Arthur Soffiati — Jacaré pega onda do tubarão no cinema

 

 

Arthur Soffiati, historiador, professor, escritor e crítico de cinema

Um jacaré no esgoto

Por Arthur Soffiati

 

Em “Devorado vivo” (1976), de Tobe Hooper, o herói-bandido é o psicopata dono de hotel (Neville Brand) que mata os hóspedes para alimentar seu crocodilo. Em “Alligator, o jacaré gigante” (1980), de Lewis Teague, o herói é um jacaré americano. Pegando a onda criada por “Tubarão”, de Spielberg, o jacaré não pode ser mau porque os animais não são cruéis. Contudo, nos filmes, os animais acabam adquirindo personalidade humana. Eles representam o mal e seus caçadores são vistos como símbolo do bem, como heróis.

Sinteticamente, o roteiro mostra um filhote de jacaré tirado do seu meio por uma menina e levado para Chicago como pet. O pai da menina descobre o bichinho e o lança no vaso sanitário. Adeus, jacaré? Não. Ele sobrevive na rede de esgotos da cidade, alimentado por animais mortos cheios de hormônios por um laboratório que faz experiências suspeitas. Pernas e braços começam a aparecer na estação de tratamento de esgoto. A polícia é chamada. Um investigador (Robert Forster) cuida do caso. Quem é o criminoso? Andando pelas galerias de esgoto, o investigador descobre logo tratar-se de um jacaré monstruoso, e não de um bandido. O filme se baseia numa lenda urbana muito popular nas décadas de 1970-80.

Concluindo-se de que se trata de um jacaré, a polícia devia encerrar o caso e passá-lo para bombeiros ou cientistas. Mas as investigações policiais prosseguem com o detetive compulsivo. Os clichês começam a se definir. O policial perdeu um companheiro no passado e se sente culpado por isso. É um homem atormentado que perderá mais um colega para o cruel jacaré gigante. O chefe da delegacia é também típico na sua meia idade e rouquidão. Ambos procuram um especialista. O maior nome em herpetologia é ninguém menos que uma linda moça. O dono do laboratório é um empresário inescrupuloso que tem grande influência sobre o prefeito venal. Esse filme já foi visto várias vezes, trocando-se apenas o vilão e os personagens.

É claro que haverá um romance entre o investigador e a cientista. É claro que haverá sexo, embora, no filme, ele seja discreto. Nem os seios da cientista completamente nus são exibidos. Mas o detetive comenta que ela é inteligente, bonita e tem peitos atraentes. É claro que o jacaré terá comportamento humano. Ele arrebenta o asfalto e avança pela superfície de Chicago, atacando pessoas e veículos. É um animal gigantesco. Parece que ele sabe quem é o homem mau e ataca a festa de casamento do seu filho, devorando muitos convidados e o próprio vilão.

Afastado do caso por ordem do prefeito, o detetive continuará a agir por conta própria com ajuda da cientista. Também já assistimos a esse filme várias vezes. Ambos entram no covil do jacaré e o detonam com dinamite. Caso resolvido? Chicago pode descansar? O filme terminou? O jacaré deixou filhotes. Mas como? Ele era macho ou fêmea? Se macho, não havia como proliferar. Se fêmea, pode-se pensar em partenogênese. O instinto de reprodução é tão forte que algumas plantas, invertebrados, anfíbios e répteis dispensam parceiros machos e se reproduzem. Um caso é focalizado em “Jurassic Park”.

Os jacarezinhos aparecem no final do filme, sugerindo continuação. Muitos filmes com jacarés foram produzidos depois e “Alligator”. Todos eles para caçar espectadores pouco exigentes. Contudo, devemos admitir que muitos filmes nessa linha fizeram sucesso. Não é preciso ir longe para saber que os estúdios dos Estados Unidos querem filmes comerciais que produzam bilheteria.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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