Com DiCaprio e De Niro, novo filme de Scorsese em Campos
“Martin Scorsese é o maior cineasta vivo do mundo”. Também candidato ao posto, foi o que Francis Ford Coppola afirmou com convicção após assistir às 3h26 de projeção de “Assassinos da Lua das Flores”. O novo filme coescrito e dirigido por seu colega de geração é estrelado por Robert De Niro e Leonardo DiCaprio. Antes, os dois protagonizaram nada menos que 16 outros trabalhos de Scorsese. Mas, pela primeira vez, se juntaram sob a sua direção.
“Assassinos da Lua das Flores” chegou às telas de Campos na última quinta (26), no Cineflix, no Shopping Avenida 28. Em sessões às 15h20, 16h e 20h. Embora com uma semana de atraso da estreia nacional, se fosse para aguardar que um novo filme de Scorsese fosse exibido pelo Cine Araújo, no Boulevard Shopping, ou pelo Cine Uniplex, no Guarus Plaza Shopping, talvez demorasse menos esperar seu lançamento em alguma plataforma de streaming.
Com roteiro de Eric Roth e do próprio Scorsese, a partir do livro homônimo de David Grann, é baseado em fatos reais dos anos 1920, em Oklahoma, estado do Meio Oeste dos EUA. Onde se dá o choque sorrateiro entre o homem branco e o povo índio Osage. Que, com a descoberta de petróleo em suas terras, passa de peão a rainha no tabuleiro do “sonho americano” — desvelado na realidade mais amoral da cobiça.
DiCaprio interpreta Ernest Burkhart, que vem dos campos de batalha da França na I Guerra Mundial (1914/1918). Longe da figura romantizada do “herói de guerra”, serviu como cozinheiro de infantaria. Por conta de um ferimento no abdômen, não pode fazer serviço braçal. O que combina com sua contradição diante do tal “sonho americano”: é tão assumidamente preguiçoso, quanto assume mais de uma vez: “adoro dinheiro”.
A beleza física de DiCaprio é mirada como arma pelo tio, o rancheiro de gado William Hale. Gosta de ser chamado de “King” (“Rei”) e acolhe o sobrinho na cidade que gira em torno do dinheiro do petróleo dos Osage. Na pele de De Niro, se revela um vilão capaz de causar inveja ao gângster Jimmy Conway, que o ator dos atores interpretou em “Os Bons Companheiros” (1990), ou ao psicopata Max Cady, que viveu em “Cabo do Medo” (1991), ambos sob direção de Scorsese.
Escalados ao lado dos dois ícones da interpretação de Hollywood, outros atores não fazem feio. Jesse Plemons está muito bem, como de hábito, na pele do agente federal Thomas Bruce White. Para investigar os assassinatos dos Osage, ele é enviado pessoalmente a Oklahoma pelo primeiro e longevo diretor de um FBI ainda engatinhando, J. Edgar Hoover. Que DiCaprio já encarnou na cinebiografia “J. Edgar” (2011), dirigida por Clint Eastwood.
Oscar de melhor ator deste ano, por sua atuação em “A Baleia” (2022), de Darren Aronofsky, Brendan Fraser também está bem como o advogado de De Niro. Necessário quando os assassinatos dos Osage para se apossar de sua terra rica em petróleo geram um inesperado julgamento. Por que inesperado? Como o roteirista e diretor escancara numa fala do filme: “é mais fácil um homem (branco) ser preso por matar um cachorro do que por matar um índio”.
Quem também está no novo filme de Scorsese é John Lithgow, veterano com mesmo tempo de janela de De Niro, como o promotor Leaward. No entanto, a maior surpresa positiva de “Assassinos da Lua das Flores” fica por conta da soberba atuação da atriz nativa americana Lily Gladstone. Na pele real da também nativa Mollie Burkhart, que cai na arapuca dos olhos azuis de DiCaprio, armada por De Niro, pelo negro do petróleo e o verde do dólar.
Scorsese é fruto de uma brilhante geração de cineastas estadunidenses, que tomou de assalto e virou de ponta à cabeça o então decadente esquema dos grandes estúdios de Hollywood, entre os anos 1960 e 1980. Que, além dele e Coppola, foi integrada por criadores como Brian De Palma, George Lucas, Peter Bogdanovich, Terrence Malick e Steven Spielberg. Contemporâneos do movimento hippie, ficariam mais conhecidos como “os cabeludos”.
De Spielberg e sua reverência ao “sonho americano”, Scorsese talvez seja a melhor antítese, na realidade exumada em pesadelo. Onde o purgatório é destino mais certo que o céu ou o inferno. E este pode ser terreno na sua impossibilidade da razão. Como quando médicos brancos, comprados por um rancheiro branco com o dinheiro do latrocínio dos Osage, abrem o crânio do cadáver de uma índia diante da sua irmã.
Apesar de toda a crueza levada à tela a partir de fatos reais, mais que o primeiro western de Scorsese, ou outro de seus filmes policiais, “Assassinos da Lua das Flores” é uma história de amor. “Percebi que a trama de Mollie e Ernest era antes de tudo uma história de amor, e que esse era o coração da obra”, vaticinou seu roteirista e diretor. Em parceria com a fotografia de Rodrigo Prieto, a música dos anos 1920 garimpada por Robbie Robertson — falecido este ano — e seu casamento artístico de mais de 40 anos com a editora Thelma Schoonmaker.
No universo de Scorsese, o amor nunca é idealizado ou predestinado. Como na dramaturgia de Nelson Rodrigues, é um sentimento complexo, sujeito a traições e deslealdades, muitas vezes refém do desejo e, outras tantas, mesquinho, com as vindas e idas do livre arbítrio. Princípio cristão que, para o ex-seminarista católico convertido em diretor de cinema, sempre redunda em ascensão, queda e busca de redenção.
Prestes a completar 81 anos em novembro, Scorsese não dá sinal de queda. Coppola parece ainda ter razão sobre ele. Entre seus tantos “filhos” assumidos, Quentin Tarantino ainda tem asfalto a lamber.
Assista ao trailer do filme: