Por que Lula e seu governo vêm perdendo aprovação?

 

Ao slogan do Lula 3, “O Brasil voltou”, quem voltou foram as pesquisas. Perto do fim do quarto mês do país sob nova direção, não mais para medir intenções de voto, mas de avaliação de governo e do comportamento do presidente. Que revelam uma tendência talvez precoce de perda de popularidade. Inclusive na região Nordeste e entre o brasileiro pobre, com renda familiar mensal até 2 salários mínimos. Foram os dois nichos do eleitorado que deram a vitória apertada, por 1,8 ponto, do petista sobre Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno de 2022

Ontem (19), o instituto Quaest divulgou sua pesquisa, feita entre 13 e 16 de abril, com 2.015 eleitores de todo o país e margem de erro de 2,2 pontos para mais ou menos. Que (confira aqui) confirmou a tendência de perda de popularidade de Lula retratada antes nas pesquisas Ipec (antigo Ibope) também de abril e Datafolha de março. Ela sofreu o mesmo processo de análise objetiva que, neste blog e na Folha da Manhã, permitiu antecipar em 2022 o favoritismo de Lula, de Cláudio Castro (PL) a governador e de Romário (PL), a senador. Todos confirmados nas urnas de outubro.

As pesquisas sofreram muitos ataques no processo eleitoral do ano passado, inclusive ameaças de criminalização e censura do Congresso Nacional comandado por Arthur Lira (PP/AL). Que se reproduziram na acefalia das redes sociais e até em alguns analistas mais experimentados da mídia tradicional, que envelheceram para trocar a razão pelo negacionismo. Como a perda de aprovação popular de Lula e seu governo, registrada ontem na Quaest, sofreu ataques vindos da paixão lulopetista, tão mitificadora quanto a produzida pelo bolsonarismo.

Dos “mitos” e a acefalia dos seus crentes à luz da razão, a análise inicial da pesquisa Quaest, feita em parceria com William Passos, geógrafo com especialização doutoral em Estatística pelo IBGE, buscou outros analistas também qualificados. E, para saber como e por que anda este início do Lula 3, colheu as impressões da historiadora Guiomar Valdez, do economista Roberto Rosendo, do sociólogo José Luis Vianna da Cruz, do cientista político Marcelo Viana, do jornalista Cilênio Tavares, da advogada Sana Gimenes, do blogueiro Edmundo Siqueira, do articulador político Luciano D’Ângelo, do ex-prefeito Sérgio Mendes, do reitor do IFF, Jefferson Manhães de Azevedo; do sociólogo Brand Arenari e do radialista José Vitor Silva.

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Guiomar Valdez, historiadora e professora

Guiomar Valdez — “Os resultados negativos nas pesquisas apresentadas dos quase quatro meses do governo Lula 3, incluindo o Nordeste e com o brasileiro pobre, envolveriam um conjunto de fatores, cujos os pesos para estes resultados, infelizmente não ouso apontar, por enquanto. São eles: a) a vitória eleitoral apertada, que chegou, em parte, devido aos ‘não petistas esclarecidos’ quanto à questão da democracia brasileira; b) efeito do 8 de janeiro de 2023, inesperado, mas, para o bem ou para o mal, ocupou um espaço prioritário de ações do governo, cujo efeito justificador já passou; c) reforma do arcabouço fiscal, muito alardeada, mas, sua construção diante dos diferentes atores para negociações e alinhamentos, em especial, na Câmara dos Deputados, onde o governo não tem maioria, alongou o processo de comunicação massiva de forma objetiva e positiva; d) viagem à China + declarações inadequadas + reação dos EUA + meios de comunicação uníssonos da condenação das declarações, soma que criou um ambiente como se estivéssemos nos tempos da Guerra Fria (1947/1991), sem nenhum espírito crítico apurado para apresentar aspectos da crise de hegemonia dos EUA, penso, às vezes, que se impõe um negacionismo ou uma fuga para frente deste fato, na geopolítica e geoeconomia do mundo atual. É mais cômodo resumir tudo numa guerra entre EUA x Rússia, democracia x ditadura, capitalismo x comunismo, aos moldes norte-americanos, do que enfrentar com todo cuidado, todo rigor, com autonomia e independência, essa questão; e) ‘é a economia, estúpido!’, afirmação com a qual concordo plenamente, porque é estrutural em qualquer análise social. E a economia não vai bem, economia é processo.

Em quatro meses, considerando o imbróglio do contexto político brasileiro em que se inicia este governo, não daria para se ter resultados positivos, em especial, para as frações de classes médias e para os brasileiros pobres e miseráveis. E, muito menos, para os eleitores não petistas que votaram em Lula no segundo turno de 2022.

Dessa maneira, compreendo um pouco os resultados negativos das pesquisas apresentadas sobre o governo Lula 3. Sendo honesta e responsável, não posso lacrar com sentenças. A História me impede e não me dá instrumentos de análises suficientes para lacrações em tão curto espaço de tempo. Não sei se o lulismo vai triunfar, não torço para o quanto pior melhor. Mas, que eles (o governo) têm que ter cuidado crítico, ah, isso têm que ter!”

 

Roberto Rosendo, economista e professor

Roberto Rosendo — “Também acho que algumas declarações do Lula têm sido muito inoportunas e infelizes. Também concordo que as expectativas com relação à sua eleição foram muito elevadas e geram frustrações. Já no terceiro mandato, os erros no trato político do Lula surpreendem”.

 

José Luis Vianna da Cruz, sociólogo e professor

José Luis Vianna da Cruz — “Eu não tinha nenhuma expectativa com relação ao início do governo. Porque não dá para dizer que o que está acontecendo é normal, ou natural, em relação a pesquisas anteriores, mandatos anteriores, até em relação ao próprio Bolsonaro ou aos outros mandatos de Lula. Porque é muito atípico, o mandato foi iniciado com uma questão crucial, que foi perspectiva de golpe. Isso absorveu, mobilizou não só as forças do governo, como do Congresso, do Judiciário, da oposição, reativamente; mídia. Foi um começo extremamente atípico, e nós só passamos três meses. Isso ainda está no centro da questão, não é um fato isolado: o que nós vamos fazer com o 8 de janeiro? No STF, agora também no Congresso, com a CPMI. Tudo isso implica em se apropriar do governo, da máquina. Agora temos o caso do general Gonçalves (Dias, que pediu demissão do cargo de ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Lula, após ser flagrado em vídeo do 8 de janeiro).

Tem outros fatos que particularizam essa conjuntura do novo governo Lula. A vitória foi apenas por 1,8 ponto. Os derrotados saíram fortes, não só por representarem uma parcela significativa da população: são esses 30% (29% na pesquisa Quaest) que têm avaliação negativa do governo Lula. Isso está consolidado, não é o legado Bolsonaro, é o que já existia antes, Bolsonaro canalizou para ele e a extrema direita conseguiu reunir e transformar numa massa orgânica de sustentação. Foi essa direita que sustentou o governo Bolsonaro e se elegeu (a deputados federais e senadores). Eles são maioria no Congresso, perderam a presidência da República por 1,8 ponto e 30% da sociedade os sustenta. Quem está nessa posição, vai para a ofensiva. O governo Lula começa nesse contexto: reação ao golpe, arrumação e viabilização da capacidade de governar, tendo que lidar com o Congresso.

Tem o fato das promessas, que está na pesquisa e na análise da Folha. As promessas, todas, dependem de regulamentação, dependem de aprovação do Congresso e de estar ajustada a máquina. Finalmente, ‘é a economia, estúpido’, como diria o assessor (James Carville) do Clinton. A questão econômica é mais pesada ainda. É um governo que entra para fazer uma mudança radical na economia, inverter o rumo. E o Banco Central está alinhado com o bolsonarismo, criando obstáculos, para inviabilizar o governo. Que junto com toda a esquerda democrática, ainda está tomando de lavada nas redes sociais.

Na disputa de narrativa, também na grande mídia, há o discurso de que o governo não entregou nada, de que as promessas não estão sendo cumpridas, de que está paralisado, de que está só na questão discursiva do Lula, que realmente merece restrições e reparos na verborragia dele. E como não pode se mexer ainda na economia, nos direitos e tudo mais, por essas razões políticas que eu coloquei e formam um contexto inédito, obviamente que há desgaste. O nó está aí, e é político”.

 

Marcelo Viana, cientista político e pesquisador

Marcelo Viana — “Achei muito equilibrada a análise da Folha da pesquisa Quaest sobre a aprovação popular de Lula e seu governo. Eu particularmente fiquei intrigado com dois aspectos da consulta. O percentual alto de conhecimento e aprovação de medidas adotadas pelo governo neste início. O alto percentual de rejeição às mudanças tributárias da Shein/Shopee: 12%. Seria esse último aspecto o elemento fundamental na piora da avaliação? A conferir nas próximas. Acho que as declarações sobre política internacional têm mais impacto na classe média”.

 

Cilênio Tavares, jornalista

Cilênio Tavares — “Eu ainda acho muito cedo para fazer avaliações, levando-se em conta ser ainda início de governo, mas concordo que Lula anda falando bobagem. Pilhado com assuntos que poderia driblar, sem dificuldade. Dando pitaco em coisas que não lhe competem. Vide os casos Moro e, agora, do empresário brasileiro preso nos Emirados Árabes (Thiago Brennand, com quatro mandatos de prisão expedidos no Brasil por agressão e estupro, e em quem Lula disse que ‘daria um murro’), apenas como exemplos.

 

Sana Gimenes, advogada, socióloga e professora

Sana Gimenes — “Acho que a avaliação da pesquisa Quaest é por aí mesmo. Muita expectativa e necessidade de um povo empobrecido. E muita garganta de um Lula que parece não entender realmente que venceu as eleições por uma margem muito pequena”.

 

Edmundo Siqueira, blogueiro, jornalista e servidor federal

Edmundo Siqueira — “Acredito que parte reflete a parcela do eleitor pró-democracia. E que, vencida essa etapa, embora haja um risco grande da volta da extrema direita, e as coisas se acomodando, tem um olhar crítico ao governo. Talvez esse seja o tamanho real do lulismo hoje, de fato. Mas as oscilações maiores são do “brasileiro médio”. Esse não entende bem, ou quase nada, de Rússia e Ucrânia, não sabe como anda o mandato de Moro e qual o risco de dar evidência política a ele.

Creio que o grosso da queda de popularidade pouco tem relação com as declarações de Lula, mas sim de um sentimento de frustração vindo do imediatismo. Espera-se que uma simples mudança de governo provocará alterações estruturais. E não é assim que funciona. A economia tem seu tempo.

Tem uma vertente que acredita que Lula está derrapando por ansiedade das coisas darem certo. Eu desconfio que ele esteja sendo assessorado mal, por uma turma raivosa e ressentida do PT”.

 

Luciano D’Ângelo, articulador político, matemático e professor

Luciano D’Ângelo — “As pesquisas ajudam a gente a compreender a realidade. Muito embora possa acontecer com elas as avessas do que acontece com as pesquisas eleitorais. Quando o instituto pergunta se o governo Lula está fazendo o que prometeu e não demarca o tempo, principalmente para o eleitor mais desavisado, parece que o Lula tem que cumprir essas promessas em 100 dias. E isso é de uma falsidade muito grande. É uma indução a você responder “não”. É preciso haver um certo destrinchamento das perguntas em relação às respostas. E fazer pesquisa de popularidade com 100 dias, com uma sociedade completamente radicalizada, com um governo que foi assaltado de maneira violenta no dia 8 de janeiro e tem problemas na elaboração das medidas mais emergenciais num Congresso com muita força bolsonarista, não permitia nenhuma perspectiva de resultado positivo em pesquisa para o Lula. E não vai ser em mais 100 dias que esses resultados virão. Provavelmente, eles piorarão. Eu e algumas pessoas com quem converso dentro do PT estamos preparados para muita dificuldade.

Mas por que o Lula anda falando mal do dólar? Essa questão pode ter alguma ingerência no setor que estava contando continuar com uma economia totalmente dolarizada, e daí tirar seus benefícios. Mas essa não é a questão central. Eu até acredito que ele arrancou esses R$ 50 bilhões da China, porque o Biden foi mal. Não entregou nada (quando Lula foi aos EUA em fevereiro), a não ser um apoio à questão democrática, que foi de graça, não custou nada. E o governo Lula precisa de recursos em todas as suas iniciativas para consertar o estrago que foi feito. Eu trabalho o prazo de 1 ano. E, assim mesmo, se o acerto com o Congresso Nacional for propositivo. Caso contrário, nós não teremos pesquisa nenhuma privilegiando o governo do Lula. Por mais que ele se esforce para agradar a parcela mais popular, com medidas assistenciais. Algumas ele até já tomou, como esse plus que deu ao Bolsa Família, com R$ 150 por filho. E algumas outras que não chegaram a ter ainda nenhum tempo de execução.

Fico satisfeito com o fato das pesquisas voltarem, mas preocupado com o nível das perguntas. Que elas se aprimorem e ajudem até o governo a se acertar”.

 

Sérgio Mendes, jornalista e ex-prefeito de Campos

“Uma parte do eleitorado que migrou para o candidato Lula, o fez porque desejava dar um basta na disseminação do ódio, da misoginia, da anticultura, enfim, da deformação do caráter da República. Essa parte hoje não concorda com essa postura revanchista, por vezes desarvorada do presidente; daí a queda na sua imagem pessoal. Quanto a avaliação do governo, é bem verdade que o cenário do Lula 3 é diferente dos anteriores. Porém, construir é fácil. Destruir também. Agora, reconstruir o que foi destruído, penso eu, requer um pouco mais de acuidade e tempo”.

 

Jefferson Manhães de Azevedo, professor e reitor do IFF

Jefferson Manhães de Azevedo — “Sempre digo que estávamos, metaforicamente, em um contexto nacional de uma mar revolto e ventos contrários, especialmente na aérea de educação, ciência e tecnologia. Agora, o mar continua revolto, porém os ares se apresentam mais frescos. Apenas nesses três meses, por exemplo, os recursos para a ciência e tecnologia estão sendo recompostos e as bolsas de pesquisa reajustadas. Houve também a recomposição do orçamento dos Institutos e Universidades Federais, tão duramente prejudicados nos últimos anos. Após seis anos, os servidores públicos tiveram reajustes nos seus salários. Porém, ainda assistimos com perplexidade o quanto a administração pública federal foi desmobilizada em suas ações e aparelhada por uma concepção ideológica autoritária e desrespeitosa com os princípios republicanos e democráticos.

A economia do país veio despencando, especialmente no último ano, com consequências que ainda estamos vivenciando. E que, a meu ver, impacta profundamente na vida e na percepção das pessoas com relação à governança nacional. Levaremos tempo para reconstruir e unir nosso país. Acredito que o presidente Lula esteja com muita vontade de reverter esse quadro herdado de descaso com a vida e as pessoas de maneira mais rápida do que a possível. Há uma indústria de mentiras, potencializadas pelas redes sociais, que estimula e forma uma cultura de ódio e nos divide como nação. Um dos sintomas são os ataques aos espaços escolares. Espaços que deveriam ser de esperança, alegria, aprendizado e solidariedade. Tempos difíceis que exigem o compromisso de todos nós para a construção de uma cultura de paz”.

 

Brand Arenari, sociólogo e professor

Brand Arenari — “Sou bem conservador na análise de pesquisas, no sentido de preferir esperar para ver as coisas. Mas é claramente uma tendência de queda na aprovação popular de Lula. Não despencou, mas é uma tendência de queda. Neste momento, eu atribuiria ao fato de que ele (Lula) gerou muita expectativa, sobretudo no sentido econômico, da volta do consumo das classes populares, e isso não aconteceu. Apesar do salário mínimo ter aumentado, isso é muito pouco para a expectativa que se criou. Acho que há um desgaste de decepção em relação a isso. E é natural, foi uma votação muito apertada e ele vai sangrando um pouco. A minha primeira impressão é essa, mas vamos esperar um segundo momento, se vai manter isso. Uma parte da percepção dessa população mais pobre que ele perdeu, e no Nordeste, talvez não esteja tão ligada assim na política internacional, por exemplo. Talvez isso não tenha contaminado. O desgaste é outro. As pessoas não iam beber cerveja e comer picanha? Cadê a cerveja e a picanha? Não estão ali”.

 

José Vitor Silva, radialista

José Vitor Silva — “Além da queda de popularidade, percebo uma dificuldade na consolidação da base de apoio, principalmente na Câmara, onde Lira quer atuar como primeiro ministro. É preciso trabalhar e ter cuidado para que não sofra uma derrota nas eleições das mesas diretoras como em 2005, com Severino Cavalcanti (político conservador do Centrão eleito presidente da Câmara de Deputados naquele ano, surpreendendo o governo Lula 1).

 

fb-share-icon0
Tweet 20
Pin Share20

Deixe um comentário