A força de Bolsonaro na Paulista
A despeito de ter dado, em seu discurso, mais elementos à Polícia Federal (PF) sobre o seu papel na tentativa de golpe de estado no Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) demonstrou força (confira aqui) na manifestação na av. Paulista na tarde do último domingo (25). Se os presentes foram de 600 mil a 750 mil, segundo os cálculos da PM do governador bolsonarista Tarcísio de Freitas (Rep), ou os 185 mil contabilizados em levantamento da Universidade de São Paulo (USP), a dúvida é: que outro político brasileiro, mesmo apeado há mais de um ano do poder, seria capaz de pôr tanta gente na rua? Além de quatro governadores de estado?
Complicações com a PF e eleições
Ao admitir na Paulista que sabia da minuta do golpe, apreendida pela primeira vez na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, e ao reforçar sua ligação com os presos pela invasão das sedes dos Três Poderes na Brasília de 8 de janeiro de 2023, aos quais pediu anistia no domingo, Bolsonaro pode ter se complicado ainda mais nas investigações da PF. Mas mostrou um capital eleitoral que pode ser decisivo nas urnas municipais de 6 de outubro, daqui a exatos 7 meses e 8 dias. Assim como, mesmo inelegível até 2030, pode definir os candidatos da direita nas eleições a governador de muitos estados e a presidente da República em 2026.
A governador e presidente em 2026
Além de Tarcísio, estiveram na Paulista os governadores de Minas Gerais, Goiás e Santa Catarina, respectivamente, Romeu Zema (Novo), Ronaldo Caiado (União) e Jorginho Mello (PL). Pesquisa da mesma USP com o público presente revelou (confira aqui) que, sem Bolsonaro, 61% querem hoje Tarcísio a presidente em 2026. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) veio em 2º, com 19%; seguida de Zema, com 7%. Como poderá ser candidato à reeleição a governador de SP, como Jorginho em SC, Tarcísio só se aventuraria a presidente se o cavalo passasse selado. Governadores já reeleitos, Zema e Caiado teriam pouco a perder. Michelle é uma incógnita.
A prefeito em outubro de 2024
A popularidade de Bolsonaro e sua capacidade de transferência poderão ser medidas nas eleições municipais de 6 de outubro. Presente à Paulista, o prefeito paulistano Ricardo Nunes (MDB) não discursou. Mas, sem os votos bolsonaristas, talvez não se elegesse vereador. Para se manter prefeito, deve enfrentar a candidatura do deputado federal Guilherme Boulos (Psol), com a ex-prefeita Marta Suplicy (PT) de vice. É uma aposta pessoal de Lula. Como foi em 2022 a candidatura a governador de Fernando Haddad (PT), hoje ministro da Fazenda, após ser derrotado no segundo turno por Tarcísio com o apoio de Bolsonaro.
Lula x Bolsonaro a prefeito
Cientistas políticos, Antonio Lavareda e Felipe Nunes comandam, respectivamente, o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) e o Quaest Pesquisa e Consultoria. Com base nos últimos 8 anos, ambos afirmam que a eleição municipal de 2016 foi marcada pelo “novo” — o que explica a conquista da Prefeitura de Campos em turno único por Rafael Diniz (Cidadania) — e a de 2020 pela pandemia da Covid 19. Aos dois, a urna municipal de outubro será da bipolaridade política nacional: esquerda x direita, Lula x Bolsonaro. Quanto maior a cidade, mais isso se acentuará. Quanto menor, se acentuarão as questões locais.
Força de Bolsonaro em Campos
Com 370.623 eleitores aptos a votar em outubro, Campos é um município médio. Mas, diferente de Ricardo Nunes na maior cidade da América Latina, todas as pesquisas de 2023 mostraram que o prefeito Wladimir Garotinho (PP) tem votos próprios (confira aqui) para se reeleger. Hoje, seu maior desafio seria fazê-lo em turno único. O que, a exemplo do prefeito Eduardo Paes (PSD) na cidade do Rio, cacifaria a voos maiores em 2026. Para tentar liquidar a fatura de 2024, seria importante a Wladimir o apoio dos Bolsonaro. Sobretudo porque o chefe do clã teve 63,14% dos votos válidos dos campistas no segundo turno presidencial de 2022.
Apoio de Flávio e foto com Michelle
Nesse pragmatismo político, Wladimir divulgou na quarta (21) o vídeo de apoio do senador Flávio Bolsonaro (PL) à sua pré-candidatura de reeleição a prefeito. Como reforçou esse apoio na quinta (22), ao postar foto junto de Michelle Bolsonaro, externando por ela sua admiração. Do Rio a Campos, questionamentos foram feitos. De deputados bolsonaristas aliados do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (União). E de integrantes do PT goitacá, insatisfeitos pela afinação com os Bolsonaro enquanto Campos recebe investimentos do governo Lula, aos quais o prefeito não estaria dando o devido crédito.
Questionamentos bolsonaristas
Ainda na quinta, o controverso deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB), mais famoso por ter quebrado a placa da ex-vereadora carioca Marielle Franco (Psol) na campanha eleitoral de 2018, chamou o prefeito de Campos de “Wladimir ‘Molequinho’”. Já o também controverso deputado Alan Lopes (PL) ameaçou: “A Comissão de Combate às Desordens vai voltar lá (a Campos) para ver se essa questão da farra do RPA já acabou”. A despeito da posição dos dois polêmicos parlamentares ligados aos Bacellar, e mesmo que o apoio partidário do PL não se concretize, o que importará ao eleitor bolsonarista de Campos é o apoio dos Bolsonaro.
Questionamento petista
Também na quinta, o secretário de Comunicação do PT de Campos, Gilberto Gomes, criticou a aparente dualidade de Wladimir: “Em 2023, o saldo de investimentos do governo Lula em Campos alcançou R$ 1,3 bilhão. Pouco ou nenhum crédito foi dado ao governo federal. A apropriação dos seus programas pelo município tem sido tática de um prefeito intimamente ligado ao bolsonarismo”. Wladimir respondeu em comentário: “Tenho obrigação de dialogar com todos pelo bem da cidade. Quanto ao governo federal, foram praticamente repasses obrigatórios por lei. Mas, caso esses investimentos venham, darei o crédito sempre”.
A ciência política e o pragmatismo
Na sexta (23), outro cientista político, o George Gomes Coutinho, professor da UFF-Campos, analisou os argumentos de Gilberto — que é pré-candidato a vereador — e de Wladimir sobre o apoio político dos Bolsonaro ao prefeito com investimentos do governo Lula ao município: “Wladimir mais uma vez soube sair sem a menor dificuldade da armadilha. E sim, ele tem razão. Ele é prefeito de uma cidade média. Precisa manter um diálogo plural e adotar o pragmatismo (…) O PT local tem o dever, sim, de buscar projeção na discussão pública local (…) A questão é a eficiência do argumento em tela para além da militância”.
Publicado hoje na Folha da Manhã.