Navegar (e voar) é preciso, viver não é preciso…
Por Diva Abreu Barbosa(*)
Parafraseando Fernando Pessoa, ainda estamos buscando um sentido. Ainda mais agora, neste momento. Mais do que nunca. A vida não permite previsões ou planejamentos imutáveis. Nem regras determinadas e inflexíveis. Tudo pode mudar. A todo momento. Esse é o segredo.
A vida, com os seus mistérios, nos reserva imprevisíveis e inimagináveis realidades, como as preconizadas, por exemplo, na mitologia, notavelmente, advindas da longínqua Grécia. E cujo panteão revelou Ícaro, tão perto de nós… e agora tão longe.
Para fugir do labirinto em que estava preso, na ilha de Creta, aquele Ícaro usou asas feitas de penas de aves para voar, construídas pelo seu pai, Dédalo. Que o havia alertado sobre o perigo de chegar muito perto do sol, já que o calor poderia derreter a cera que unia as penas.
Todavia, no mundo real, entre as lendas, mitos e deuses, transitam pessoas com seus sonhos, encantos, desejos, sentimentos e existências. Algumas, genuínas, passam voando pela vida, com a pressa dos que são intensos, sagazes e impetuosos, como o menino, o rapaz, o jovem, o meu neto, Ícaro Paes Pasco Abreu Barbosa.
Seu nome, dado pelo pai, Aluysio, enraiza-se na palavra grega “ikaos”, que significa “seguidor”, ou “aquele que alcança o céu”. E essa também foi a sua escolha: subir ao céu para estar mais próximo do sol, fazer parte do seu brilho.
“Carô”, o autoapelido que se deu, cresceu… e chegou aos 23 anos de idade! Recentemente, convivemos inesquecíveis e intensíssimos momentos com ele e seu pai, meu filho, passando e passeando por Paris, assim como o fizemos no México anos atrás.
Quanta doçura, quantas peraltices e quantas inefáveis e indeléveis lembranças e compartilhamentos, que hoje também me remetem ao seu nascimento, infância e adolescência, criando-se e desenvolvendo-se na redação da Folha da Manhã. Onde iniciava com sucesso e, prematuramente, sua vida profissional como jornalista.
Amante de História, como essa hoje dolorida e machucada avó, estudou e cursou a disciplina. Mas decidiu ser jornalista, como o seu pai, a sua mãe, Dora, e o seu avô Aluysio. E, assim, alcançou reconhecimento pessoal e profissional, raras vezes atingida tão cedo, mas reconhecida por todos.
Pelo seu dinamismo, dedicação e determinação, passou também a integrar a diretoria do jornal. Foi admirado pelos colegas e amigos pela sua simpatia, vivacidade, empatia, doçura, despojamento de vaidades e alegre brejeirice.
Na rotina do dia-a-dia, e nos anos de sua vida, descobriu heróis, mitos e talentos. Os reconheceu em sua leitura de Homero, Heródoto, Tucídides, Plutarco, William Shakespeare, Mark Twain, Edward Giggon, Friederich Nietzsche, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, William Faulkner, Jack Kerouac, Hunter Thompson e muitos outros, que curtiu e admirava.
Na música, também influenciado pelo pai, tornou-se fã de Robert Johnson, BB King, Aretha Franklin, Janes Joplin, Beatles, Eric Clapton, Buddy Guy, Raul Seixas, Rita Lee, Barão Vermelho, Cazuza, Legião Urbana, Nirvana, The Doors… quantas portas abertas, Carô.
Quanta vida! Quantos sonhos! Quantas alegrias! Quanta intensidade permearam a trajetória desse irreverente e plural Ícaro, que tinha pressa de alcançar o céu… tudo, muito rapidamente! Mas cuja brevidade nunca apagará entre nós o seu brilho, o seu calor moreno de pele exposta ao sol de Atafona e Ítaca. Que nos aqueceu e aquece.
Assim o amamos, sempre. Porque, mesmo com muita dor, “navegar (e voar) é preciso, viver não é preciso…”. Como mulher, mãe e sua avó orgulhosa, sei que um dia nos reencontraremos. Onde você estiver, meu doce príncipe, nessa vida que segue.
(*)Diretora-presidente do Grupo Folha, empresária e professora de História
Publicado hoje na Folha da Manhã.
Diva, muito emocionante o seu belíssimo texto. Eu, que não o conheci nesta vida, se faz presente nas suas palavras . Ícaro se encantou, está vivo na breve existência, tão luminosa nessa passagem pelo planeta. Diva, receba meu forte abraço, meu afeto e toda consolação possível.
Quanta saudades do amigo Ícaro Barbosa só saudades..Deus o tenha em ótimo lugar!
Sempre admirei a trajetória da Família.