Aprovação na pressão da LOA de Campos e suas lições

 

Hamilton Garcia, Pryscila Marins, Alexandre Buchaul, George Gomes Coutinho, Marcão Gomes e Gilberto Gomes (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

LOA imposta à Câmara e suas lições

 

Que lições tirar da novela da Lei Orçamentária Anual (LOA) de Campos neste ano eleitoral de 2024, encerrada na última quarta (24)? Quando, por pressão da sociedade civil organizada e após a mediação do Ministério Público, a oposição na Câmara Municipal foi obrigada a colocar a LOA na pauta. Para se abster da sua aprovação (confira aqui) pela maioria governista.

 

Placar final da aprovação da LOA imposto na quarta à Câmara Municipal de Campos (Foto: Rodrigo Silveira/Folha da Manhã)

 

“É necessário que o Poder Legislativo tenha maior qualidade (…) O espetáculo que a gente viu foi meramente de embate político na disputa de oligarquias, por conta do calendário eleitoral. Isso beira mais à chantagem política”, classificou o cientista político Hamilton Garcia, professor da Uenf.

“Na complexa situação da LOA em Campos, o erro maior partiu do Legislativo. Que, ao retardar a votação da LOA, ameaçou a continuidade de serviços essenciais providos pelas instituições de assistência social do município”, definiu a advogada Pryscila Marins, presidente da Apoe.

Confira aqui e abaixo, na íntegra, as duas análises:

Hamilton Garcia — “O grande problema, para além de dificultar a governança pública e para a sociedade, em função do adiamento da discussão sobre a LOA, está naquilo que fica como padrão de comportamento na relação entre os Poderes. O Legislativo teve tempo para discutir a LOA, que chegou ali no final de agosto. Então, teve condições de montar as comissões para montar as comissões mistas, permanentes, especiais, fazer as audiências públicas para discutir as prioridades, qual a viabilidade orçamentária da proposta da Prefeitura. E esse processo foi desperdiçado. As comissões só foram criadas agora, no início do ano. Essa é a questão mais grave: esse padrão de governança legislativa em Campos, altamente nocivo à municipalidade. Isso não quer dizer que a Prefeitura tenha sempre razão na implementação das políticas. Quer dizer que é necessário que o Poder Legislativo tenha maior qualidade. Que tenha maior capacidade de discussão sobre as políticas públicas. Esse é o principal foco: a qualidade do processo legislativo. O espetáculo que a gente viu foi meramente de embate político na disputa de oligarquias, por conta do calendário eleitoral. Isso beira mais à chantagem política”.

Pryscila Marins — “Na complexa situação da LOA em Campos, o erro maior partiu do Legislativo. Que, ao retardar a votação da LOA, ameaçou a continuidade de serviços essenciais providos pelas instituições de assistência social do município. Foi uma falta grave de responsabilidade institucional, priorizando disputas políticas em detrimento do bem-estar da população. Nesse cenário, a vitória pode ser creditada à sociedade civil. A mobilização das entidades e organizações sociais foi decisiva para chamar a atenção à urgência da votação da LOA. Essa pressão social resultou na intervenção do Ministério Público, que defende diretamente os direitos dos usuários dessas entidades. Ao envolver-se, o MP desempenhou papel crucial na condução da crise à resolução da crise. Que demonstrou o poder e a importância da mobilização social e da atuação do Ministério Público na proteção dos interesses coletivos. O episódio ressalta a capacidade da sociedade civil de influenciar decisões políticas, especialmente em situações que afetam diretamente os mais vulneráveis. É um lembrete poderoso: a política deve servir ao povo e suas necessidades. E não o contrário”.

Alexandre Buchaul — No Folha no Ar de ontem (26), o odontólogo Alexandre Buchaul (Novo), pré-candidato a prefeito de Campos em oposição ao atual, avaliou a estratégia da oposição no episódio que terminou com a aprovação da LOA na quarta: “Foi um tiro de canhão no pé”. Como consta na reprodução de parte da entrevista na página 5 desta edição, Buchaul completou: “Na forma como a Câmara se conduziu, pensemos: tinha motivo à não votação da LOA? Os relatórios que faltavam eram problemas insanáveis de documento? Como é que depois de uma conversa no Ministério Público, entre os dois grupos políticos, isso foi colocado em votação sem que fosse sanado? Então, não era esse o problema”.

Na quinta (25), no dia seguinte à aprovação da LOA imposta à Câmara Municipal pela sociedade civil organizada e após a mediação das promotoras de Justiça Anik Assed e Maristela Naurath, a questão foi analisada (confira aqui) pelo cientista político George Gomes Coutinho, professor da UFF-Campos; o servidor federal, advogado, ex-deputado federal e ex-presidente da Câmara Municipal Marcão Gomes (PL, a caminho do MDB); e o assessor da Câmara de Deputados e secretário de Comunicação do PT de Campos, Gilberto Gomes. Os dois últimos são pré-candidatos a vereador em 6 de outubro: Marcão pelo governo; Gilberto, pela oposição. Os três trouxeram visões diferentes, mas talvez complementares:

George Coutinho — “Ainda fico na minha interpretação da disputa clânica com elementos da nossa conjuntura: o abandono do fair play no Brasil e alhures no que tange à disputa política. A disputa é violenta, tal como observado (confira aqui) na coluna Ponto Final, sem mediação por regras. É briga, tal como assinalado na análise da Folha, não sendo luta. O curioso é que em determinados patamares há uma disputa por projetos de sociedade muito distintos, o que contextualiza a agressividade entre os litigantes, como entre republicanos e democratas, ou bolsonaristas e lulistas. Na política de Campos não há essa sofisticação. Vou frisar: reacionários e progressistas sentem-se existencialmente ameaçados por conta até mesmo de suas visões de mundo. O futuro desejado implica, de lado ou de outro, o desaparecimento de elementos culturais, comportamentais. A agressividade deriva dessas visões de mundo. Em Campos, não. Aqui, o que impera é a disputa vulgar por poder”.

Marcão Gomes — “Não tenho nenhuma dúvida de que o erro partiu do Poder Legislativo. Que já estava há vários meses com o projeto da LOA na gaveta e podia ter chamado a sociedade civil organizada para discutir possíveis modificações ou adequações e posterior inclusão na pauta de votação. Mas não fez nada disso. Iniciou 2024 sem votar e continuou a utilizar o poder de pauta para impor uma ditadura da minoria, já que o governo possui maioria na Casa de Leis, como provou a aprovação da LOA na sessão de quarta. Nessa briga política iniciada pelo Legislativo teve de tudo, menos bom senso por parte do presidente da Câmara. O prefeito Wladimir (Garotinho, PP, pré-candidato à reeleição) sai, sim, mais fortalecido. Não cedeu à ditadura da minoria, conseguiu diálogo franco com as instituições e demais atores envolvidos direta e indiretamente na votação da LOA. E apresentou junto de sua equipe, ao Ministério Público, a impossibilidade de execução orçamentária. O prefeito mostrou vontade de dialogar, sem se ajoelhar à imposição do presidente da Câmara”.

Gilberto Gomes — “Tenho defendido a tese de que a aprovação do Orçamento, após a mediação dos conflitos, fará pouca diferença na vida do povo e no funcionamento da cidade. A aprovação resolve os problemas do prefeito, não do povo, uma vez que a proposta de LOA mais uma vez não teve participação efetiva da população no seu debate, vide a questão do transporte público que completa mais 4 anos sem solução. Essa LOA aprovada na quarta foi pensada de acordo com o funcionamento da máquina da Prefeitura. Que é a maior empregadora numa cidade com poucos empregos. Com quase 9 mil RPAs, esse Orçamento pode ampliar ainda mais a dependência dos empregos gerados pela Prefeitura, principalmente em ano eleitoral. Pelo bem da cidade, fico contente que tenha sido mediada uma solução à crise. E ficou muito bem destacado o papel feminino das duas promotoras de Justiça liderando esse processo. Mas, sem participação popular, não posso reforçar a narrativa de que aprovar a LOA garantirá um ano de tranquilidade para o povo”.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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