No dia 13 de outubro de 1972, o voo 571 da Força Aérea do Uruguai transportava uma equipe de rugby de uma universidade do país para uma competição no Chile. Enquanto atravessavam a Cordilheira dos Andes, na fronteira entre a Argentina e o Chile, eles sofreram um trágico acidente que vitimou 12 dos 45 passageiros, com outros 6 mortos nos dias seguintes.
“A sociedade da neve” narra a incrível história da luta pela sobrevivência dos outros 27 passageiros, que em uma situação extrema, completamente adversa, lutaram por suas vidas contra a natureza implacável dos Andes. A história virou livro e posteriormente ganhou duas adaptações para o cinema, uma em 1976 e uma (mais famosa) em 1993. Passados 30 anos, a história volta às telas em uma produção espanhola que foi selecionada pelo país como sua representante no Oscar de 2024 e está disponível na Netflix.
Após uma rápida introdução, que não funciona para apresentar personagens, mas para estabelecer o clima do time, junto a familiares e a alegria pela viagem, onde poderiam não só praticar seu esporte e representar seu país, mas também viver momentos entre amigos em uma viagem única para muitos ali. Situação que segue no avião e cria um contraste interessante com a sequência da narrativa.
A cena do acidente é brutal. Não me recordo de ter assistido nenhuma cena desse tipo que seja tão assustadora. A montagem, os efeitos e a direção constroem uma das cenas mais impactantes do gênero e certamente uma das mais marcantes de 2024. Nesse sentido, o diretor A.J.Bayona se mostra um especialista nesse tipo de filme, já que a sequência do tsunami em “O impossível” (2012), outro longa do diretor, é também muito marcante.
A escolha de manter toda a ação do local do acidente, com pouquíssimas inserções de flashbacks é muito acertada, pois provoca no espectador uma sensação de desgaste e imersão importantes. Narrativamente, os roteiristas conseguem trabalhar a tensão daquele embate homem x natureza, conforme as coisas acontecem, conforme eles buscam soluções para tentar sobreviver, misturando as emoções dos sobreviventes, entre o luto, a esperança e o desespero.
O diretor J.A. Bayona consegue explorar bem visualmente a situação, seja explorando o frio, os ferimentos, a claustrofobia da fuselagem que serve de refúgio para os sobreviventes e até mesmo mostrando as belezas naturais da região. O design de som do filme é muito eficiente para reforçar as sensações dentro daquele ambiente, essa construção sensorial provoca essa sensação de imersão, conectando ainda mais o espectador.
Merece destaque a maquiagem do filme, que é impressionante. A cada dia que passa, ficam visualmente notórios os efeitos daquela situação nos corpos daqueles jovens. A degradação física e psicológica daquela situação limite, funcionam em uma crescente, conforme os dias passam, mais mortes acontecem, o espírito de cada um vai mudando e é a maquiagem responsável por mostrar como os corpos reagem naquele ambiente vai tornando tudo mais pesado, ao ponto de não nos lembrarmos de como eles eram antes do acidente.
Com um elenco formado por jovens atores, de currículos curtos e pouco conhecidos fora da Espanha, uma escolha importante já que qualquer rosto mais conhecido quebraria a imersão do espectador, o elenco consegue construir um senso de grupo, a amizade entre eles é palpável, dando conta também das cenas mais dramáticas.
Com elementos dramáticos poderosos, potencializados por sua parte técnica e grandes atuações, “A sociedade da neve” é um grande filme que narra uma história única, daquelas que mesmo conhecendo o desfecho, é difícil acreditar. É o tipo de história que nenhuma ficção jamais conseguiria conceber.
Publicado hoje na Folha da Manhã.
Confira abaixo o trailer do filme: