Porque hoje é sábado e na terça tem a Argentina de Messi

 

Messi encara a Copa do Mundo após a final de 2014, quando a Argentina foi derrotada para a Alemanha dentro do Maracanã, que o craque admitiu recentemente ter sido a grande frustração da sua carreira

 

“Hoje é sábado, amanhã é domingo”. É o primeiro verso de “O dia da criação”, escrito em 1946 pelo poeta, compositor, diplomata, boêmio e botafoguense Vinicius de Moraes. “Porque hoje é sábado” repete várias vezes como refrão do poema, em chamado e resposta a outros versos. E porque hoje é sábado, última edição da Folha da Manhã antes da seguinte de quarta (22), é a última chance de falar em papel impresso do Brasil e Argentina de terça (21), pelas Eliminatórias da América do Sul à Copa do Mundo de 2026, antes do apito inicial no Maracanã

Não será um Brasil e Argentina qualquer. Será, talvez, o último tango de Lionel Messi no maior estádio de futebol do mundo, em jogo oficial do maior clássico da América do Sul. Se muito se debate quem foi melhor entre Messi e Diego Maradona, nenhum brasileiro, mesmo tendo Pelé acima dos dois argentinos, poderá discordar: por mais brilhante que tenha sido, Maradona nunca levou tantos brasileiros a torcer pela Argentina como faz Messi. De fato, muitos deles irão ao Maracanã no sábado não para ver o Brasil, mas para testemunhar Messi jogar.

Há, no entanto, muitos motivos para se torcer pelo Brasil. Que é hoje o 5º colocado nas Eliminatórias da América do Sul, atrás até da Venezuela. E só não é o 6º porque o Equador iniciou a disputa continental por uma vaga à Copa do Mundo de 2026 com -3 pontos. A punição foi imposta pela Fifa pela utilização de um jogador em condição irregular nas Eliminatórias à Copa de 2022, no Qatar.

Nas Eliminatórias à próxima Copa, que será sediada no México, EUA e Canadá, o Brasil vem reescrevendo para pior sua própria história. Nunca havia perdido um jogo de Eliminatórias para a Colômbia. E perdeu o último na noite de quinta (16), de virada, por 1 a 2, com dois gols do atacante Luis Díaz. Cujo pai havia sido sequestrado, liberto e quase passou mal de tanto que comemorou a façanha do filho nas arquibancadas de Barranquila.

Não bastasse, após a derrota no jogo anterior, de 0 a 2 para o Uruguai, em 17 de outubro, foi a segunda derrota brasileira seguida nas Eliminatórias da América do Sul. Desde que a Conmebol passou a organizar as Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1954, na Suíça, foi a primeira vez que o Brasil perdeu dois jogos seguidos no torneio classificatório. Como, até a Colômbia na quinta, foram duas marcas que o futebol brasileiro manteve por 69 anos, não é pouca coisa.

Resta ainda uma estatística favorável que o Brasil tentará manter na América do Sul, diante da Argentina de Messi: o único país com cinco Copas do Mundo conquistadas nunca perdeu um jogo de Eliminatórias dentro de casa. E a casa em questão, mais conhecida como Maracanã, é o estádio Jornalista Mário Filho. Em homenagem ao irmão do jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues que escreveu “O Negro no Futebol Brasileiro”, ainda necessário a quem quiser reconhecer o futebol no Brasil como muito mais que um mero esporte.

Na Miami de 29 de setembro, um dia antes de Messi ganhar sua oitava Bola de Ouro como melhor do mundo, a Adidas promoveu um bate-papo entre o argentino e o ex-craque francês de origem argelina, hoje técnico, Zinédine Zidane. Onde Messi admitiu que a maior frustração da sua carreira vitoriosa é a derrota de 0 a 1 para a Alemanha de Bastian Schweinsteiger. Foi na final da Copa do Mundo do Brasil, em 2014, dentro do Maracanã. O argentino pode ter contas pessoais a acertar no maior estádio do mundo. E sua última chance de tentar fazê-lo.

Na mesma quinta em que o Brasil perdeu sua invencibilidade histórica para a Colômbia nas Eliminatórias, a Argentina também perdeu em plena La Bombonera, mítico estádio do Boca Juniors, seu primeiro jogo desde o tropeço da derrota contra a Arábia Saudita na estreia da Copa do Mundo de 2022 que conquistaria. A vitória de 2 a 0 do Uruguai, além das virtudes de jovens jogadores como o zagueiro Ronald Araújo e o atacante Darwin Núñez, autores dos gols e ambos com 24 anos, se deve ao seu treinador argentino, Marcelo “El Loco” Bielsa.

Só um louco poderia supor, apenas alguns anos atrás, que o Uruguai venceria a Argentina dentro da Argentina, deixando no banco os melhores camisas 10 e 9 do futebol brasileiro. Mas foi assim na quinta, quando, respectivamente, os uruguaios De Arrascaeta (Flamengo) e Luisito Suárez (Internacional) assistiram do banco de reservas à vitória merecida da sua seleção. Bielsa encarnou a ressalva sobre Hamlet: “parece loucura, mas há método”. E faz do Uruguai, após bater Brasil e Argentina em sequência, uma força novamente temida no continente.

Além do banco de reservas do Uruguai, o futebol do Brasil vive outras contradições. Tem no técnico Fernando Diniz uma unanimidade no Fluminense, que conduziu ao título inédito da Libertadores em trabalho autoral. Mas que, na tentativa de resgatar no Brasil uma filosofia de jogo que já foi sua, é unanimemente questionado pelos péssimos resultados. Se não está “preocupado com resultados”, como bravateou após perder para a Colômbia, não deveria ter assumido a Seleção Brasileira. Onde só esquenta lugar ao treinador italiano Carlo Ancelotti.

Sem Neymar e Vini Jr., respectivamente, lesionados contra o Uruguai e a Colômbia, o Brasil vai encarar a Argentina de Messi sem seus dois principais jogadores. Se perder a terceira seguida nas Eliminatórias, continuará a rasgar as melhores marcas do futebol que ainda ufana ser “o melhor do mundo”. Mas não consegue se afirmar nem no próprio continente. E se ganhar da campeã do mundo, contra o melhor jogador do mundo, os “idiotas da objetividade” de Nelson, irmão de Mário, inflarão o peito de pombo para arrulhar: “Comigo ninguém pode no futebol”.

 

“Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo

E para não ficar com as vastas mãos abanando

Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança

Possivelmente, isto é, muito provavelmente

Porque era sábado”

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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