Guiomar Valdez — Lula, Netanyahu, Brasil, Israel e mundo

 

Lula e Netanyahu na Jerusalém de 2010 (Foto: Gil Cohen Magen/Reuters)

 

Guiomar Valdez, historiadora e professora do IFF

Lula, Netanyahu, Brasil, Israel e mundo

Por Guiomar Valdez

 

Um pouquinho de minha opinião sobre o atual discurso do Lula sobre a situação em Gaza, a resposta imediata do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e ao seu governo. Assim como à repercussão nacional e internacional da crise diplomática entre Brasil e Israel.

Quanto ao discurso do Lula, achei imprudente e intempestiva a forma; mas não o conteúdo. É necessário aproveitar todas as oportunidades para denunciar o massacre de vidas humanas na região, a forma desproporcional em resposta ao ataque terrorista. Na qual milhares de seres humanos inocentes são destruídos, enquanto pouco sabemos dos terroristas mortos e/ou capturados. Não apenas Lula, mas outros chefes de Estado e de Governo também vêm denunciando e pedindo o cessar-fogo. Como relevantes organizações não governamentais por mundo a fora, bem como a ONU.

Considerando o processo histórico de Israel, em especial o político e o geopolítico, Netanyahu e seu governo impopular de extrema direita estão pautadas no fundamentalismo da ideologia sionista. Extremismo e fundamentalismo que já havia sido identificado ainda em 1948 pelo cientista Albert Einstein e a filósofa Hannah Arendt, através de uma carta conjunta com muitos outros pensadores enviada ao jornal New York Times sobre os perigos contidos na fundação do Partido Liberdade no recém-criado Estado de Israel:

— Entre os fenômenos políticos mais perturbadores de nossos tempos está o surgimento no recém-criado Estado de Israel do “Partido da Liberdade” (Tnuat Haherut), um partido político muito parecido em sua organização, métodos, filosofia política e apelo social aos partidos nazistas e fascistas. Foi formado a partir da adesão e seguimento do antigo Irgun Zvai Leumi, uma organização terrorista, de direita e chauvinista na Palestina […] Hoje falam de liberdade, democracia e anti-imperialismo, quando até há pouco tempo pregavam abertamente a doutrina do Estado fascista. É nas suas ações que o partido terrorista trai o seu verdadeiro caráter; a partir de suas ações passadas, podemos julgar o que se pode esperar que ele faça no futuro.

Por que chamo atenção para este fato? Apenas para compreendermos que partidos políticos possuem tendências que lutam internamente pela direção hegemônica da instituição; que os judeus em Israel e os que estão em outros países se dividem nas opiniões político-ideológicas. Ora, nesse sentido, existem organizações judaicas que não são sionistas, muito menos fundamentalistas/extremistas. Inclusive que defendem a criação do Estado Palestino e que condenam o massacre em Gaza. E que não apoiam o caráter imperialista regional.

Sofrem em suas memórias e marcas no corpo e na alma decorrentes do Holocausto, mas não caem nas artimanhas político-ideológicas dos que procuram minimizar ou negar o fato.  E, em Israel, obviamente, não é diferente.

No processo histórico do Partido Liberdade, chegamos ideologicamente ao partido Likud (fusão de outros existentes) e ao longo governo de Netanyahu (líder do partido) já caracterizado acima, cuja tendência hegemônica é o sionismo fundamentalista. Sua resposta ao discurso intempestivo de Lula, já relatado em comentários no grupo, vejo como desproporcional, típico de quem já observa a fragilidade de apoio à continuidade de seu massacre em Gaza.

Concordo que Lula “deu uma deixa” para Netanyahu e seu governo aparecerem; uma pena. Entretanto, observo que até o dia de hoje a repercussão intensa e repetida em pautas nas mídias mais tradicionais e nas redes sociais é muito mais no nível nacional do que internacional — posso estar enganada. Um exemplo foi o encontro do G-20 ocorrido no Rio de Janeiro, que terminou na quinta sem formalizar nenhum documento tratando de Lula/Netanyahu, mas, sim, sobre o urgente cessar-fogo.

Recordo que a extrema direita no mundo cresceu e cresce com apoios ‘em redes’. A vitória desses líderes não acontece apenas com apoio interno de cada nação. Assim, os governos e líderes nacionais e internacionais de extrema direita, como o caso de Israel, dialogam, trocam experiências, promovem ações nas redes sociais e nas mídias hegemônicas em geral. Então, é possível pensar que o extremismo de considerar o chefe de Estado e de Governo do Brasil, o Lula, como ‘persona non grata’, pode ajudar o ex-presidente daqui em sua manifestação neste domingo de 25 de fevereiro.

Também não podemos desconsiderar que Bolsonaro já pousou em foto com deputada neta de ministro de Hitler. Ou que seu secretário de Cultura fez discurso semelhante ao discurso no ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. Êta, contradições!

Por fim, se há uma crise diplomática, os nossos embaixadores e afins vão atuar altivamente, reafirmando a nossa história neste âmbito. E não de maneira submissa. O que importa é o processo histórico que está e será analisado; o que importa em primeiro lugar é a empatia e compaixão para com as vidas inocentes ceifadas nas mais de dezenas de guerras acontecendo pelo mundo, sem ter como hierarquizá-las; o que importa são ações objetivas e urgentes para cessá-las.

O que é também urgente e necessário é denominar as razões e os autores que promovem essas mortes, seja nas nossas periferias, seja com os nossos indígenas, seja em Gaza, seja na Ucrânia, seja na Síria, seja no Sudão, seja no Iêmen, seja em Myanmar, seja em qualquer lugar do mundo.

Sobre essa Guerra e a Paz é preciso denunciar e termos a capacidade de anunciar novos tempos. Somos e seremos capazes? Aí são outros quinhentos. Sigamos em frente, atentos aos fatos e aos seus contextos.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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