modric consola o jovem atacante Rodrygo, seu companheiro de Real Madrid (Foto: Maja Hitij/Fifa/Getty Images)

 

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA — O que foi alertado por um cronista esportivo da periferia, foi aparentemente ignorado por toda uma comissão técnica regiamente paga. E que vinha da experiência de outra desclassificação no primeiro confronto contra um europeu em jogo eliminatório, no 2 a 1 da Bélgica em 2018. Pelo menos, ganharam muito dinheiro. O que não se pode dizer da torcida cujo “patriotismo” cometa só surge de quatro em quatro anos. Sem aprender nada com o que a bola leciona, doída como chute de Roberto Carlos na cara, há 20 anos.

A CINOFILIA DO FUTEBOL — Tão patéticos quanto os “patriotas” nos quartéis, são também tão desinteligentes quanto. A torcida pela contusão de Neymar, numa Copa do Mundo de futebol, por conta de política, gabarita o QI da ameba da samambaia de plástico. O oba-oba festivo e geralmente bêbado, concluído com mais uma ressaca de dor de corno, é a antítese do “complexo de vira-latas” de Nelson Rodrigues. Na cinofilia tupiniquim, é como um Fox Paulistinha que pensa ser Fila Brasileiro. Com o latido deste outrora temido cada vez mais distante. Para tentar voltar a ser cachorro grande em 2026, serão 24 anos de ganido e rabo entre as pernas.

O ANO DE UM GÊNIO — Após voltar ao poder como reação ao gol contra marcado por um antipetismo capaz de eleger alguém como Bolsonaro presidente do Brasil, Lula terá mais quatro anos para tentar reeditar acertos. E, se o PT permitir, não repetir erros graves. Mas, na América do Sul e no mundo, 2022 ficará para sempre como o ano de outra personagem e fato. Aquele em que o futebol, tão parecido com a vida por muitas vezes injusto, fez justiça ao gênio de Lionel Messi.

 

 

P.S. — Após um ano de intenso trabalho, o signatário só volta à lida, se Deus quiser, no final de fevereiro. Até lá, o espaço será preenchido na tabela quinzenal dos craques Edmundo Siqueira, servidor federal, jornalista e blogueiro; e Roberto Dutra, sociólogo, professor da Uenf e blogueiro. Feliz Natal e um 2023 de saúde, paz e realizações a todos!

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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