Apocalipse Moderno
Por Felipe Fernandes
Filmes sobre o fim do mundo são praticamente um gênero que sempre esteve presente no cinema. Imaginar diferentes formas de como tudo chega ao fim é um exercício interessante que chama a atenção do grande público. E nem mesmo a pandemia parece ter afetado esse fascínio.
Baseado no livro de Rumaan Alam, “O mundo depois de nós” é um projeto que nasceu grande, com seus direitos tendo sido comprados pela Netflix antes mesmo do lançamento literário da obra original. Com um elenco sempre atrelado a grandes nomes, o escolhido para levar o livro às telas foi o diretor e roteirista Sam Esmail, conhecido pela série “Mr.Robot”.
Partindo de uma premissa simples, a história traz uma tradicional família de classe média que sai de férias e vai para uma casa luxuosa e isolada, precisando lidar com estranhos acontecimentos, que pouco a pouco vão os excluindo do mundo. Em um mundo cada vez mais conectado, a perda de sinal de celular, TV e internet já parece ser assustador o suficiente à maioria.
A chegada de um homem e sua filha que alegam ser os reais donos da casa, traz uma nova dinâmica para a casa e a narrativa. O filme arranha uma óbvia questão racial, mas que fica muito na superfície. Compartilhar uma casa com estranhos, enquanto o mundo desmorona lá fora, é apenas uma das questões que o longa busca abordar.
A obra conta com uma trilha sonora estridente, que busca o tempo todo estimular a ideia de que algo está errado. Essa sensação também é reforçada pela direção de Esmail, que abusa do plongée e de planos em que a câmera atravessa paredes e mostra os personagens abaixo de sua linha, criando algumas composições bem estranhas, que tiram mais o espectador da trama do que intensificam essa sensação incessante de estranhamento. Esmail parece um diretor iniciante, deslumbrado com as possibilidades de movimentos de câmera e seu virtuosismo. É difícil compreender algumas de suas escolhas.
Dividido em capítulos (uma escolha narrativa que nunca se justifica), o longa parece um episódio de “Além da imaginação”, ou talvez um episódio de “Black Mirror”, para os mais novos. Abordando a questão tecnológica, a presença de animais selvagens cercando a casa e as relações entre as duas famílias, o longa traz críticas ao estilo de vida moderno, apresentando nossa fragilidade como uma sociedade cada vez mais dependente das facilidades da modernidade.
Trabalhando a paranóia crescente, um elemento forte dentro dos Estados Unidos, abordando a questão homem x modernidade x natureza. E apresentando até mesmo alguns elementos que sugerem a presença de uma força superior, situação totalmente ligada à pequena Rose, uma adolescente que nunca é ouvida mas vê os sinais. O longa busca lidar com diversas questões atuais e relevantes, mas não se aprofunda em nenhuma delas. Essa falta de foco acaba prejudicando o resultado final.
Utilizando diálogos expositivos para desenvolver os personagens e ainda desconstruir seu quebra cabeças, o texto frágil acaba sendo ajudado pelo bom elenco, que não salva a obra, mas ao menos traz alguma credibilidade. É difícil comprar o núcleo familiar principal, principalmente porque a química entre Julia Roberts e Ethan Hawke não existe. Nesse sentido, o filme funciona melhor para Mahershala Ali e Myha´la, que com muito pouco conseguem construir um laço familiar mais consistente.
Para um longa sobre como a família moderna lida com o fim do mundo, as poucas explicações podem incomodar quem gosta de tudo devidamente explicado. A forma conveniente como a questão principal é explanada deve incomodar quem busca coerência. É um longa que se perde na construção do suspense e ao tentar lidar com várias temáticas, sem se aprofundar em nenhuma delas, acaba se esvaindo de sentido e de força em seu discurso.
Um filme de fim de mundo pode ser puro entretenimento. Mas quando busca a reflexão, pode alcançar alguns de nossos maiores medos, algo que “O mundo depois de nós” não consegue.
Publicado hoje na Folha da Manhã.
Confira o trailer do filme, lançamento da Netflix:
Bela resenha do filme. Engrandeceu a visão e opinião que tinha dele.