Felipe Fernandes — Pobres criaturas: sexo e libertação

 

 

Felipe Fernandes, filmmaker publicitário e crítico de cinema

Baseado no livro de Alasdair Gray, o longa é uma releitura pós-moderna do mito de Frankenstein. Tirando o aspecto decadente daquela sociedade e a natureza violenta que acompanha a criatura, entrando uma fábula fantástica e o sexo como forma de libertação.

O diretor Yorgos Lanthimos adota uma jogada com as cores que não é nada original, mas que funciona bem narrativamente, já que acompanhamos a história através do ponto de vista da protagonista Bella. Todo o primeiro ato é preto em branco, quando ela sai da mansão de seu criador e conhece o mundo, tudo passa a ser colorido e vibrante.

Vale destacar o maravilhoso design de produção, que constrói diferentes capitais da Europa, agregando o tom fantástico, mas sem descaracterizar os locais. Interessante como a tecnologia remete a visuais de época, fugindo do aspecto clean da modernidade, trazendo objetos e embarcações com um visual retrô, meio antiquado.

O filme acompanha o desenvolvimento de Bella. Primeiro como uma criança em um corpo de mulher e seu desenvolvimento a cada nova descoberta. A descoberta do sexo lhe traz prazer e tal qual uma criança, livre de amarras sociais, ela só quer repetir o máximo a experiência.

Essa abordagem direta, naturalizando a nudez e o sexo em várias cenas, é importante por novamente mostrar a forma natural e prática como a protagonista encara tudo que envolve o sexo. Bella é livre de qualquer amarra ou convenção social, característica sempre interessante e aqui funciona para dialogar com a libertação não só do corpo feminino, mas da mulher, seus desejos e pensamentos em uma sociedade machista e controladora.

Conforme amadurece, Bella ganha outras preocupações, conhecendo o lado mais cruel do mundo. Essas transformações acontecem de forma gradual, com a personagem crescendo junto com as temáticas da narrativa.

Os homens do longa são vistos por um prisma distorcido, seja na desfigurada figura paterna, no malandro que lhe apresenta o mundo e faz de sua masculinidade uma posição de poder, mas se torna uma grande caricatura da fragilidade masculina quando seus encantos simplesmente não causam efeitos em Bella.

Culminando no surgimento de um novo personagem no terceiro ato, que basicamente é uma versão do marido, que acredita ter posse sobre a mulher, funcionando como o único personagem abertamente vilanesco e unidimensional.

O elenco como um todo está muito bem, Dafoe brilhante como sempre, trazendo afeto para um cientista completamente amoral, Mark Ruffalo diverte com seu malandro exagerado. Mas o filme é de Emma Stone, que tem o grande trabalho de sua carreira. Sem nunca deixar a personagem cair no ridículo, ela realiza uma transformação física que impressiona, construindo uma personagem complexa e poderosa.

Para uma geração que entende o sexo como desnecessário em obras audiovisuais, Lanthimos escancarada o sexo na tela e usa a fantasia e o bizarro para falar da libertação da mulher em todos os aspectos. É sintomático que “Pobres criaturas” e “Barbie” tenham sido lançados no mesmo ano. Sinal de que a sociedade está mudando (lentamente) e o cinema segue como ferramenta de reflexão.

 

Publicado na Folha da Manhã.

 

Assista ao trailer do filme:

 

 

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